Fundado em 11/10/2001
porto velho, sábado 23 de novembro de 2024
Crise socioeconômica se resolve com acordo de classes via Estado e política!
O atual grupo político que hoje governa o país, oriundo da deposição ilegítima da presidenta Dilma Roussef, tem como receita central para a resolução da atual crise socioeconômica uma dupla atitude político-institucional, a saber: a quebra do acordo de classes entre capital e trabalho, com a ênfase preponderante às exigências de nossa modernização conservadora e periférica, calcada na dependência externa e em uma economia primária baseada em baixos salários, pouco emprego de ciência tecnologia e na concentração de renda, bem como no rentismo (e não na industrialização); e a retirada do Estado em relação ao controle, à orientação e à dinamização políticos da esfera econômica, a partir da suposta centralidade do livre mercado e de sua pseudo-orientação técnica, vistos como superiores e idôneos em relação à atuação e ao sentido das instituições público-políticas de um modo geral e à política e ao Estado em particular.
Termos como livre mercado, modernização das relações trabalhistas e privatização dos bens públicos, aliados a uma concepção extremamente negativa do Estado, da política e das instituições públicas (sustentada por agentes públicos, pelo empresariado e pela mídia), retornam à ordem do dia como se fossem pontos óbvios e diretos dessa modernização das relações de produção e das instituições públicas. Parece, portanto, que a limitação do poder de atuação e de inovação do Estado e da política e o fortalecimento do livre mercado seriam pontos fundamentais da modernização, a base fundante para a resolução de nossa atual crise socioeconômica. Parece, além disso, que precisamos diminuir e, ao fim e ao cabo, nos desfazer do Estado, da política e das instituições públicas como solução para nossos problemas de subdesenvolvimento e de crise, posto que o Estado, nessas posições conservadoras, é visto como a causa da crise e do subdesenvolvimento – modernização, aqui, significaria, repito, nos livrarmos do Estado e da política e confiarmos os processos de desenvolvimento e de integração socioeconômicos exclusiva e preponderantemente ao livre mercado. Mas, primeiro, esse não é o único e nem o mais consequente caminho da modernização; e, segundo, ele não é nada óbvio e nem natural, senão que uma opção política, um caminho político, destituído de quaisquer objetividade e neutralidade técnicas.
Com efeito, ele anda na contramão da dinâmica tomada pelas sociedades desenvolvidas da Europa ocidental e da América do Norte, para não se falar da própria China e da Rússia, que emergem como potências político-econômicas fundamentais no século XXI exatamente por contraporem-se a uma globalização econômica que destrói a autonomia e a capacidade de ação do Estado-nação, fragilizando-o. Nesse contexto, temos exatamente a correlação de acordos de classe, entre capital e trabalho, conseguidos por meio da mediação política do Estado e dos partidos políticos, a partir de uma questão óbvia: crescimento econômico e desenvolvimento social somente são possíveis por meio da centralidade do Estado e da política em termos de fomento, mediação e dinamização da esfera do mercado e do trabalho, de sua proteção, de sua complementação, de seu financiamento. Em suma, a política e o Estado criam as condições para o desenvolvimento econômico e se responsabilizam por seu controle e pela integração das classes trabalhadoras não apenas em termos de trabalho e de educação, mas também no que se refere ao consumo e à viabilidade de um padrão mínimo de vida material.
Assim, o Estado e a política subsidiam, via financiamento público, a infraestrutura material necessária para o desenvolvimento do livre mercado e para a inclusão social (em termos de logística, de educação, de saúde, de fomento econômico etc.), criam toda uma legislação protecionista da economia nacional, fazem a mediação de classe entre capital e trabalho, oferece direitos sociais ampliados, entre outras coisas. Aqui, o livre mercado somente se torna possível dentro desse contexto amplo de um modelo de política e de Estado fortes, interventores e compensatórios, que protege suas fronteiras e seus cidadãos da colonização econômico-política externa, em particular no contexto de nossa globalização, marcada pelo predomínio de capitais transnacionais predatórios. Nesse diapasão, a viabilização do mercado e dos processos de integração social é dada pelo Estado e pela política, e não pelo livre-mercado, uma vez que aquela se preocupa também com questões normativas, ao passo que este tem como cerne uma atitude técnica, de racionalização da produção, da concorrência e do lucro. Isso é tão importante que, em recente pesquisa, os europeus explicitam que confiam mais no Estado e na política quando a questão é integração e justiça social, recusando que essa atitude seja realizada por esse modelo de livre mercado – ou seja, eles confirma mais no Estado e na política do que no livre mercado.
