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    porto velho, quinta-feira 25 de abril de 2024

Venha, Pró-Brasil!


Por Leno Danner

29/11/2020 00:29:16 - Atualizado

É sempre surpreendente a capacidade de nosso presidente Jair Messias Bolsonaro em não se preocupar com nossos problemas institucionais e socioeconômicos – socioeconômicos porque institucionais – mais graves, e sim focar (como, aliás, sempre foi seu modus operandi, como deputado inexpressivo “as usual” – não se pode dizer que não sabíamos disso) em picuinhas ideológicas da primeira metade do século XX em termos, a um só tempo, de cruzada anticomunista ingênua, de fundamentalismo religioso tosco e grosseiro, de autoritarismo institucional narcísico e de personalismo político infralegal. Dito de outro modo: é surpreendente e desanimador que o presidente não aprenda com a prática administrativa da qual é responsável hoje, simplesmente reproduzindo besteiras ideológicas e assumindo posturas gerenciais incompatíveis com as responsabilidades e os desafios próprios ao cargo que ocupa. É um anão administrativo pura e simplesmente, ao ponto de muitos de seus apoiadores reconhecerem que o presidente pode não ser um bom administrador e nem mesmo um líder competente (o que de fato ele não é), mas que não é corrupto. Se bem me lembro dos manuais de direito administrativo, bem como relativamente ao regime jurídico dos servidores públicos, má gestão, omissão de responsabilidades, recusa ao protagonismo, boicote contra instituições, ameaça aos outros poderes, utilização do aparato administrativo-institucional em benefício próprio, da família e de aliados e quebra de decoro institucional são crimes passíveis não só de perda do cargo, mas também de cadeia, isto é, são corrupção.

Por que digo isso? Porque nós estamos no fundo do poço socioeconômico, agora com a cifra de 14 milhões de desempregados (sem falar-se, obviamente, no emprego informal, no subemprego). De uma força de trabalho apta a exercer trabalho produtivo, que está hoje, no Brasil hodierno, na casa de 110 milhões de pessoas, 14 milhões estão desempregados[1], sem contar os 34,8 milhões de trabalhadores informais existentes[2]. Ou seja, metade da força de trabalho economicamente ativa hoje ou está desempregada, ou realiza trabalho precário, sem pagamento de impostos, seguridade e contribuição em termos de arrecadação, inclusive sem capacidade de mobilidade social e de dinamização do mercado de consumo e, assim, da própria atividade industrial.

E digo mais: estamos no fundo do poço sem liderança política e sem projeto administrativo de recuperação da economia, que vai necessitar de modo inultrapassável do protagonismo do Estado brasileiro e de lideranças políticas que, em concerto pluripartidário, consigam pô-lo em prática com urgência. Ora, é nessas horas que Jair Messias Bolsonaro revela mais uma vez sua pequenez administrativo-gerencial, na medida em que se apresenta explicitamente, por palavras e atos, como incapaz de assumir, conduzir e implementar esse projeto de recuperação de nossa economia, inclusive no sentido de negociar com o legislativo, a quem ele ataca diuturnamente, ao ponto de, nos últimos meses que encerram a gestão do deputado Rodrigo Maia como presidente da Câmara dos Deputados, seu (de Jair Messias Bolsonaro) grupo de aliados trancar completamente a pauta legislativa. Em plena pandemia do coronavírus que está entrando em sua segunda onda! Em plena recessão econômica com taxa de desemprego e de trabalho informal recorde!

O pior de tudo é saber que há, no governo Bolsonaro, gestores competentes e capazes de implantar esse projeto de desenvolvimento embalado e fomentado institucionalmente. Refiro-me especialmente ao Plano Pró-Brasil e ao protagonismo do Gal. Braga-Netto. Militares podem ter vários defeitos e não são muito amigos da democracia pós-tradicional e, em especial, dos direitos humanos, mas não se pode dizer que não tenham experiência e compromisso mínimos com o protagonismo do Estado em termos de constituição e de implantação de projetos de desenvolvimento socioeconômico. O período da Ditadura Militar foi célebre em termos de um capitalismo induzido pelo Estado brasileiro e as principais empresas públicas brasileiras foram criadas por militares. Ninguém pode negar isso e nem precisa: se por um lado são golpistas despudorados (que ainda insistem nessa possibilidade, diga-se de passagem – veja-se as ameaças diretas do Gal. Eduardo Villas Bôas ao STF recentemente[1]), por outro, no que se refere a gestão econômica, são muito bons (na minha idade, já não tenho certeza de se precisamos comprar todo o pacote – ou louvá-los acriticamente, ou negá-los como um todo – é algo que ainda estou elaborando).

