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Crônica de fim de Semana: Os Enfermeiros do Brasil - Arimar Souza de Sá

Infectando-se, morrendo ou escapando, sem os ‘EPIs’ de hoje, eles se transformaram em verdadeiros...


Publicada em: 04/04/2020 17:20:55 - Atualizado

CRÔNICA DE FIM DE SEMANA
OS ENFERMEIROS DO BRASIL
- Arimar Souza de Sá

É distante no Brasil essa profissão. Para ser preciso, a atividade veio a nascer, na prática, somente em 1543, primeira metade do Século XVI, com a Casa de Misericórdia, na Vila de Santos, em São Paulo.

A profissão surge, então, como uma simples prestação de cuidados aos doentes, realizada por um grupo formado, em sua maioria, por escravos que trabalhavam nos domicílios. Essa indicação temporal – de que era tarefa de escravos – como que mascara o ofício de enfermeiras e enfermeiros até os tempos atuais.

Na regressão histórica, sem hipocrisias, no Brasil esquecido, quem receitava, por exemplo, nos confins do Acre, em Feijó, Tarauacá, Xapuri, senão os enfermeiros práticos? Eram eles que aplicavam as injeções e faziam os curativos nos seringueiros, nos mineiros, submetidos à vergasta das doenças tropicais naqueles confins da Terra.

Eram os tempos do desprezo absoluto ao homem das matas, ao “Povo da Floresta”, que disputava com as feras os pequenos espaços, dentro de seus “tapiris”, onde à noite a oscilante luz da lamparina à querosene se confundia com o medo das flechadas dos índios. Tempos remotos, onde o homem sobrevivia como dava, mas marcava a presença brasileira na Amazônia.

Os seringalistas, às vezes com mil homens nos seringais, levavam para o pátio da “Sede” o enfermeiro prático, para atender os denegados da sorte e, pior, sem nenhuma proteção higiênica, a não ser a vontade da cura e o sabão, feito com banha de porco e soda cáustica, nos próprios seringais.

E eram eles, os enfermeiros, que estavam ali representando a saúde nacional – tudo para dizer que nos ínvios caminhos da solidão amazônica, de muitos pobres e de doenças tropicais as mais diversas, o restabelecimento da saúde – repetimos – ficava por conta desses guerreiros.

Em qualquer hospital da Amazônia, naqueles tempos remotos, era raro se encontrar médicos, e os que vinham de quando em vez eram castelhanos, sócios dos sofrimentos fronteiriços – bolivianos, argentinos, venezuelanos, colombianos que, num gesto de humanidade, acudiam os ”nossos” desgraçados, mas o enfermeiro estava lá.

Estava lá, sim, sem medo das intempéries da malária, da leishmaniose, das flechas dos índios no corpo dos brancos, fazendo curativos, aplicando injeções e administrando os horrores amazônicos dessas devastadoras doenças tropicais.

No início do século XX, na cruzada de Oswaldo Cruz para debelar a febre amarela, ali estavam, na área de combate, os enfermeiros, em colaboração direta com os médicos. Não há registro de recusa à luta de qualquer um deles, frente ao colossal estampido da saúde pública no Brasil.

A primeira Guerra Mundial, que durou até 1917, devastando a Europa e abrindo espaços para enfermidades múltiplas, entregou à humanidade, como “troféu”, a gripe espanhola, que dizimou mais de vinte milhões de pessoas.

No enfrentamento desse vírus mortal, que chegou ao imo das florestas, nos lugares mais distante estavam ali, à sombra dos Angicos, das Castanheiras, com suas caixas brancas que hoje chamam de “kit”, esses bravos soldados do bem.

Infectando-se, morrendo ou escapando, sem os ‘EPIs’ de hoje, eles se transformaram em verdadeiros guardiões das tragédias nos solavancos da noite, onde a dor comprime o corpo e a alma, enfrentando os horrores de um inimigo invisível

Mas isto é só um “detalhe”.

Hoje, estamos diante da maior guerra do mundo. O inimigo é o CoronaVírus que, embora invisível, está solapando vidas em todo o planeta, traduzindo-se numa peste quase tão feroz quanto a gripe espanhola.

E é exatamente nesse cenário insalubre, sem confinamentos nem medo, que estão a postos os enfermeiros do Brasil, dia e noite, 24 horas por dia, em seus sofridos e corajosos plantões, vivendo dias intensos, onde os olhos avermelhados madrugam, sem descanso, nos corredores e enfermarias dos hospitais.

O que é enigmático, nessa guerra, é que eles, como soldados da paz, não terão direito de levantar a bandeira branca – os inimigos chineses são invisíveis, mas ferozes e implacáveis.

Não se tem dúvida que em mais essa guerra esses brasileiros não recuarão. O que se pede e se deseja, é que nesta fase aguda, Deus cuide bem desses guerreiros.

Afinal, de contas, quem combate a dor, também precisa de amor.

AMÉM!

E.T. - Saudações a todos os profissionais da enfermagem de Rondônia, na pessoa de Dr. Manoel Neri, presidente Nacional da Entidade.

arimardesa@hotmail.com



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