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    porto velho, quarta-feira 24 de abril de 2024

​Primeiro surdo a receber o título de Mestre em Rondônia


Rondonoticias

Publicada em: 02/06/2018 08:53:07 - Atualizado

RONDÔNIA - Nasci ouvinte e aos sete anos, por conta de uma pneumonia e uso de antibióticos, fiquei surdo. A partir daí, enfrentei idas e vindas a consultórios médicos e fonoaudiológicos em busca da suposta cura para a surdez, contexto sustentado por médicos, fonoaudiólogos e, consequentemente, por minha família.

Dessa forma, durante todo o restante da infância, o propósito da minha família foi buscar a reabilitação da minha audição, bem como o desenvolvimento da oralização, o que provocou a mudança de cidade com a minha mãe à capital, onde encontraríamos recursos mais desenvolvidos para alcançar tal objetivo.

Estudei em escolas voltadas para estudantes ouvintes, nas quais a Língua Portuguesa era a primeira e única língua. Usava prótese auditiva e me esforçava para compreender e acessar a aprendizagem como os demais alunos, mas essa situação era muito difícil, principalmente porque a Língua Portuguesa é uma modalidade oral-auditiva, que é onde se encontra a minha diferença biológica.

À medida que cresci, especialmente na pré-adolescência, dei-me conta de que o mundo não era composto somente por pessoas ouvintes e muito menos apenas pelos falantes da Língua Portuguesa. Ao encontrar adolescentes surdos pela primeira vez que utilizavam a Língua Brasileira de Sinais - Libras, fui completamente atraído por essa língua e pela cultura surda. No entanto, minha família adiou esse encontro por mais algum tempo.

Somente aos 12 anos pude, de fato, ter contato com pessoas surdas e aprender a Libras. Desde então, definitivamente, me senti com amigos, e melhor, amigos surdos. Minha identidade surda começou sua construção, minha autoestima e meu empoderamento como sujeito surdo, não assujeitado ao mundo ouvinte, tal como o percurso que vinha fazendo até então. Sentia-me livre e completo, pertencente a uma comunidade e feliz.

A partir desse momento iniciei minha reflexão, o sonho de possuir minha autonomia e o desejo cada vez mais profundo de integrar verdadeiramente à comunidade surda crescia em mim. Passei a conviver com amigos surdos, me aprofundei na Libras, me formei no Magistério e, posteriormente, comecei a trabalhar como professor de crianças surdas. Pouco a pouco, adentrei no debate linguístico/político sobre as questões que envolvia a comunidade surda, isto é, sua língua, identidade e cultura.

Em 2008, fui selecionado para o curso de Letras-Libras, ali, meu percurso científico-acadêmico dentro da Libras ganhou corpo. Deparei-me com diversas pesquisas e pesquisadores que trabalhavam com essa temática e suas particularidades. Assim, o meu compromisso discente-pesquisador se firmou cada vez mais. Participei de diversos seminários, cursos e apresentei trabalhos em eventos científicos, tal qual, por exemplo, o curso de Variação Linguística em Libras, o que me provocou grande interesse e indagações/inquietações pelo tema.

Continuei a estudar e pesquisar no Curso de Especialização em Libras, o qual conclui em 2012. Comecei a trabalhar como professor de universidade em diversos cursos, onde ministrei a disciplina Língua Brasileira de Sinais. Encontro-me atualmente como professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

Ao mudar para Porto Velho/RO a variação linguística em Libras passou a me chamar mais atenção. Conheço a Libras e suas variações no Paraná e em Brasília, e habitar este lugar me causou um novo impacto no que diz respeito às variações locais. Interessei-me muito pela cultura local e pelo uso da Libras pela Comunidade Surda de Porto Velho e Rio Branco, e pensei na possibilidade de fazer um estudo a respeito dessas variações. Além disso, percebi um descompasso no que diz respeito ao quesito quantitativo e qualitativo de pesquisas e publicações na área de Libras na região Sul com relação ao Norte do Brasil, isso também me fez senti impelido a contribuir com o adensamento das pesquisas nesta região.

Tive a minha dissertação aprovada, com o seguinte tema: VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA LIBRAS: ESTUDO DE SINAIS DE PORTO VELHO (RO) E RIO BRANCO (AC).

Dessa forma, cheguei ao fim de mais um desafio na minha vida: O Mestrado em Letras, na Universidade Federal de Rondônia (UNIR). O qual representa um momento de muito orgulho e felicidades. Além de simbolizar o fechamento de um ciclo, entrar no mundo cultural e vibrante de um pedacinho do Brasil, Rondônia, e se deparar surpreso com as variações locais linguísticas em Libras e em Língua Portuguesa, com a miscigenação do povo brasileiro e com a riqueza cultural da cidade de Porto Velho, retratado em suas comidas típicas, frutas, animais silvestres, flora e fauna, só serviram para complementar ainda mais o meu repertório científico e cultural com relação ao Brasil e a Libras. Aprendi muito nesta etapa da minha vida e que venham outros desafios!


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