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O estresse cibernético e a vida moderna sem ternura - Por Arimar Souza de Sá


Arimar Souza de Sá

Publicada em: 29/11/2018 10:56:05 - Atualizado


Já faz tempo que nos olvidamos de ser gente. O estresse da vida moderna nos distanciou. No dia a dia, ninguém mais tem tempo. Cada um vai para o seu lado construir e viver o mundo de suas próprias circunstâncias, na seqüência natural do ideário de vida que escolheu.

A tecnologia, produto acabado da ciência e da engenharia, nos envolve em um monte de instrumentos físicos e lógicos, e chegam às nossas vidas sob a forma de computadores, tablets e celulares que, com seu inúmeros “apps”, nos tragou, e no silêncio jogou fora o saudável intuito de sermos gregários.

Com isso a Grei, a irmandade antiga, plasmada pelo "homo sapiens", o homem sábio, entrou em colapso com o avanço tecnológico. Tudo mudou e muda celeremente: o mundo tecnológico tem pressa e somos forçados a acompanhar.

A revolução cognitiva, no entanto, entrou em choque com a inata capacidade que somente o nosso cérebro possui dentre todos os animais, e nos permite agregar-nos em conjuntos humanos organizados - homem, mulher, filhos, amigos, vizinhos etc., dando ao homem a capacidade de se tornar independente, em relação às suas limitações biológicas.

Deixando a profundidade de lado, como diria Belchior, o homem dos primeiros tempos, vivendo a "grei", em seus pequenos espaços estabeleceu regras para a sua própria humanização. Deixou para trás a antropofagia e se uniu para vencer a fome e as intempéries da natureza, e forçosamente criou formas para viver como gente, nessa viagem fantástica de seqüência da vida.

Nos seringais, os soldados da borracha alojavam-se nos tapiris para extração do látex, e viviam praticamente como o homem de Neanderthal: vida insólita, doida, parida do ventre da pobreza humana, despidos dos bens elementares da vida para serem viventes comuns entre as feras da natureza.

Já nos fins de safras, a história era outra. Eles desciam o rio, abonavam-se com a venda do produto, e se tornavam novamente gregários, mas desta vez com as "mulheres de vida fácil" – tudo para sentir que não perdiam a ternura, nem o jeito de enxergar os prazeres da vida, e até rezavam: “Padre nosso pequenino me afaste do mau olhado, das serpentes e da praga do mau vizinho”. 

No início do inverno, quando a chuva, impiedosamente, castigava, inundando a "picada" e as “colocações” da seringa que lhe davam acesso às arvores das quais sobrevivia, voltavam às famílias.

Nelas, ainda no sentimento gregário da época, pediam benção aos mais velhos e “respeitavam” as donzelas. A virgindade, aliás, era um instituto genuinamente reconhecido. Dela cuidavam o pai, a mãe, os irmãos, a irmã, os vizinhos, o padre, mas nem sempre a própria donzela, porque às vezes ela se descuidava e se emprenhava do boto tucuxi... E aí, babau! 

Mas, com chegada da modernidade, a avidez do consumo tomou conta de todos nós, tornando-nos uma legião de estressados, portanto desagregados. Desumanizamos a grei conquistada e colocamos em seu lugar o domínio do celular, com o Facebook, o WhasApp, o Instagram, o Twiter... 

Agora, em casa, cada um se isola no seu mundo virtual e parece que não precisamos uns dos outros, que nunca adoecemos, que não precisamos de afeto, muito menos de dialogar FACE A FACE. Que na casa não existem velhos ou crianças, que todos estão “por dentro” e são iguais perante a lei do mundo cibernético. E como não se olham, não se beijam, não se cumprimentam, desagregaram-se completamente. A mesa de jantar agora é o ponto do lado do computador ou do celular. Parece até que a gente nem se gosta mais!

Os afazeres da casa ainda são da mãe e do pai, os únicos que sobraram da farra cibernética e, por isso, ficaram de fora também do “aparato bélico” do mundo virtual. 

Gosta-se, hoje, muito mais dos amigos de outro mundo, o virtual, do que os de sua própria grei. Dos de casa, nem se diga!

A modernidade, como se vê, foi paradoxal. Avançou, facilitou, mas deixou no ar vestígios de ruindade. Já não há mais tempo para as tarefas escolares em casa, as crianças enjaularam-se nos quartos, apressadas para o combate dos jogos, ou a sintonia dos canais dos yotubers preferidos. Na verdade, quando muito dizem "oi" e passam. E o linguajar é um "atentado violento ao pudor: "Tem problema, véi", Tá “me tirando” mano.... “tua mente tá bugada" – um Deus nos acuda!

E tudo isso é contributo do estresse cibernético e da vida moderna sem ternura. Da perplexidade do consumo, da falta do diálogo das crianças e adolescentes da “geração Z”, que disputam as melhores griffes do aparato eletrônico. E haja dinheiro no bolso dos papais para atender às suas demandas, senão é confusão na certa. 

E o pior, é que, no atropelo, os “conectados” chamam os mais velhos de retrógados, de burros. Dir-se-ia a avacalhação do homem gregário e o surgimento dos vassalos da cibernética, teclando no mundo da lua.

Pena é que:
Nessa trilha,
Haverá tristezas.

Nesse caminho,
muitos sucumbirão...
E não haverá sorrisos, porque não têm:
Máquinas não sorriem!

E haverá, por influência dos "ídolos", aperreios,
Muitos suicidas,
por falta de carinho e diálogo.

E a inteligência gregária, pelo andar do andor, desaparecerá.
E os novos andróides habitarão a terra e todos nós, os “desconectados”, nem tão modernos, seremos ET’S.

E assim, a vida se esvai...

Com ela, a flagrante desagregação do ser: o idílio de um passado sadio, de bênçãos, respeito e ternura, em nome da tecnologia e da modernidade, que é a nova ordem mundial dos tempos de agora, que somos forçados a aceitar.

Que pena!

AMÉM.


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