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    porto velho, terça-feira 23 de abril de 2024

O gargalo do país é a desigualdade social e educacional, e não a corrupção!


Por Leno Danner

16/11/2019 20:01:20 - Atualizado

Já virou lugar comum nas discussões sociais e políticas, entre lideranças e cidadãos/ãs, o fato de que a corrupção é o nosso problema mais grave e que é por causa dela que vivemos uma situação de profunda desigualdade, injustiça e violência sociais. Na minha percepção, estamos tomando a consequência pela causa, ou seja, a corrupção não é a causa desses problemas, mas exatamente a consequência da desigualdade, da injustiça e da violência sociais.

Em primeiro lugar, isso pode ser comprovado por números: desvia-se por ano de 1,38% a 2,3% do PIB, conforme pesquisa divulgada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP)[1]. Esse valor equivale de 40 a 70 bilhões de reais anuais, conforme dados do Sindicato dos Juízes Federais de Mato Grosso (SINDJUFE-MT), de um total de 1,4 a 1,6 trilhão de reais em que consiste nosso orçamento ordinário anual, contendo-se nesse valor orçamentário todas as despesas com dívidas, pessoal, investimentos e repasses[2]. Nesse sentido, é uma completa mentira a inflação de números realizada pelo procurador do MPF Paulo Roberto Galvão, que faz parte da equipe constituinte da Operação Lava-Jato, ao afirmar, em reportagem à Revista Istoé de 2017, que, segundo a ONU (embora o referido procurador não nos apresente o documento), o Brasil perde 200 bilhões por ano com a corrupção[3]. Ora, se fosse esse efetivamente o valor, o Brasil pararia completamente suas atividades por falta de dinheiro, uma vez que, nesse caso, a corrupção equivaleria a pelo menos 20% de nosso orçamento ordinário anual. Essa lorota, na verdade, foi contada para tornar mais palatável e dramática a suposta necessidade de se aprovar as dez medidas contra a corrupção, iniciativa da Lava-Jato de Curitiba, da qual sabemos muito da dinâmica interna a partir das revelações pelo site The Intercept Brasil em termos da Vaza-Jato.

Certamente aquele real valor de 1,38% a 2,3% da receita ordinária é um montante considerável, que poderia ser investido em áreas prioritárias, como saúde e educação; ademais, a corrupção é um grave problema moral que deslegitima e fragiliza grandemente as instituições públicas, fazendo-as perceber centralidade e importância ante os olhos e o julgamento da população sofrida – instituições públicas que são fundamentais em uma democracia em termos de desenvolvimento, inclusão e igualdade. Mas, repito, a corrupção não é nosso maior problema social, e sim a desigualdade social e a injustiça educacional. Na verdade, é daqui, conforme mostrarei adiante, que a corrupção emerge, possui sentido e dinamicidade entre a população brasileira de um modo geral e nas instituições públicas e por nossos agentes jurídico-políticos em particular, sempre em contato com poderosos entes econômicos (não se pode esquecer, aliás, que a corrupção ocorre em termos de parceria entre lideranças políticas, membros do judiciário e dos órgãos de controle e empresários – esse é o caminho e esses são os sujeitos da corrupção).

Em segundo lugar, é um equívoco acreditarmos que o grosso da corrupção se dê no âmbito federal. É exatamente no contexto dos estados e especificamente no âmbito dos municípios, longe, bem longe dos olhos do TCU e do MPF e muito perto das relações coronelistas que constituem muito fortemente esses âmbitos de proximidade, onde se dá, de fato, o núcleo central das práticas de corrupção envolvendo agentes públicos e empresas privadas. Com efeito, por exemplo, em torno de 2/3 dos municípios brasileiros fraudam a compra da merenda escolar e material educacional, conforme dados da Controladoria Geral da União (CGU)[4]. Nos últimos anos, foi constatado pelo menos 10 bilhões de reais em desvios em pequenos municípios das regiões Norte e Nordeste, a título de outro exemplo[5]. Outras pesquisas apontam para até 20 bilhões os desvios em municípios de todo o país[6]. Nos estados de nossa federação, no mesmo sentido, o número é assustador: só no Rio de Janeiro, nas gestões de Sérgio Cabral, estima-se um prejuízo de 224 milhões de reais aos cofres públicos por fraudes em licitações públicas[7].

