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    porto velho, terça-feira 23 de abril de 2024

Retomada do militarismo e um novo ciclo de conflitos e de polarizações internacionais?


Por Leno Danner

09/01/2020 11:40:17 - Atualizado

O assassinato do general iraniano Qassem Soleimani, por parte de forças militares norte-americanas, é o episódio mais recente de uma escalada de tensão no Oriente Médio entre países alinhados aos Estados Unidos e países não alinhados a ele, em particular o Irã e a Síria, já que Iraque e Líbia, incluindo-se o Afeganistão, têm, pelo momento, após a deposição respectivamente de Saddam Hussein, de Muammar al-Gaddafi e do Talibã, uma aliança política e militar com os EUA.

Primeiramente, é de se salientar que o conflito em torno a regiões estratégicas política, militar e economicamente tem sido uma das tônicas tanto no Oriente Médio quanto, por exemplo, de nações latino-americanas, da segunda metade do século XX para cá, espraindo-se inclusive para países asiáticos, como no caso do Vietnã. A tensão entre EUA e Venezuela e a manutenção do bloqueio econômico dos EUA relativamente a Cuba atualmente, assim como o apoio e o sustento de ditaduras militares em vários países latino-americanos, entre os anos de 1960 a 1980, tiveram como núcleo seja a assunção da Guerra Fria e, aqui, um conflito direto com o bloco comunista, seja o enfrentamento de governos nacionalistas (como o de Salvador Allende, no caso do Chile, por exemplo) contrários a uma perspectiva de domínio de seus recursos internos e de ingerência política por parte de companhias norte-americanas em particular e do governo ianque de um modo geral.

Estes são apenas alguns dos fatos ocorridos nestes últimos setenta anos que mostram o quanto os EUA realizam uma colonização econômica, política e cultural e uma intervenção militarista em áreas estratégicas tanto no que tange a recursos naturais (e, em particular, o petróleo) quanto no que se refere a zonas de comércio, forjando alianças e realizando incursões armadas sempre no sentido de impor e de colocar no poder lideranças e grupos alinhados com seus interesses. Aqui, o militarismo tem nome e sobrenome: mercados e recursos naturais, não necessariamente nesta ordem. E, para conquistá-los e mantê-los, pode-se inclusive forjar guerras e assassinar pessoas, mesmo grupos inteiros – veja-se o exemplo do Vietnã.

No caso mais recente, desde a Revolução Iraniana na década de 1970, temos exatamente um conflito aberto entre EUA e Irã, uma vez que este representa um pólo adversário e alternativo ao poderio encabeçado pela coligação EUA, Israel e Arábia Saudita. O Irã, além de riquíssimo em petróleo, se desenvolveu politicamente, desde sua revolução, ao ponto de alcançar verdadeiro protagonismo regional e tecer alianças amplas entre países do Oriente Médio com vistas a uma contraposição direta à política norte-americana para aquela área. No mesmo diapasão, é importante lembrar que Rússia e China estão presentes no contexto do Oriente Médio, em especial a primeira, que tem prestado apoio econômico e militar a diferentes países, em particular o próprio Irã e a Síria de Bashar al-Assad.

Ou seja, está-se criando gradativamente um clima de armamentismo e de belicismo que pode colocar em rota de colisão grandes potências mundiais e levar a um conflito de proporções maiores, ao estilo de uma guerra mundial. E o Oriente Médio, dada sua centralidade em termos de petróleo, pode ser esse palco e o motivo pelos quais um confronto militar colocará o mundo em rota de colisão. Na verdade, é importante ressaltar-se que tais conflitos situam-se em torno à consolidação de zonas geoeconômicas estratégicas, nas quais a influência política e militar garante o monopólio do petróleo aos EUA. Com isso, todos os governos que destoam desse alinhamento, viram alvos de uma perspectiva de deslegitimação, de isolamento e, no médio prazo, de enfrentamento agudo, o qual beira ou leva à supressão de governantes e lideranças não alinhados.

