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    porto velho, quinta-feira 25 de abril de 2024

Ou Estado de bem-estar social, ou barbárie!


Por Leno Danner

08/08/2020 11:37:18 - Atualizado

Ainda é cedo para comemorar, mas acredito que o presidente Jair Messias Bolsonaro se rendeu às delícias do populismo social. Finalmente, ele percebeu que a perspectiva política neoliberal nunca serviu e nunca servirá a uma economia calcada basicamente no setor terciário, extremamente volátil e incapaz de distribuir renda e de gerar empregos com incremento salarial, viabilizando mobilidade social ao longo do tempo. Economia terciária é sinônimo de salários baixos, insegurança laboral, acordos de trabalho precários e parco retorno tarifário, para não se falar, como é o nosso caso, do próprio crescimento do setor informal, cuja causa é, antes de tudo, decorrente da crise nessa mesma economia terciária. Ademais, o setor de serviços exige pouca formação técnico-científica e é tímido no que diz respeito ao desenvolvimento e à inovação tecnológicas, de modo a resultar, conforme estamos argumentando, em uma economia eminentemente instável, de baixo crescimento e sujeita permanentemente a volatilidades várias.

Obviamente, o presidente se deu conta da delícia do populismo pelas razões erradas – em geral, populistas o são pelas razões erradas. Percebeu que a demissão de seu ministro da justiça e da segurança pública, Sergio Fernando Moro, escancarou para todos que o presidente e membros de sua família possuem certos “podres” e relações obscuras que precisam continuar silenciados e invisibilizados da opinião pública; ficamos sabendo, assim, que o combate à corrupção certamente não é o núcleo do bolsonarismo. Na verdade, para sermos sinceros, até hoje não sabemos muito sobre o que é o núcleo político bolsonarista, a não ser as bravatas contra os outros poderes e desafetos, o palavreado fundamentalista estéril e as piadas sexuais sem graça. Ora, com a demissão de Moro, o apoio dos grupos lavajatistas foi perdido, isto é, as classes médias e altas em grande medida abandonaram o barco, uma vez que a sua bandeira consistia exatamente na luta anticorrupção (e até pelo Estado mínimo).

Nesse sentido, a oferta do auxílio emergencial de três meses e, agora, sua extensão até o final do ano – com possibilidades de converter-se em renda básica de cidadania permanente (a Renda Brasil) – fizeram Bolsonaro descobrir o enorme potencial político das classes “D” e “E”, bem como daqueles grupos que vivem na miséria ou abaixo da linha da miséria. Assim, esse auxílio permitiu que os índices de ótimo, bom e regular do governo se mantivessem estáveis e relativamente altos, se contarmos a incapacidade gerencial e a insensatez estapafúrdia do presidente, que levaram a essa tragédia de praticamente cem mil vidas perdidas hoje, no Brasil, com a recusa veemente do governo (e sem qualquer arrependimento ou volta atrás) não apenas de coordenar um plano nacional de enfrentamento à pandemia, mas até mesmo de distribuir na sua totalidade os recursos públicos aprovados pelo legislativo para o combate a essa pandemia. Essa estabilização do apoio popular a Bolsonaro, mesmo com a perda de eleitores e simpatizantes nas classes “A”, “B” e até “C”, se deveu ao auxílio emergencial e, portanto, a esses grupos socialmente vulneráveis.

Essa reviravolta política foi importante para Bolsonaro, pois lhe evitou o impeachment que se avizinhava e, principalmente, porque lhe fez ver o médio prazo, 2022, em que nova eleição presidencial testará a solidez de sua gestão e a cogência de sua imagem no eleitorado. Por isso mesmo, o presidente percebeu que será preciso colocar o Estado brasileiro para planejar, projetar e investir dinheiro público no desenvolvimento da infraestrutura material e na continuidade de programas de distribuição de renda à população necessitada. É uma programática similar à do Partido dos Trabalhadores, a qual alçou o lulismo a força política quase irrefreável por dezesseis anos, hoje mesmo estando tranquilamente instalada na segunda posição de plataforma política de massas, só perdendo para o próprio bolsonarismo.

Com razões certas (por exemplo, uma modernização periférica calcada em economia terciária que precisa de protagonismo público) ou erradas (populismo xucro), o importante é que as lideranças políticas de todos os matizes ideológicos estão se dando conta de que não se estabiliza a sociedade brasileira em termos sociais, econômicos, culturais e políticos sem uma perspectiva de fortalecimento do protagonismo, da centralidade e do planejamento estatais da economia e da integração social. Economias primárias ou terciárias não sobrevivem por si mesmas sem protagonismo público, seja sob a forma de oferta de financiamento dos e pelos bancos públicos, de políticas anticíclicas de investimento maciço em infraestrutura (em particular em épocas de estagnação e desemprego, com baixo investimento por parte da iniciativa privada), seja em termos de programas de distribuição de renda.

Falta, no caso de Jair Messias Bolsonaro, um investimento público sólido em industrialização, o que também requer mais ênfase em ciência, tecnologia e educação. Para isso, o presidente precisará superar suas duas últimas travas que o imobilizam em uma visão simplificadora de mundo e em uma postura ignorante relativamente à democracia: Paulo Guedes e Olavo de Carvalho. Eliminando estas duas traves ao seu crescimento como gestor, os verdadeiros responsáveis (principalmente Olavo de Carvalho) pela sua idiotice cotidiana, Bolsonaro se consolidará ao ponto de assumir-se como um gestor econômico à altura das necessidades do século XXI e de uma economia tão instável (por causa da primazia do setor terciário) como a nossa (até porque estará orientado por militares neodesenvolvimentistas e estatistas), o que não significa, e este é outro déficit seu, o incremento de sua capacidade de lidar de modo tolerante com a diversidade. Mas já aprendemos que um bom gestor na economia não precisa ser um democrata até os ossos (embora o contrário não seja verdadeiro).  


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