No caso do Pró-Brasil, se trata de um plano de investimento público com duração de dez anos, em que o governo federal, por meio de seus bancos públicos, investiria 30 bilhões de reais na retomada de pelo menos 70 obras do Programa de Aceleração ao Crescimento, inconclusas ou imobilizadas por falta de investimento, além de viabilizar a arrecadação de 250 bilhões de reais com concessões de áreas sob gestão pública e, finalmente, com abertura de um milhão de empregos! Um milhão de empregos estimulados diretamente por esse investimento realizado por parte do Estado brasileiro, sem falar-se na geração de outros tantos empregos indiretos, consentânea a este projeto institucional. Veja-se, a título de exemplo, recente pesquisa do Instituto Trata Brasil sobre o Plano Nacional de Saneamento Básico, a qual conclui que o investimento, até 2033, de 304 bilhões de reais em obras de saneamento básico (outro dos nossos gargalos) levaria à geração de 11,9 milhões de empregos na iniciativa privada![1]
São projetos desse feitio que nossas administrações públicas precisam implantar; e são projetos desse tipo que nós, cidadãos e cidadãs, precisamos exigir dos partidos e das lideranças políticas. Chega de bravatas ideológicas; arregacemos as mangas e impulsionemos uma gestão pública comprometida e responsável com o crescimento socioeconômico desde o Estado de bem-estar social.

Como salienta o Gal. Braga-Netto, não se trata, no caso do Pró-Brasil, de um plano de governo, mas de um projeto de Estado, direcionado aos próximos dez anos de nossa vida nacional. Interessantemente, e agora começa a parte desanimadora, o prazo para o começo da implementação desse plano seria neste mês de outubro de 2020, mas, como estou dizendo, a inépcia e a recusa ao protagonismo do executivo federal em negociar com a câmara dos deputados e o senado federal pela aprovação de tal projeto (que dependerá do legislativo, de modo inultrapassável), aliada à incapacidade do ministro Paulo Guedes de pensar em termos desenvolvimentistas, simplesmente jogaram água no fogo militar em torno ao Pró-Brasil (como jogam água dia após dia no ambiente social e político, o que afasta investidores, desmotiva os cidadãos e as cidadãs e impede a retomada da segurança jurídica necessária tanto à política quanto à economia). Preso à sua ala mais ideológica, a quem em geral realiza todas as sandices próprias a um “liberal na economia e conservador nos costumes”, o executivo federal mergulhou o país na inação e, com isso, tende a enterrar de vez o Pró-Brasil.

Ora, o que nós precisamos neste momento de desolação terrível pelo qual passamos é exatamente (a) confiança institucional, estabilidade política e segurança jurídica e (b) protagonismo do Estado brasileiro em termos de um projeto político de desenvolvimento socioeconômico. O que estamos vendo na atual gestão federal é essa atuação coordenada seja no sentido de construir um clima institucional, político, social, cultural e econômico de pessimismo e de desânimo permanentes e cada vez mais intensificados, seja no que se refere ao imobilismo administrativo-gerencial, com incapacidade e, no limite, recusa a encampar e a negociar esse projeto público de desenvolvimento socioeconômico.

Por isso, a sociedade como um todo precisa clamar e pressionar pelo Pró-Brasil, precisa exigir lucidez, compromisso e responsabilidade institucionais ao presidente e ao seu grupo e, finalmente, implorar pela demissão de Paulo Guedes e de Ricardo Salles, o primeiro por não ter condições e nem desejo de uma postura neodesenvolvimentista que é hoje a nossa tábua de salvação, o segundo por destruir nossa imagem pública em termos de proteção ambiental (a qual é a base da economia do século XXI). E, nesse sentido, o Gal. Braga-Netto precisa ser colocado como nosso novo ministro da economia. Ou, mais especificamente, precisamos da implementação urgente do Pró-Brasil, a fim de corrigirmos gradativamente nossa situação de crise socioeconômica profunda e, antes dela, de crise institucional sem fim – corrigirmos por meio do protagonismo institucional e em termos de concerto e de acordo mínimo entre legislativo e executivo, de modo pluripartidário.


[1] https://www.conjur.com.br/2018-nov-11/villas-boas-calculou-intervir-stf-hc-lula

[1] http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/estudos/impacto3/press-release.pdf





















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