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    porto velho, quarta-feira 24 de abril de 2024

Insegurança jurídica institucional, crise política sem fim!


Por Leno Danner

22/07/2019 08:05:10 - Atualizado

O Brasil vive uma crise política sem fim, desde 2013, com a deflagração da Operação Lava-Jato. Não, não estou falando que a Operação Lava-Jato e o combate à corrupção pública e privada devam ser relativizados, ou mesmo ter um fim. Corrupção precisa ser combatida sem tréguas. Mas dentro da lei. As reportagens do The Intercept Brasil têm colocado em dúvida – em fortes dúvidas, diga-se de passagem – a neutralidade e a lisura da atuação das instituições judiciárias e dos operadores do direito públicos relativamente a isso. E, na verdade, essas reportagens têm evidenciado a subversão política e moral do direito, que de base última de validação da democracia passou a ser coadjuvante, mero instrumento da política partidária e das comunidades religioso-morais particulares.

O fenômeno mais interessante, em primeiro lugar, desde 2013, com as na época chamadas Jornadas de Junho, foi o aparecimento da extrema direita como um dos grupos político-culturais mais atuantes na esfera pública, nas mídias digitais e no imaginário sociocultural brasileiro. Houve, por parte dela, com isso, um ataque direto e veemente contra as instituições públicas, contra os partidos políticos e, muito frequentemente, ao próprio Estado democrático de direito, incluindo-se, aqui, o Supremo Tribunal Federal. Sob a rubrica do combate à corrupção e do enfrentamento do comunismo, toda uma sorte de violações flagrantes ao Estado democrático de direito e às instituições públicas foi cometida e instaurada como modus operandi dessa extrema direita.

Pudemos ver, relativamente a isso, passeatas verdadeiramente ridículas em que indivíduos sustentavam intervenção militar e até solicitavam apoio norte-americano para salvar o país. Tratava-se de um drama barato e imaturo, mas que serviu bem à intenção política de fundo: fazer-nos crer que tínhamos chegado ao fundo do poço; fazer-nos crer que não havia mais solução para nada, de que tudo estava perdido – fomentou-se o desespero e a desilusão para, como consequência, justificar-se perspectivas e lideranças fascistas em termos políticos e culturais, para não se dizer perspectivas e lideranças messiânicas na política.

No mesmo sentido, a eleição presidencial de 2014 marcou efetivamente a reviravolta política oriunda da emergência da extrema direta com as jornadas de junho de 2013. Com efeito, o candidato Aécio Neves, derrotado na eleição por faixa estreita de votos, entrou com processo no Tribunal Superior Eleitoral acusando a coligação vencedora de compra de votos e de abuso de poder econômico e propondo, nesse sentido, a impugnação da sua vitória, com a consequente consagração do próprio Aécio e de sua coligação. Como pudemos ver depois, foi uma bravata destinada a criar instabilidade política e partidária ao governo eleito.

Posteriormente, em 2015, o deputado federal Eduardo Cunha, apoiado em peso pelo Centrão ou baixo clero da Câmara, foi eleito presidente da Câmara dos Deputados e concentrou o apoio desse mesmo Centrão em uma luta aberta contra o governo de Dilma, assumindo e aumentando a instabilidade social e política das ruas, consolidando-a agora dentro do próprio legislativo. O resultado disso pudemos ver em 2016, quando, submetida ao impeachment, Dilma Rousseff foi retirada do poder e teve seu mandato cassado. Em contrapartida, Michel Temer, ao assumir a presidência, enfrentou escândalos e níveis de rejeição popular ainda maiores do que os de Dilma, mas, por contar com o apoio do Centrão e com a benevolência do TSE, não foi retirado do poder – a desculpa, por óbvio, passou a ser de que o Brasil não aguentaria dois processos de impeachment (antes a corrupção valia; com Temer e para ele, não valia mais). Já em 2019 estamos com o presidente Jair Bolsonaro como nosso mandatário maior, com uma pauta que assume diretamente aquelas proposições da extrema direita brasileira emergentes e consolidadas publicamente desde 2013, com as jornadas de junho.

