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    porto velho, terça-feira 23 de abril de 2024

A vacina por si só não trará estabilização socioeconômica!


Por Leno Danner

01/08/2020 10:49:54 - Atualizado

Todos nós estamos em um limbo relativamente àquele dia a dia que tínhamos antes de a pandemia do coronavírus estourar em cheio no Brasil ao longo do mês de março de 2020. De lá para cá, nossa rotina tem sido de distanciamento social e de isolamento em nossa casa, com poucas saídas e pouco contato com familiares e amigos. No meu caso, na verdade, converso à noite na área comum do condomínio onde moro com meu irmão, que também vive aqui, no mesmo condomínio, sempre distante dele (e ele de mim) uns três metros pelo menos e sempre protegidos protegido por máscaras faciais, às vezes até por luvas. Saio duas vezes por mês para ir ao mercado e é só para o momento. Além do mercado, de março para cá frequentei duas vezes a farmácia e duas vezes o hospital. Minha casa tem sido o meu refúgio mais seguro. De relacionamento com amigos, nessa época, nada; conversamos no máximo ou por telefone, ou por Whatsapp.

Todos nós esperamos a vacina para, então, retomarmos um pouco da normalidade perdida com esse vírus potencialmente mortal. Com ela, liberaremos a tensão de ficarmos afastados nos demais e das interações cotidianas no trabalho, no lazer, na educação, na política etc. Mas sabemos que dificilmente nossa vida será como antes, especialmente se a vacina não nos trouxer imunidade permanente e, por óbvio, devido ao fato de que o vírus continuará ativo no nosso dia a dia de vida. Não o erradicaremos mais de nossa condição humana, demasiado humana. Isso mostra que nossos hábitos precisarão mudar radicalmente. Eu, pelo menos, aprendi uma lição muito importante com o vírus: obesidade, consumo excessivo de açúcares industrializados, de bebidas alcóolicas e de cigarro e sedentarismo terão de ser enfrentados se quisermos viver bem e enfrentarmos essa e outras doenças que são causadas ou acirradas por causa de nossos hábitos de vida nefastos. Nossa vida não será mais a mesma ainda que possamos nos vacinar todos os anos, se for o caso; precisaremos adotar posturas de vida que gerem saúde física e mental, que fortaleçam nossa resistência muscular e física, que permita evitarmos colesterol e diabetes e que nos livre do vício em fumo e em bebidas alcóolicas – para não se falar na utilização de drogas, essa por si só uma postura suicida muito imbecil.

O mesmo deve valer para nossas lideranças políticas no âmbito dos executivos e dos legislativos federais, estaduais e municipais. Aqui, na gestão da coletividade, como lá, em termos de posturas individuais, não será suficiente a vacina para retomarmos a normalidade do crescimento econômico, da integração social, da resolução do desemprego e da miserabilidade; a vacina não será suficiente para a consecução da maturação dos processos de reconhecimento, inclusão, integração e participação sociopolíticas. Precisaremos mais do que nunca das instituições públicas e, no caso, do protagonismo do Estado brasileiro em construir, na parceria com estados e municípios, um programa de desenvolvimento socioeconômico induzido politicamente e contando com os bancos públicos como base para o financiamento da infraestrutura produtiva e da retomada das atividades econômicas e do emprego, bem como em termos de oferta de uma renda básica de cidadania universalizada. O investimento privado não voltará a acontecer espontaneamente, em especial em uma sociedade como a nossa, devastada por uma contaminação viral em crescimento na população e fragilizada e imobilizada pelo imoral descompasso entre o governo federal e os estados e municípios, ocasionado pela perspectiva anticientífica e pela incapacidade gerencial de nosso presidente. Só uma reorientação da gestão pública por parte da atual administração federal e o protagonismo mais incisivo do legislativo, caso aquela não sair do caos em que se encontra, poderá efetivamente colocar o país na rota de um planejamento e de uma orientação políticos que atrairão investimentos e, nesse diapasão, que permitirão crescimento, trabalho e distribuição de renda.

Se não Bolsonaro, que pensa, age e vive em uma posição simplificadora da realidade calcada no dualismo-maniqueísmo moral, pelo menos os partidos políticos e as lideranças institucionais próprias ao legislativo federal, bem como todos nós, cidadãos e cidadãs, precisamos entender que não vai ser a criação de uma vacina e sua disponibilização à massa da população (situação que ainda vai demorar muito) que detonarão crescimento econômico e aumento do emprego e da renda. Social e economicamente, nossa sociedade está devastada, e não apenas pelo isolamento social e pela interrupção das atividades econômicas, principalmente as não-essenciais, centralizadas na economia terciária (serviços); estamos em uma profunda crise recessiva que já completa em 2020 pelo menos cinco anos, tendo começado desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, com governos – primeiro Michel Temer e, depois, Jair Messias Bolsonaro – claramente alinhados a uma perspectiva gerencial, administrativa e política não-desenvolvimentista e contrária ao planejamento e à condução políticos da economia. Como insisto em todas as minhas falas e textos sobre o tema, uma país de economia periférica centralizada na economia terciária (que responde por 76% de nosso PIB), com economia secundária (indústrias, ciência e tecnologia) fraquíssima, a qual responde por apenas 19% de nosso PIB, não tem qualquer dinamismo econômico autônomo da atuação político-estatal. Simplesmente não haverá iniciativa privada no âmbito da economia secundária em uma realidade como esta, porque os investimentos exigidos e o tempo de consolidação são muito grandes para que investimentos de risco – em uma economia altamente desnacionalizada e desindustrializada – possam ser feitos em ciência, tecnologia e industrialização. Somente o Estado e em termos de protagonismo público-político podem fazer isso, uma vez que ele pode assumir riscos de médio e longo prazos.

Por isso, repito, a vacina não será suficiente nem para a retomada da normalidade de nossas vidas individuais e nem para a retomada de uma pujança socioeconômica que já tivemos bastante consolidada nos governos Lula e Dilma, por causa do Estado e desde uma perspectiva política neodesenvolvimentista. Agora é hora do Estado, dessa perspectiva neodesenvolvimentista e, portanto, da centralidade da política democrática institucionalizada no sistema político de um modo geral (legislativo e executivo) e no Estado em particular em termos de planejamento, orientação e aplicação do desenvolvimento, do crescimento e da inclusão. Tomar consciência disso facilitará o enorme trabalho que teremos pela frente como sociedade democrática em termos de recuperação econômica, do crescimento, do trabalho, da renda e da inclusão. Na verdade, tomar consciência disso é o ponto inultrapassável para a transformação que necessitamos e, por isso mesmo, é o passo mais difícil para um ambiente político contaminado pelo bolsonarismo chulo.  


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