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    porto velho, quarta-feira 8 de maio de 2024

O agronegócio não é a base do desenvolvimento socioeconômico e da melhora da qualidade de vida da população brasileira!


Por Leno Danner

02/12/2019 07:26:45 - Atualizado

O Produto Interno Bruto brasileiro, que mede a produção total de riqueza – bens e serviços – nacional de ano para ano, está dividido nos três setores básicos da economia: economia primária, ou seja, agricultura, pecuária e extrativismo – o popular agronegócio; economia secundária, que diz respeito à industrialização, ligada à ciência e à tecnologia; e economia terciária, isto é, o âmbito das atividades liberais ou terceiro setor, o setor de serviços. Nesse mesmo sentido, hoje, a economia primária responde por 5,5% do PIB e por 8% dos empregos formais; a indústria responde por 18,5% do PIB e por 22% dos empregos formais; e, por fim, o setor de serviços responde por 76% do PIB e por 70% dos empregos formais nessa área. Lembrando que nosso PIB, no ano de 2018, foi de 6,8 trilhões de reais e, para 2019, a previsão é de alta de 0,90% em relação ao ano anterior.

Essa situação da distribuição do PIB e da geração de emprego e renda por parte de cada setor da economia nacional mostra o problema óbvio que o Brasil enfrenta hoje tanto no que diz respeito ao crescimento econômico baixíssimo e ao aumento do déficit fiscal (ou endividamento) do Estado quanto no que se refere a uma taxa de desemprego na ordem de 12,3% da mão-de-obra economicamente produtiva – o Brasil possui, hoje, 106,3 milhões de trabalhadores aptos, sendo que em torno de 12,4 milhões estão desempregados (como dito logo acima, esse quantitativo perfaz 12,3% de desemprego estrutural, um nível muito alto). Desse montante de trabalhadores empregados, apenas 33 milhões possuem efetivamente carteira assinada, ou seja, trabalho formal. Ademais, 27,9 milhões de pessoas estão subempregadas[1]. No mesmo sentido, conforme pesquisa do PNAD Contínua, produzida periodicamente pelo IBGE, estamos hoje com 38,683 milhões de pessoas em regime de trabalho informal, sem legislação trabalhista, sem recolhimento de impostos, sem seguridade social, tempo de descanso etc., as quais trabalham para viver basicamente, sem qualquer possibilidade de mobilidade social mais ampla[2].

A primeira constatação importante, que podemos inferir de todos estes dados, consiste exatamente em que a economia primária ou, para sermos mais específicos, o agronegócio não é a base produtiva dinamizadora seja do crescimento econômico, seja da ampliação do emprego formal em nosso país; inclusive, ele não representa o núcleo inovador em termos de ciência e tecnologia, já que não necessita de e nem produz materiais e métodos que efetivamente gerem alto impacto tecnológico e de renda. No nosso caso, o que se percebe é uma alta monopolização desse setor em poucas mãos e, portanto, a concentração da terra e da riqueza em uma parcela muito pequena de e por brasileiros/as. De mais a mais, a alta do dólar comprova o que em geral se tem dito relativamente ao gargalo representado pelo agronegócio, ou seja, o fato de que a venda de matéria-prima de baixo valor agregado ao mercado externo é efetivamente a grande base da constituição e da dinamização do agronegócio: o preço da carne aumentou porque é mais vantajoso exportá-la do que vendê-la para nós, o mercado interno. Pode-se argumentar que isso é o mercado, que ele se baseia em oferta e procura, que o dinheiro é o alvo etc., mas a lógica por trás é muito clara: agronegócio, além de concentrado, além de concentrar terras e de possuir pouca inovação tecnológica (por isso, na Amazônia Legal, as invectivas por mais desmatamento para cultivos e pastagens), tem por meta a exportação de commodities aos mercados da Europa, dos Estados Unidos e da China.

