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A FOME E O NATAL - Texto escrito pelo jornalista e advogado Arimar Souza de Sá


Publicada em: 15/12/2018 20:09:26 - Atualizado

Está chegando o Natal e, com ele, novamente pessoas se organizando para, pelo menos em um dia do ano, por em prática aquela instrução bíblica que diz “dai de comer a quem tem fome”.

E, meu Deus! Quando vejo falar de fome, meu corpo treme. Sinto calafrios, minha alma padece, tudo em mim padece, até mesmo minha vergonha enrubesce de falar do mal e não contribuir para debelá-lo senão nesta época do ano.

Como tantos outros, sou parte dessa “nação” dos que falam do tema, mas o tratam apenas como forma de extravasar e amenizar as inquietações indecifráveis do cotidiano brutal, lembrando que a fome de outrem existe, mas como se os passageiro do “Trem dos Desgraçados” a sentissem apenas nos finais de ano.

Desse tema, já falo e ouço falar a vida inteira. Difícil é viabilizar-se a questão. A fome do sertão nordestino, por exemplo, nas narrativas de Graciliano Ramos, não é apenas fome – é horror, que se assistiu e se teve coragem de contar.

A fome endêmica e epidêmica, também no sertão, de que trata Josué de Castro, em seu livro “Sete Palmos e um Caixão”, é a fome doida, miserável, dessas que vilipendia e persegue o camarada e os seus, desde os tempos de D.Pedro, o imperador.

No entanto, no Brasil de hoje, nada de fome – os assuntos da moda são outros: a introdução da “ideologia de gênero” nas escolas, esta uma negação à lei da natureza, que determina – e apenas ela – o sexo da criança. A doutrinação política, incutindo na cabeça da garotada que o “politicamente correto” é ser de esquerda e liberar maconha, protestar nu, ou defecar na porta da faculdade. Isto é ser “politicamente correto”? – ou é falta de vergonha na cara?

Enquanto isso ela, a magrela, a famigerada, a madrasta do mal, esquecida da grande mídia, dos governos e ativistas políticos, vai roendo e dando dentadas no calcanhar daqueles cuja barriga ronca na calada da noite, sem ter a quem recorrer.

Ora, com a fome não se brinca, e não se pode fazer caridade apenas na época de Natal. O exercício da cidadania tem que ser diário, para poder contemplar os protagonistas deste festival de horrores.

Aliás, de fome e horrores, o mundo está cheio. Somaleses, haitianos, nicaraguenses e, mais recentemente, os venezuelanos, sabem muito bem o que decorre quando a barriga ronca. Nem sono vem.

Tudo isso espelha a realidade brutal de um mundo sem Deus, que olha somente para a lua e despreza os homens. E traveste o tema em uma ilusão capitalista mesquinha, que imagina, em seu egoísmo, que poucos são os homens e outros, e muito, são famintos, são vermes, são “lixo”, desprezíveis, cuja exposição nas ruas enche o saco na vida, com as mãos estendidas a pedir...

Quando o assunto é fome, me dá coceiras, calafrios, dor no estômago, ali mesmo onde o mal se propaga e ceifa a cada dia a vida de milhões de crianças, jovens e velhos, que já formam um exército de famintos a povoar quase um quarto da terra.

No Brasil, essa crise agravou-se, e está em coma. O mal, que antes era residual e que fazia parte apenas do cotidiano dos nordestinos, agora faz folia por aqui, alastrou-se e já está bem na nossa cara, em Porto Velho – Rondônia, com a mesma roupagem e com os mesmo eitos de desesperanças dos outros centros. Cuidemos.

Se São Mateus ressuscitasse, por certo assistiria perplexo a confirmação de que as populações crescem em proporções geométricas e os bens da vida, destinados aos homens, em proporções apenas aritméticas, com honrosas exceções do patrimônio dos políticos, que cresce .... e cresce...

Tudo o que mais se falar, é apenas cantilena da fome se não fizermos a nossa parte, contribuindo.

Precisamos invocar – e não apenas com a cesta básica do Natal – a inspiração do falecido “Betinho”, criador da ideia do “Fome Zero” no Brasil – um gigante que, em vida, lutou incansavelmente e, já condenado pelo poder da morte, dignificou sua existência e melhorou a vida de milhões de brasileiros a partir de uma constatação básica: “quem tem fome não pode esperar”.

Deixemos, pois, de hipocrisia. Não basta apenas olharmos para o nosso próprio umbigo e deixar para amolecer o coração às vésperas do nascimento do menino Jesus.

Quem tem fome, tem pressa. A doação do alimento para quem precisa deve ser todo dia, porque o Natal demora 365 dias para chegar.

A carapuça do tema serviu em mim. Se serviu em você também, vamos procurar ser diferentes.

Se não for assim, é sofismar... Vamos nessa?

Amém.


*Arimar Souza de Sá é diretor do site Rondonoticias, jornalista, advogado e cronista.


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