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    porto velho, sexta-feira 19 de abril de 2024

Sem crescimento econômico, desenvolvimento social simplesmente não será possível!


Por Leno Danner

23/02/2020 09:29:48 - Atualizado

Jair Messias Bolsonaro herdou, de fato, uma herança nefasta do governo Dilma-Temer, que foi a questão dos juros estratosféricos. Aliás, foi muito interessante perceber-se que, no contexto dos governos petistas, o protagonismo do Estado relativamente a induzir investimento privado na economia em favor do empresariado nacional e inclusão no mercado de consumo em benefício dos grupos mais vulneráveis, sob a forma de fortes incentivos ao empresariado e programas de redistribuição de renda e de microcrédito na base, entrou em colapso exatamente por causa desses juros altos, que favoreciam o rentismo dos mais abastados, ao invés do investimento de seu capital em atividades produtivas que pudessem gerar emprego e mobilidade econômicos. No mesmo sentido, a inclusão no consumo é sempre transitória, e o endividamento das famílias, visto nesta segunda década do século XX, reflete um duplo fato: a condição socioeconômica essas famílias não mudou estruturalmente seja com as políticas sociais, seja com o microcrédito, e seguimos dependentes – em termos de trabalho e movimentação econômica – do setor de serviços ou economia terciária, bem como da exportação de commodities, que não são a base para o desenvolvimento da economia.

O Partido dos Trabalhadores fez corretamente parte da receita, caracterizada pelo neodesenvolvimentismo, isto é, por investimento e incentivo públicos ao empresariado e por inclusão social dos grupos economicamente mais frágeis, inclusive pelo investimento público-estatal em infraestrutura (o Programa de Aceleração ao Crescimento – PAC, o Programa Minha Casa, Minha vida, o microcrédito etc.) –, mas essas conquistas foram minimizadas e, como vemos agora, não apenas colocadas em xeque pela nossa crise político-econômica (que foi causada nos embates entre PT e oposição, que culminaram no impeachment e, depois, na eleição de Bolsonaro), mas também praticamente apagadas pela conjunção de estagnação econômica e de retirada do Estado dessa política neodesenvolvimentista, esta última enquanto atitude administrativa básica do ministro da economia Paulo Guedes, chancelada pelo presidente Bolsonaro. Para se ter uma ideia, no segundo mandato de Dilma, a taxa SELIC era de 13,25% ao ano, da mesma forma como a taxa de juros para pessoa física era de 21,3%, tudo isso correlacionado a uma taxa de desemprego na ordem de 10% da população economicamente ativa. 

Neste tempo do governo Bolsonaro, temos uma taxa de juros SELIC na ordem de 5%, com expectativas de chegar, já neste ano, a 4,5%, sendo que, ademais, o juro do cheque especial decaiu muito – por exemplo, na Caixa Econômica Federal, esse juro, que era de 9,99%, caiu para 4,99%. Note-se que o juro baixo pode deslegitimar o rentismo e fomentar exatamente o investimento privado em atividades produtivas, o que aquece a economia, aumenta as vagas de emprego e permite melhora no poder de compra da população. Porém, concomitantemente, estamos com uma taxa de desemprego estabilizada na ordem de 11,9%, ela que era, até o final do ano passado, de 12,3% da mão-de-obra economicamente ativa. Por que não retomamos o crescimento? Obviamente, essa retomada não ocorre de uma ora para outra, mas podemos listar pelo menos três pontos que estão impedindo uma retomada mais pujante e rápida, haja vista, aliás, que a projeção do PIB para 2020 já foi reduzida para 1,5%, ao contrário da expectativa inicial, que era de 2,4%.

O primeiro fator está ligado ao crescimento da informalidade e da terceirização. Praticamente metade da mão-de-obra economicamente ativa não tem carteira de trabalho assinada, não paga impostos e não usufrui de benefícios jurídico-sociais, sem contar a própria condição de instabilidade econômica e, na verdade, de economia de subsistência em que estas pessoas se encontram. No mesmo diapasão, o crescimento do trabalho terceirizado, sancionado pelo governo Temer, impede a valorização efetiva da mão-de-obra e o crescimento dos salários, ao mesmo tempo em que também reduz a capacidade de consumo e de qualificação dos trabalhadores. Grande parcela da população vive basicamente uma economia de subsistência – e essa grande parte da população representa, como se pode perceber, praticamente metade da mão-de-obra economicamente ativa, isso sem contar as famílias sustentadas por estes indivíduos, ou mesmo aquelas desempregadas.

Em segundo lugar, a desastrosa situação política que vivemos no âmbito federal corrobora para o crescimento da instabilidade política e, portanto, para a fuga de capitais ou mesmo para o não investimento por parte de empresários e consumidores. Só no ano passado, tivemos uma fuga na ordem de 44,7 bilhões de dólares. Ora, o investimento privado, ao contrário do que geralmente se fala, só acontece quando há clima e protagonismo políticos e nós não vivemos há muito tempo uma normalidade institucional capaz de encorajar as pessoas a consumir e os investidores a investir. As falas em torno à quebra da ordem institucional se tornaram tão frequentes no governo Bolsonaro que já temos plena convicção de que não se trata mais de balela, mas de modus operandi que pode vir a se tornar efetivo.

Por fim, em terceiro lugar, temos ainda uma lentíssima e um tanto confusa atuação do governo federal no que tange a investir seu orçamento na dinamização da infraestrutura econômico-social brasileira. Não apenas assumiu o enfraquecimento da legislação trabalhista, como também referendou o discurso da uberização, isto é, do “empreendedorismo” ligado à informalidade. O governo federal tem em torno de 350 bilhões de dólares em reservas internacionais, amealhados durante os governos petistas. Poderia muito bem utilizar-se de pelo menos uns 75 bilhões, talvez até 100 bilhões, para injetar na economia, em termos de retomada e intensificação do PAC. Poderia, por exemplo, intensificar a atuação do setor da construção civil no curto prazo e fortalecer a matriz energética brasileira no médio prazo, seja no contexto do petróleo, garantindo à PETROBRÁS capacidade de suprir a demanda nacional por combustíveis e seus derivados, seja apostando em energias limpas, fato que se constitui no futuro da economia mundial.

O governo Bolsonaro acertou em cheio em diminuir a taxa de juros, mas não dá o próximo passo, o passo decisivo, que consiste exatamente em injetar na economia brasileira o dinheiro necessário para o aquecimento desta, inclusive com uma política de desenvolvimento que tem na industrialização nosso foco central, uma industrialização que, como disse acima, poderia focar em sustentabilidade e energias limpas. Como podemos perceber, Bolsonaro deixa-se levar pelo setor do agronegócio e seu discurso de exploração direta e sem mediações dos recursos naturais, bem como de enfrentamento das populações tradicionais. É, na verdade, ininteligível como uma política tão acertada de corte de juros possa caminhar junto a uma concepção tão arcaica de desenvolvimento socioeconômico, em que uberização e agronegócio são as duas bases centrais: a uberização nos levou a um recorde de informalidade, ao passo que o agronegócio nos mergulhou em uma economia terciária atrasada e pobre tecnologicamente.

Sociedades desenvolvidas são sociedades industriais, tecnocientíficas e educadas, capazes de gerar estabilização social interna por meio de desenvolvimento econômico autossustentado e de valorização e proteção do trabalho. E isso precisa de acordos políticos permanentes, de protagonismo público sólido e criativo. Sem crescimento econômico e desenvolvimento social, ninguém salvará o Brasil, nem mesmo um autointitulado Messias, ou sequer um “Lula livre”. É melhor já ir se acostumando, companheiro!   


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