A segunda constatação importante diz respeito ao fato de que a primazia absoluta da economia terciária ou do setor de serviços na geração do PIB brasileiro exemplifica um segundo grande problema à economia brasileira e pode responder, por exemplo, ao crescimento do subemprego e do trabalho informal. Se a economia primária (agronegócio) é eminentemente concentrada e direcionada à exportação, o setor de serviços, embora diversificado, conta com pouco incremento tecnológico e, de uma maneira geral, é feito e realizado de modo bastante simplista e rudimentar em muitos casos, com pouco conhecimento de área, escassos recursos para investimento e muita instabilidade devido ao fato da baixa lucratividade e a essa crise econômica que, entre outras coisas, leva ao decréscimo do consumo. Portanto, se a economia primária emprega pouco e concentra muito a renda, a economia terciária, dada sua carência de recursos e de investimento tecnológico, paga baixos salários e vive uma situação de instabilidade permanente, o que leva exatamente à falência de muitos destes negócios.

Resta a indústria brasileira, muito pouco considerada pelos sucessivos governos, como o núcleo efetivamente dinamizador da economia nacional, que distribui renda, gera desenvolvimento de ciência e tecnologia, exige uma educação básica e superior mais apuradas, que integra as pessoas e lhes permite mobilidade social acentuada. Mas como se viu, ela representa muito pouco, menos de 1/5 do PIB brasileiro e, portanto, do jeito que está, sem uma perspectiva protagonista e protecionista do Estado brasileiro, não conseguirá contribuir na redução do desemprego, no aumento da renda e na dinamização da mobilidade social, na recuperação fiscal do Estado e, em tudo isso, na construção de uma sociedade mais justa, equalizada e estável em todos os sentidos, autônoma naquelas condições científicas, tecnológicas, econômicas e educacionais mais básicas para uma sociedade desenvolvida, que passa, entre outras coisas, pela autonomia industrial. Nos últimos 50 anos, aliás, a participação da indústria no PIB caiu de 21,4% a 12,6%, conforme dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI)[3]. O Brasil vive correlatamente um processo de desindustrialização real e pungente, desde a década de 1970, com intensificação nestes primeiros anos da segunda década do século XXI, e de baixíssimo desenvolvimento científico e tecnológico naquelas áreas que ainda se mantêm resistentes não obstante a abertura comercial à concorrência externa e ao baixo nível de investimento e de protecionismo públicos em relação às nossas áreas estratégicas[4].

No mesmo diapasão, percebe-se que a própria incapacidade pública de monopolizar nossos recursos naturais – petróleo, minérios etc. – implica em que não tenhamos os meios básicos para impulsionar nossa industrialização e para exigir exatamente o desenvolvimento de educação, ciência e tecnologia que nos coloque como protagonistas de nossa sociedade, como artífices de nosso futuro. Por outras palavras, continuamos focados em commodities, altamente concentradas, e baseados em atividades econômicas que, no setor terciário, têm pouco potencial inovador e gerador de emprego e renda. A consequência: desemprego crônico, altíssima desigualdade social, pouca mobilidade entre classes e, por fim, crise fiscal como que permanente por parte do Estado brasileiro. É por isso que mais uma vez se exige uma política de Estado relativamente a esses quatro pontos fundamentais que somente ele, nosso Estado brasileiro, por meio da política, pode realizar e consolidar: economia autônoma e industrializada, educação básica e superior de qualidade, ciência e tecnologia. São esses os valores fundamentais do e para o desenvolvimento econômico e social, econômico porque social, social porque econômico.   

Pode-se conferir mais informações no seguintes sites:

[1] https://africa21digital.com/2019/03/29/a-tragedia-do-desemprego-e-do-subemprego-no-brasil-continua-a-aumentar/

[2] https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/08/30/trabalho-informal-avanca-para-413percent-da-populacao-ocupada-e-atinge-nivel-recorde-diz-ibge.ghtml

[3] http://www.justificando.com/2019/07/23/dentre-30-paises-brasil-lidera-ranking-de-desindustrializacao-precoce/

[4] https://www3.eco.unicamp.br/cede/centro/146-destaque/508-desindustrializacao-no-brasil-e-real-e-estrutural



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