O grande problema é que vivemos, no mínimo, em uma ordem bipolar ou mesmo multipolar, se considerarmos a China e a União Europeia. Não se trata mais dos EUA e da URSS (hoje, Rússia), embora ambos ainda tenham grande poderio militar e influência político-ideológica. Mas o fato é que se vive exatamente essa luta direta e pungente por zonas econômica e politicamente centrais para o desenvolvimento dessas potências ao longo deste e do próximo séculos. Para esta ordem bipolar ou multipolar, é a construção de uma rede de dependências econômicas que define as relações políticas e que impulsiona uma guerra ideológica que não raras vezes, como estamos vendo com o assassinato do referido general iraniano, descambou, descamba e descambará para o conflito armado, às vezes de caráter generalizado.

Parece que não aprendemos nada com os grandes conflitos bélicos do século XX, muito menos com os genocídios institucionalizados que desde então são praticados; parece que não aprendemos nada com o colonialismo e o imperialismo. Parece que não aprendemos que temos o poder, hoje, de destruir várias vezes o planeta Terra e parece que sequer criamos uma sensibilidade moral para com as milhões de vida ceifadas em termos de colonialismo, imperialismo e totalitarismo. Precisamos estar atentos para esse tipo de militarismo maniqueísta que é dinamizado por um economicismo sem limites, por uma tentativa de centralização e de monopolização de recursos e de vidas por parte dos grandes impérios, grandes impérios que, como os EUA, contam com capacidade tecnológica e poderio militar capazes de esmagar países e povos com o aperto de alguns botões de comando, em geral nas mãos de lunáticos, como Donald Trump, os quais submetem tudo e todos à questão instrumental, ao interesse econômico pura e simplesmente.

Portanto, a era dos grandes conflitos bélicos em torno a áreas econômica e politicamente estratégicas recomeçou e tende a se intensificar nos próximos anos, uma vez que, como disse, começamos a viver gradativamente o escasseamento de recursos naturais não renováveis, como o petróleo, o qual ainda é e será por pelo menos mais duzentos anos o núcleo energético e, portanto, econômico básico da vida humana. Ora, as potências mundiais atuais, EUA, Rússia, China, Alemanha e Inglaterra, principalmente as três primeiras, colocam-se como carros-chefe de uma corrida por zonas de domínio e de influência políticos que lhes garantam centralidade e monopólio de seus recursos naturais não renováveis, o que, como disse, recoloca a questão de uma guerra fria global em torno a estes pólos de poder. É preciso refrear-se isso o quanto antes, a fim de evitarmos a escalada dos conflitos e uma possível guerra mundial que, como já nos disse Albert Einstein, arrasará a vida na Terra.

Para evitar-se uma nova guerra fria, de consequências perigosíssimas, e com o objetivo de implantar-se uma perspectiva de integração e de desenvolvimento globais equitativa, faz-se necessário que tanto a ONU quanto as mais variadas nações possam efetivamente recusar e confrontar, inclusive com boicotes, se for o caso, esses conflitos imperialistas, exigindo responsabilidade política por parte de tais potências, em particular, no caso em questão, dos EUA. Nestas horas, a herança humanística e democrática de nossas sociedades poderia servir de modo muito profícuo para construirmos um universalismo maduro, marcado por justiça, integração, inclusão e proteção ambiental. Nesta hora, países menores poderiam não apenas dar uma lição de moralidade ao conflito entre potências, mas também exigir e implantar uma nova sociabilidade mundial, um novo padrão de desenvolvimento e de integração mundiais. Esses países poderiam deixar de serem meros apêndices da história e passar para primeiro plano desde nosso momento político. Mas, para isso, precisarão de lideranças visionárias e de povos comprometidos com a construção de uma ordem mundial verdadeiramente justa, equilibrada, inclusiva e sustentável.  


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