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Crônica de Fim de Semana Walter Waltenberg – Sua Excelência, o juiz

A disputa da terra nas vicinais que se criaram para penetrar o coração da floresta, singularizou-se, à época, como um dos problemas de justiça da maior preocupação


Publicada em: 24/01/2021 13:22:50 - Atualizado

“A Sensibilidade é o Verniz dos Fortes” - Jonathas

No dia 16 de março de 2020, depois de 35 anos dedicados à magistratura de Rondônia, aposentou-se o excelentíssimo senhor desembargador Walter Waltenberg Silva Júnior, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado. Pode-se dizer, um marco histórico na mais alta corte do judiciário rondoniense.

O Tribunal de Justiça, criado com a implantação do Estado, tem um papel de extrema importância na segurança jurídica desta Unidade da Federação, do tamanho de São Paulo, que teve na expansão agrícola e ocupação territorial os seus mais fundamentais desafios.

A disputa da terra nas vicinais que se criaram para penetrar o coração da floresta, singularizou-se, à época, como um dos problemas de justiça da maior preocupação: É que havia os antigos posseiros dos seringais a desafiar os novos ocupantes, que se “despencaram” do Sul do país, após a clarinada de Jorge Teixeira, o implantador do Estado, e teimavam em se estabelecer, a qualquer custo. 

Sob a liderança do Incra, as terras devolutas do antigo Território de Rondônia foram sendo divididas em pequenos módulos, seguindo a experiência do sul do país, onde imperam os minifúndios, com bastante êxito. 

Seguiu-se, na esteira do desenvolvimento, a inevitável exploração predatória da madeira, a invasão de terras indígenas, a selvageria natural dos faroestes do mundo, com a vinda de pistoleiros, os crimes de ocupação irregular, a percepção de que é possível, sim, no coração das matas, a tal “justiça pelas próprias mãos” – enfim, multiplicaram-se os desafios.

É exatamente neste cenário que vão atuar os jovens juízes, concursados nas primeiras levas da magistratura em Rondônia.
E lá se foi ele, o jovem Waltenberg, após a nomeação para a comarca de Rolim de Moura em 1986, onde permaneceu até 1992, dirimir esses e outros conflitos paroquiais e entregar a plena justiça aos seus jurisdicionados.
Ali exerceu, com segurança, coragem e imparcialidade, o seu oficio, tornando-se um bom juiz, até hoje reverenciado com saudade pela população daquele município da Zona da Mata.

Não deve ter sido fácil! 

Numa das áreas de maior litígio agrário em Rondônia, aquele jovem Juiz deixou a sua marca de coragem e independência, e com o temperamento necessário, entregou a justiça com absoluta retidão. 

Lembrar é preciso: é Rolim que surgiram os principais políticos de Rondônia, incluindo deputados, senadores, governadores e secretários de estado, região onde o ambiente político faz supor que imperam a traição, a ganância, o ódio, o medo e a conspiração, substituindo a pacífica convivência democrática e um juiz, ali, precisava ser hábil, ter grandeza e isenção, para não sucumbir.

No âmbito da alta cúpula da Corte rondoniense, ocupou cargos destacados, como vice-presidente do Tribunal de Justiça entre 2008 e 2009, foi diretor da Escola de Magistratura, biênio 2012/2013, e trabalhou também como membro do Tribunal Militar de Rondônia, até chegar a ser o primeiro homem na hierarquia do judiciário rondoniense, para o gáudio do “velho” Waltenberg (pai) que não esqueces.

Sua grande “praia”, porém, além da “mineira” vocação de fazendeiro, foi o ensino de Direito nos diversos ramos, tornando-se um docente respeitado na comunidade acadêmica.

Esse gosto pelo magistério ele o trouxe das Minas Gerais, onde o ensino do Direito fez pouso na Escola de Ouro Preto, e expandiu-se por todo o Estado, como um símbolo de status para a Família Tradicional Mineira.

Ali, na velha casa jurídica de Juiz de Fora – Universidade Federal – ele formatou os seus primeiros conhecimentos jurídicos, vindo depois para Rondônia de corpo e alma. 

Veio inteiro, pensamento, esperança, amor, uma espécie de transporte eterno para estes rincões profundos da hinterlândia rondoniense. Bebeu água do Madeira e ficou. 

Adaptou-se com sua família às intempéries da Amazônia, submeteu-se à vergasta do Carapanã, do Pium e aprendeu a lidar com as peculiaridades que ilustram o ambiente secular da região.

Amante do campo, como bom mineiro, adora o gorjeio dos pássaros ao amanhecer na sua fazenda Dom Henrique, onde estão suas “vaquinhas felizes”, e o gado ainda pasta com os cervos. De quando em vez uma anta, uma paca, um mutum “dão sopa” na sua janela. 

Também fazem parte do seu repertório, na “Dom Henrique”, a ordenha diária e os banhos nos igarapés, para refazer-lhe a alma. 

Meu querido mestre de Direito Constitucional, de aulas agradabilíssimas, ricas e de profundo saber, eu te saúdo, mestre, porque nas tuas aulas não carregavas livros para ensinar os fundamentos do Direito. Como os sábios gregos, tu sempre portaste o teu saber “na ponta da língua”, e isto me encantava, a mim e aos meus colegas de faculdade.

E lembrando o poeta britânico Lord Byron: a sabedoria é tudo que fica quando esquecemos o que aprendemos na escola. E a tua, carregaste-a para a vida. 

Lustraste, assim, o teu caminho, com o conhecimento, a verdade, a justiça e a liberdade, por isso, as tuas milhares de decisões, nesses teus trinta e cinco anos de magistratura, às vezes podiam até contrariar, mas sem encimar-se, sem abaixar-se às “ofertas de acordo”, em desacordo com as leis e os costumes, e sem sofrer nenhuma ameaça na sua jurisdição. 

É que olhavas o acusado, como bem frisaste em teu discurso de despedida, como Santo Agostinho olhava, como objeto de recuperação, e não como um mal a ser extirpado da sociedade. 

Seguidor intransigente da Carta Constitucional, o teu exemplo certamente será seguido pelos aplicadores do Direito. Afinal, nada mais consolida uma sociedade do que o exemplo, principalmente no âmbito da justiça, daí a tua frase: “Se alguma vez tive medo, certamente tive medo de ter medo”...Digo eu: Não de fazer justiça.

Neste momento em que concluis essa etapa de tua vida, mestre, em nome dos meus colegas de classe, meus agradecimentos, meu respeito e um desejo imenso de progresso e alegria nessa nova atividade de fazendeiro, ou na seara política, neste solo abençoado que elegeste de coração para ser teu, nessa imensa constelação de destemidos pioneiros da nossa querida Rondônia. 

Que Deus te proteja nas próximas empreitadas.

AMÉM!


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