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    porto velho, sexta-feira 26 de abril de 2024

Rumo à implosão política!


Por Leno Danner

21/10/2019 08:12:49 - Atualizado

Definitivamente, o governo de Jair Messias Bolsonaro acabou! Posso dizer isso com muita segurança, embora com muito pesar, pois ele alcançou o último estágio possível da perda de base político-partidária-institucional em uma democracia, que é exatamente a disputa interna, a canibalização interna, para utilizar uma expressão que li há poucos dias na mídia, em torno ao controle do PSL.

Já não bastava a fragmentação política muito grande, com trapalhadas corriqueiras e inabilidade política em torno à construção de um governo de coalização em que o executivo conseguisse apoio legislativo para implantar reformas de fôlego que viessem a modernizar o aparato e os serviços públicos, a fomentar um clima sociocultural de tranquilidade, de legalidade e de institucionalidade para investimentos e, por fim, mas não menos importante, a implantar projetos de desenvolvimento público que pudessem contar com o protagonismo do Estado e que dessem suporte financeiro e legal à economia e ao trabalho.

Além dessa gravíssima falta de tato político, já tínhamos a aplicação de um conservadorismo cultural tacanho, rasteiro e tosco, de ataque permanente ao universalismo cultural, aos direitos e às liberdades básicas e às minorias político-culturais, como se estas – e não o mau-governo do presidente – fossem a causa de todas as nossas crises, de todos os nossos problemas. Isso sem contar as justificativas espúrias relativamente ao aumento da destruição ambiental e do ataque às terras indígenas e às áreas de conservação natural da Amazônia, em que o fogo foi explicado enquanto tendo por causa a seca regional, e não o banditismo de fazendeiros, de madeireiros, de grileiros e de garimpeiros, como mostram as ações do IBAMA e investigações das polícias estaduais e federal.

Não bastasse a acumulação de erros políticos estratégicos, que levaram a uma massiva perda de apoio popular e à implosão de um possível governo de coalizão, tem-se agora, como disse acima, o racha interno do PSL em torno à disputa pela posse e pelo domínio do referido partido. Note-se que essa confusão, que foi motivada por Bolsonaro e assumida por seus filhos e correligionários mais próximos, produziu uma divisão profunda e provavelmente irreconciliável, além de ataques à honra recíprocos, entre os deputados e senadores do PSL – o presidente foi até chamado de vagabundo pelo Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara dos Deputados, algo impensável de ser dito por um correligionário.

Qual o significado, portanto, dessa minha afirmação de que o governo do presidente Jair Messias Bolsonaro acabou politicamente? Primeiramente, tal afirmação aponta para o fato de que o presidente perdeu o controle do legislativo e, como fecho de abóboda de tudo isso, perdeu o controle do seu próprio partido, tendo de migrar para algum outro ou amargar essa cisão e esse rancor internos por um longo tempo, talvez por todo o restante do governo. A Câmara dos Deputados está se tornando totalmente arredia e autocentrada em relação ao governo. Vai ser difícil negociar aqui; é quase impossível retomar o controle e o direcionamento dela, especialmente em um momento de perda de apoio popular e de crise socioeconômica ampla, a qual o governo radicalizou e não dá mostras de conseguir (ou querer) resolver. Nesse sentido, portanto, é a Câmara dos Deputados que governa, e não o presidente Jair Messias Bolsonaro. No atual contexto político, o protagonismo e a importância política do presidente são nulos.

Em segundo lugar, a pacificação do legislativo e, antes disso, do próprio PSL, cuja unidade, confiança e mutualidade internas foram severamente danificadas, levará muito tempo, talvez anos, exigindo, além disso, moderação e capacidade de negociação que até agora o governo não demonstrou em absoluto – inclusive por ter causado esse furação político e assumido esse abandono socioeconômico que agora o atacam de todos os lados. Agora, mais do que nunca, o governo é refém do legislativo e sabe disso, como também o sabe o próprio legislativo.

Em terceiro lugar, o governo insiste teimosamente no milagre econômico a aparecer, como dádiva divina ou sorte e espontaneidade dos crentes. Mas essa é uma crença muito ingênua e burra. Mudanças acontecem com protagonismo institucional e com políticas públicas e estas necessitam tanto de uma perspectiva estadista por parte de nossos governantes quanto de acordos, negociações e consensos com o legislativo, necessitando também de uma visibilidade e de uma publicidade que apresentem aos brasileiros e ao mundo segurança jurídica, abertura e estabilidade democráticas, institucionais, e disposição para interagir, para aprender, para mudar. Não vejo isso em Jair Messias Bolsonaro, sequer vejo isso na maior parte de seus apoiadores, que insistem no fantasma do comunismo e que invectivam pela deslegitimação e até pela derrubada do Estado democrático de direito, do STF e da política em geral, vociferando contra uma fantasiosa degeneração da política partidário-institucional. Bolsonaro em primeiro lugar, suas lideranças políticas em segundo e seus correligionários em terceiro são culpados disso, e não a oposição, ou a política em geral, ou o judiciário. Esta argumentação boba e essa lavagem cerebral não estão mais funcionando. Ou se cresce economicamente e se supera o desemprego, dando esperança social e base política para as reformas e as transformações, ou se cai definitivamente; ou se negocia com o legislativo, ou o executivo perde o controle da política institucionalizada.   

        Por esses quatro fatores – perda do legislativo, guerra fratricida no PSL, falta de protagonismo político em termos de projetos de desenvolvimento e acirramento da lavagem cerebral – Bolsonaro não conseguirá mais governar ou, quando muito, terá pelo menos uns dois anos para rearranjar a casa e recomeçar o processo de discussão e de reforma. Mas, para isso, precisará de inteligência para pedir desculpas e de habilidade para negociar; ademais, seus outros líderes políticos precisarão de outra grande dose de inteligência, no sentido de focarem em projetos de desenvolvimento, de integração e de justiça que esteja para além do conservadorismo e do obscurantismo neopentecostais de uma Damares Alves, de um Silas Malafaia, de um Edir Macedo etc., que lhe dão suporte religioso-midiático.

            Por fim, nossos generais têm de parar de socar a mesa ou de mandar diretinhas via redes sociais ao STF ou à oposição, fomentando a fragilização das instituições e o golpismo, e trabalhar pela pacificação social e pela autonomia entre poderes, bem como pelo protagonismo institucional. Não podem tornar-se mulas do presidente. E os correligionários do presidente, de sua parte, têm papel importante no sentido de orientar a postura de Bolsonaro em prol da governabilidade, ele que se baseia muito nesse contato direto, via redes sociais, com seus apoiadores. Mas, para isso, também precisam deixar de ser alienados e alucinados e pensarem politicamente. Uma tarefa muito difícil para os bolsonaristas, para quem a mitologia antecede e justifica a política, para quem, portanto, a distorção permanente da realidade se tornou tanto uma forma de vida quanto, em consequência, um modus operandi, sua lupa a partir do qual veem – ou seja, não veem –a realidade.


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