No caso brasileiro, nossa modernização conservadora é marcada pela periferização econômica, isto é, pela primazia de uma economia primária direcionada aos mercados externos, altamente dependente e colonizada por capitais transnacionais (basta vermos que nossas riquezas naturais e minerais são basicamente de propriedade de grupos estrangeiros, como é o caso do Pré-Sal, da Vale do Rio Doce e, agora, da Embraer). Essa economia periférica, sem muita inovação e capacitação científico-tecnológica, é complementada por grandes desigualdades sociais, pouco incremento no trabalho (basicamente concentrado no setor de serviços) e baixos salários, temperados, por fim, com racismo e autoritarismo culturais, políticos e institucionais, herança de nossa sociedade colonial e escravista. Em nossa sociedade, desse modo, pensar a correção de nosso processo de modernização por meio da ideia de livre mercado equivale a simplesmente acirrarmos esse processo de desestruturação socioeconômica de nossa vida cotidiana, aprofundando as desigualdades sociais, a concentração de renda e o subdesenvolvimento socioeconômico.
Da mesma forma, afirmar, dentro desse contexto (e geralmente desconsiderando-o) que somente com a limitação do Estado, o enfraquecimento da política, a flexibilização das relações trabalhistas e a venda de nossas riquezas à iniciativa privada (que geralmente é externa, não comprometida com os interesses nacionais), a partir da ideia de que o Estado e a política são ruins e o mercado é o sacrossanto bem, tem como consequência exatamente a incapacidade de resolvermos esses déficits de modernização que apresentamos sob a forma de subdesenvolvimento, desigualdade e violência. Um exemplo claro disso são nossas riquezas naturais. Ontem, como hoje, elas continuam sendo o combustível do progresso, o núcleo duro e inultrapassável de qualquer projeto de desenvolvimento nacional, endógeno e autônomo. O que estamos fazendo com elas, por exemplo com o petróleo? Vendendo para a iniciativa privada estrangeira, principalmente norte-americana! Estamos, por conseguinte, renunciando à base para nosso projeto de desenvolvimento e de integração nacionais e reafirmando nossa vocação de colônia de exploração de capitais estrangeiros; e estamos renunciando aos recursos naturais e minerais (como o petróleo) fundamentais para a construção de uma economia desenvolvida que fornece energia barata para nossos empresários e trabalhadores. É uma atuação política lastimável de nossos liberais, que pode afundar nossos projetos de desenvolvimento e nossos processos de integração.
É por isso que precisamos, em minha compreensão, prestar atenção aos projetos político-partidários de nossos candidatos à presidência da República, assim como ao protagonismo e às propostas dos candidatos a deputado estadual e federal, a senador e a governador. Precisamos apoiar, se me permitem a sugestão, candidatos progressistas e nacionalistas, que coloquem o Estado e a política como o instrumento fundamental para a construção do desenvolvimento e da integração nacionais. Além da idoneidade, nossa base para a escolha desses candidatos, desses projetos políticos, deve ser exatamente o foco dado pelos candidatos e pelos partidos à questão do desenvolvimento e da integração socioeconômicos, à destinação de nossas riquezas naturais e minerais etc. Os entreguistas não devem ser apoiados, pois são eles que, uma vez eleitos, contribuem para perpetuar essa situação de subdesenvolvimento e de atraso socioeconômicos, levando à naturalização e à consolidação das desigualdades sociais. Sobretudo, precisamos perceber que a crise socioeconômica é resolvida com Estado e política fortes, que fundam as bases e oferecem os estímulos e as condições para o crescimento econômico – que significa industrialização, ciência e tecnologia – e para a integração social de todos, principalmente dos mais necessitados. Fora disso, não há possibilidade factível para a resolução de nossos problemas.