Em contrapartida, gostaria de trazer três dados que efetivamente fazem entender a gênese e o desenvolvimento da corrupção na correlação de lideranças políticas e jurídicas e grupos econômicos privados. Primeiramente, nossa economia gira em torno ao setor terciário, de serviços, que é responsável por 76% de nosso PIB; ao setor do agronegócio, a economia primária, que responde com 5,5% de nosso PIB; e à indústria ou economia secundária, que responde por 18,5% do PIB. Em segundo lugar, temos 13,5 milhões de pessoas vivendo com menos de 145 reais mensais per capita, 12,4 milhões de desempregados e 17 milhões de subempregados, sendo que o trabalho informal ultrapassou o trabalho formal neste ano de 2019. E, em terceiro lugar, temos 52% da população entre 25 e 64 anos sem concluir o ensino médio. Ademais, no que tange a este terceiro ponto, temos 11,2 milhões de analfabetos e 30 milhões de analfabetos funcionais. Note-se que estes três fatores apontam exatamente para o crescimento das desigualdades, da marginalização e da injustiça sociais, correlatamente ao baixíssimo nível formativo da população, o que leva de modo direto à incapacidade de essa população participar de modo ativo tanto nos processos democráticos de deliberação política e de escolha de nossos representantes quanto no âmbito do sistema produtivo, exigente cada vez mais de especialização tecnológica. Portanto, por causa dessas desigualdades sociais agudas e da injustiça educacional que afeta o grosso da população brasileira, constrói-se uma forma de estratificação social muito excludente e estabelece-se uma imobilidade social permanente aos grupos sociais menos abastados que intensificam seja os efeitos da desintegração e da violência sociais, seja, a partir daqui, a criação de currais eleitorais por empresários, fazendeiros e lideranças sociais que se aproveitam da miséria, da ignorância e do obscurantismo cultural da população pobre – ou seja, o grosso da população brasileira – para privatizar o poder público, submetendo-o aos seus interesses particulares.

Aqui começa e daqui pode ser entendida efetivamente a corrupção no Brasil e em termos de administração pública, ou seja, em termos de domínio e de centralização oligárquicos, coronelistas, das administrações públicas por elites econômicas e sociais que encontram na desigualdade, na miséria e na desintegração social o elemento fundamental tanto para a conquista do poder quanto para o direcionamento particular das administrações públicas aos seus interesses. Desse modo, conforme penso, a corrupção é o resultado dessa situação de desigualdade social e de injustiça educacional que assola secularmente a população brasileira e que a afasta de qualquer participação efetiva e de qualquer fiscalização consistente relativamente à atuação das administrações públicas, ao mesmo tempo em que lhe fragiliza o acesso ao capital cultural básico em termos de qualidade de vida e de formação intelectual, imobilizando-a fortemente no que tange às possibilidades de inserir-se na esfera econômico-produtiva. A miséria e o analfabetismo, portanto, são a raiz, a base a partir da qual a corrupção se nutre. E elas são produzidas exatamente pela falta de projetos públicos amplos de desenvolvimento, de inclusão e de formação, mormente pela crise da educação básica, pela estagnação econômica e pela derrocada da legislação laboral que vimos nos governos mais recentes.

Por isso, além do fortalecimento das instituições públicas de controle e da rigorosa punição da corrupção política, precisamos assumir uma luta ampla e consistente contra a desigualdade social e contra a injustiça educacional que assolam secularmente nosso país. Universalização da educação e igualdade e dignidade sociais devem ser políticas de Estado, encampadas por todos os cidadãos e por todas as cidadãs, assumidas e trabalhadas por nossos partidos e lideranças políticas.   

[1]https://www.gazetaonline.com.br/noticias/economia/2017/05/saiba-qual-e-o-preco-da-corrupcao-no-brasil-1014059906.html

[2]https://sindjufe-mt.jusbrasil.com.br/noticias/2925465/o-preco-da-corrupcao-no-brasil-valor-chega-a-r-69-bilhoes-de-reais-por-ano

[3]https://istoe.com.br/brasil-perde-cerca-de-r-200-bilhoes-por-ano-com-corrupcao-diz-mpf/

[4]https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/03/lava-jato-e-pequena-quando-comparada-a-corrupcao-dos-municipios-diz-ministro-da-justica.shtml

[5]https://www.uol/noticias/especiais/cidade-pequena-corrupcao-grande---norte.htm#cidade-pequena-desvio-grande

[6]https://jornalggn.com.br/gestao/as-formas-de-corrupcao-nos-municipios-brasileiros/

[7]https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/quem-investiga-a-corrupcao-nos-estados/





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