O que há de comum de 2013 para cá, que permitiu essa instabilidade política permanente e pungente, que levou a uma crise econômica sem fim e, como consequência, à retomada de padrões de desigualdade social, de miserabilidade e de desemprego anteriores a 2010? A minha resposta a essa questão é direta: o que subjaz, perpassa e determinada todos esses fenômenos sociais, culturais, políticos e econômicos é a insegurança jurídica reinante desde então, de modo gradativo e cada vez mais intensificado. O direito e as instituições jurídicas públicas passaram a ser instrumentalizados pela política partidária e por perspectivas moral-religiosas próprias à sociedade civil, tornando-se relativizados e, em verdade, sendo colocados como arma política para o enfrentamento dos adversários, no caso o lulo-petismo.

Calma, também não estou defendendo o lulo-petismo, que teve méritos e muitos defeitos, principalmente o de ter normalizado e levado às últimas consequências a compra de apoio político-partidário (todos fizeram e fazem isso, inclusive nosso atual presidente, que liberou praticamente um bilhão de reais para a aprovação da reforma da previdência). O que estou dizendo é que a luta política atingiu também as instituições jurídicas públicas (Justiça Federal, Supremo Tribunal Federal, Procuradoria da República, Ministério Público Federal e Política Federal) e, ao fazer isso, transformou essas instituições desde dentro em perspectiva partidária militante que tinham como meta o combate a um grupo partidário e, direta ou indiretamente, a promoção do seu grupo oposto.

O fato de Sérgio Moro ter se tornado ministro da justiça no governo Bolsonaro está aí para exemplificar. E as conversas divulgadas pelo The Intercept Brasil não deixam muita margem para dúvidas: o contato íntimo entre promotores, procuradores, juiz, ministros do supremo e delegados, a busca de apoio da opinião pública para robustecer provas indiretas frágeis, a proteção a políticos “cuja apoio é importante”, a não assunção de investigações contra filho e mulher do presidente para que isso não constrangesse a estabilidade do ministro da justiça no governo e permitisse um ataque direcionado exclusivamente ao Partido dos Trabalhadores, esses são exemplos de como o direito e as instituições jurídicas públicas, com seus operadores específicos, politizou-se, moralizou-se e, com isso, utilizou de subterfúgios não-jurídicos para condenar e combater a corrupção.

Dito de modo direto: a Operação Lava-Jato atacou a corrupção contra o Estado democrático de direito violando esse mesmo Estado democrático de direito; ela atacou a corrupção por meio de procedimentos escusos. Esse escândalo e esta mancha às nossas instituições jamais serão esquecidos, jamais serão apagados. Na minha compreensão, esse foi e será por muito tempo um dos piores momentos de nossa sempre frágil República.

E essa relativização e essa subversão do Estado democrático de direito pelos operadores públicos do direito justificou e justifica um ataque permanente ao Estado democrático de direito, tanto por parte de lideranças político-partidárias quanto por grupos político-culturais próprios à sociedade civil, lideranças e grupos não acostumados com a democracia, mas com a imposição da própria vontade e visão de mundo a todo custo.

Tornou-se regra, hoje, e não mais exceção, essa situação de virtual apagamento do Estado democrático de direito e das instituições públicas, sempre que ele e elas atrapalham a luta nua e crua, sem qualquer escrúpulos, pelo poder. Ver que ainda existem operadores do direito – no MPF, no STF, na PF, na PGR, na Justiça Federal – apoiando e jogando para debaixo do pano essa situação acirra a extrema direita em seus ataques às instituições e aos adversários políticos, até mesmo às minorias político-culturais.

Por isso, por causa da politização e da moralização do direito, das instituições jurídicas públicas e de seus operadores, estamos assistindo a uma guerra política violenta, caótica e que, se justificada, como está, de modo indefinido, levará a algo mais grave e mortífero do que apenas as fake news contra os oponentes e a prisão dos adversários políticos: ela levará a um golpe político muito em breve. E não dos comunistas, mas dos cidadãos e das cidadãs de bem. De novo!  



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