• Fundado em 11/10/2001

    porto velho, sexta-feira 19 de abril de 2024

SERENO A VOZ ANTE AS ESTRELAS - Por Arimar Souza de Sá


Publicada em: 27/07/2019 13:20:40 - Atualizado

Nenhuma descrição de foto disponível.

Os dias atuais não têm sido fáceis. O clamor social apavora, e a desesperança faz folia nessa aventura de túmulos gestados da impaciência humana.

Mesmo na maturidade, sinto ser ainda impaciente nessa sondagem abissal de trevas que crestaram o conhecimento humano. Agrada-me a inteligência, a sabedoria me apavora favoravelmente, e a burrice me faz lastimar.

Sou impaciente ao fazer a leitura dos meus solavancos do brutal cotidiano, no crepitar dos fardos que carrego na vida.

Sou impaciente com o tic-tac do relógio do tempo, que flui numa mesma direção: nascimento, vida e morte.

Sou impaciente com as pregações de amor em certos templos, ostensivamente em busca do vil metal, mas justificando os dízimos e as ofertas com a necessidade de “religar” com a divindade e reduzir a abundância de ódio que percorre o mundo.

Sou impaciente com os que criticam os adversários nos palanques, mas ao ascender seguem na mesma trilha dos vencidos.

Sou impaciente com a fome que grassa no mundo em pleno século XXI, sem que quase ninguém se anime em dizimá-la.

Sou impaciente com a violência que faz o terror urbano, com a Baía da Guanabara poluída, com os guetos nos mangues da Bahia de São Salvador, com a pobreza e a falta de saneamento que mina de vergonha os arredores de Porto Velho, e com quem prometeu cuidar da cidade, mas não cumpriu.

Sou impaciente com o horror cotidiano dos hospitais públicos, onde homens, mulheres e crianças, coagidos pela dor e sem alternativa, são empilhados em macas como em tempos de guerra.

Sou impaciente com o pouco caso que se empresta às doenças tropicais e as não-tropicais, que ceifam vidas e mutilam esperanças.

Sou impaciente com os contornos que vem ganhando a Política, nessa vergonhosa fusão do Estado com qualquer seita, onde pseudo-homens portam a imagem de Deus, ligados a essa ou aquela religião, na caça sem critério algum aos votos dos incautos.

Sou impaciente com os pais que não educam seus filhos, deixando-os entregues à violência das drogas, e delegando à escola e aos aparatos eletrônicos da modernidade a formação de seu intelecto e de seu caráter.
Sou impaciente com os que ignoram, não buscam o conhecimento mas, no íntimo, ruminam verdades.

Sou impaciente com o ganho fácil que se estampa nas TVs abertas, na luta que travam pela audiência, ostensivamente entre a moral dos costumes e a prostituição deslavada que mandam para os lares.

Sou impaciente com os governantes que não têm programas, transformando suas gestões em pura enrolação ou butins de discórdia e soberba nos palácios.

Sou impaciente com o derretimento moral de muita “gente grande” o desmonte das tradições e memória cultural.

Sou impaciente com os processos que não se findam nos tribunais, mas ampliam divergências e nunca trazem a paz social aos jurisdicionados.

Sou impaciente com aqueles que deixaram para trás a dignidade, para servir aos seus próprios interesses, dizimando vidas e tornando-se os lobos de si próprios.

Sou impaciente à dor, rogando a Deus que não a entregue a mais ninguém. A dor do corpo e da alma, do gemido da fome e dos desastres das secas, porque gosto mesmo é das águas de chuvas torrenciais de inverno, e nelas sinto o banho de Deus na humanidade.

Porque sou impaciente, quero para mim e para todos os seres da terra um espaço para viver, como vivem os passarinhos, beijando as flores nos ninhos celestiais do Criador.

E mais...
Sou impaciente, sim, com qualquer forma de torpeza, e por isto consagro à vida os meus momentos de paz. Vibro com o sorriso das crianças e o olhar sereno dos mais velhos.

Curvo-me à experiencia dos mestres e ao conjunto da sabedoria humana nos níveis das ciências, e adoro a quilometragem dos anos, na busca incessante do infinito saber.

Meu desejo é desejar-me assim, simples, adorando o sol, a poesia, vestindo-me da inocência dos meus tempos de criança na Baixa da União, quando teimava com os meus irmãos que a lua era o sol, e que na lua estava São Jorge com a sua espada, para matar os inimigos do mundo.

Enfim, sou plural na compreensão sincera de que todos somos iguais na essência e na vontade de Deus.

No final, com o sinal da cruz, digo esta oração que me comoveu, inebriada que está no bojo da dialética temporal:

“Benditos sejam os que chegam em nossas vidas em silêncio, com passos leves para não acordar nossas dores, não despertar nossos fantasmas, não ressuscitar nossos medos.”

“Benditos sejam os que se dirigem a nós com leveza, com gentileza, falando o idioma da paz para não assustar nossa alma.”

“Benditos sejam os que tocam o nosso coração com carinho, nos olham com respeito e nos aceitam inteiros com todos os nossos erros e imperfeições.”

“Benditos sejam os que, podendo ser qualquer coisa em nossa vida, escolhem ser doação.”

“Benditos sejam esses serem iluminados que nos chegam como anjos, como flor ou passarinho, que dão asas aos nossos sonhos e tendo a liberdade de ir, escolhem ficar, e ser ninho.”

E, ao final, lembro do poeta Mário Quintana em seu “Poeminho do Contra: “eles passarão... eu passarinho”.

E, as minhas impaciências aqui relatadas, se diluirão no colo da eternidade.
AMÉM



Fale conosco