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O valor da medicina baseada em evidências - por José Hiran da Silva Gallo


Publicada em: 08/10/2019 18:22:46 - Atualizado



Durante milhares de anos, o tratamento e o diagnóstico de doenças eram exercícios que se baseavam em crenças populares e experiências individuais. Com base nisso, surgiram poções e conselhos quase sagrados que eram apontados como o caminho a ser seguido para se alcançar a cura para determinados males.

Os tempos passaram e mesmo na atualidade ainda há o remédio recomendado pela avó contra a gripe ou a dica dos amigos do futebol para aliviar a dor no joelho. Além dessas abordagens pessoais, a indústria da saúde se apossou desse terreno e passou a inundar os intervalos comerciais com anúncios de medicamentos de venda livre (sem necessidade de receita).

Não se pode ignorar o surgimento dos “especialistas” da internet que nas redes sociais sobrevivem às custas de milhares de seguidores dando dicas sobre o que fazer e o que não fazer para estar de bem com a vida. Foi assim que nasceu o Movimentos Antivacina, que espalhou uma série de inverdades sobre a imunização de crianças e adultos.

Atualmente, é possível verificar o tamanho do estrago que esse grupo causou. No Brasil e em vários países, por contas das mentiras divulgadas, milhões deixaram de vacinar seus filhos, abrindo espaço para o retorno de doenças como o sarampo e a poliomielite.

Por isso, é tão importante seguir as recomendações da chamada Medicina Baseada em Evidências, que se inspira no que há de mais atualizado no mundo da ciência para definir diagnósticos e prescrições. Essa prática vem desde o século passado, quando inúmeros ensaios clínicos e estudos epidemiológicos criaram as bases do que é praticado nas consultas médicas.

Fugir desse processo, é colocar a saúde individual ou coletiva numa zona de risco. Sinalizar que pacientes podem ter melhoras com o uso de técnicas e procedimentos não validados por pesquisas rigorosas, com a participação de milhares de pessoas acompanhadas ao longo de muitos anos, é criar falácias que podem render sérios problemas.

Por isso, estranhamos muito a promulgação, pela Assembleia Legislativa de Rondônia, da Lei nº 4.596, de setembro de 2019, que estabelece no âmbito estadual a permissão e o reconhecimento de práticas populares de educação e saúde como tecnologias de apoio complementar aos serviços do SUS.

Da lista, fazem parte dez atividades, que incluem hidroterapia, cromoterapia, aromaterapia e geoterapia. Certamente, nenhuma delas apresenta resultados e eficácia comprovados cientificamente. Além da ausência das evidências de segurança e eficácia, a implementação dessas atividades ignora prioridades na alocação de recursos no Sistema Único de Saúde (SUS). Afinal, os postos de saúde de Rondônia precisam de medicamentos, insumos e infraestrutura decente ou de consultórios que ofereçam terapia com florais?

Saliente-se ainda que a prescrição e o uso de procedimentos e terapêuticas alternativos, sem reconhecimento científico, são proibidos aos médicos brasileiros, conforme previsto no Código de Ética Médica e em diferentes normas aprovadas pelo Plenário do Conselho Federal de Medicina (CFM). Ou seja, não podem ser recomendados aos pacientes pelos profissionais que tratam dos pacientes.

Uma profunda reflexão sobre essa lei é urgente. Políticas públicas de saúde devem ser construídas a partir de critérios de priorização na alocação de recursos, valorizando-se a lógica em favor de medidas que trarão mais benefícios para o maior número de pessoas, pelo maior tempo possível, trazendo menos consequências.

Sem cumprir essa lição, os políticos de Rondônia demonstram que estão mais preocupados com ganhos eleitores e para a imagem de suas instituições do que com o real bem-estar da população do Estado.


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