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    porto velho, quinta-feira 25 de abril de 2024

De onde menos se espera é que não vem nenhuma solução!


Por Leno Danner

25/03/2021 20:07:58 - Atualizado

“De onde menos se espera, daí é que não sai nada”, dito de Aparício Fernando de Brinkernhoff Torelly, autodenominado Barão de Itararé, já virou um chiste clássico e não há razões para dizermos que perdeu sua atualidade. Ele expressa exatamente uma máxima de ação muito importante para compreendermos o papel e o lugar de nossas lideranças políticas e jurídicas de um modo geral, mas também por óbvio, para se entender cada um de nós naquilo que fazemos em nosso dia a dia.

Basicamente, significa que quem não apresenta um comportamento propositivo ao longo de sua vida, quem normalmente é uma pessoa destrutiva, simplesmente não vai mudar de comportamento de uma hora para outra, como que por milagre, por mais que tenhamos uma fé ilimitada ou desejemos ardentemente tal mudança; no mesmo diapasão, não vai mudar mesmo que nos sacrifiquemos por essa mesma pessoa. Aqui, a mudança é exceção, não a regra, e em geral só vem depois que destrói tudo ao seu redor.

Sempre me lembro que, quando estava no Seminário Nossa Senhora de Fátima, em Erechim, em formação para o sacerdócio, tivemos uma palestra com um alcóolatra anônimo que se curou de seu problema. Mas só o fez depois de destruir tudo à sua volta, causando sofrimentos múltiplos à família. Perdeu todo o dinheiro, destruiu a boa convivência familiar, fragilizou a própria saúde e, finalmente, mentiu a torto e a direito para poder manter o vício às custas da instrumentalização da esposa e dos filhos. E nunca me esqueço de uma sua frase lapidar, com a qual ele terminou a palestra: nunca confiem em um viciado, porque é a pessoa mais mentirosa de todas; vai fazer de tudo, jurar de pés juntos e prometer mundos e fundos para que continue sendo sustentado em seu vício. Ele só parou quanto sua família estava no fundo do poço, sem mais um real no bolso para custear seu vício.

Não sei se é o melhor exemplo para explicitar o chiste do Barão de Itararé, mas ele vale minimamente para o caso: não adianta esperar de quem pratica o mal uma conversão repentina e espontânea; não adiante esperar de quem é destrutivo que, de uma hora para outra, como que em um faça-se escatológico, mude seu comportamento. Se normalmente é malvado e destrutivo, então a tendência é exatamente de que o sujeito mantenha essa postura ao longo do tempo. O marido que base na mulher e a ameaça cotidianamente, vai continuar batendo e ameaçando a mulher, eventualmente matando-a, se ela continuar com ele. É tão óbvio essa afirmação que dispensa mais comentários e, como disse, não é mero acaso que o referido chiste do Barão de Itararé continua fundamentalmente válido para nós hoje.

Ora, o mesmo vale para a (im)postura do presidente Jair Messias Bolsonaro no que diz respeito ao combate à pandemia do coronavírus. Há mais de um ano ele vem assumindo uma postura de negacionismo, desinformação, boicote, omissão e sabotagem em relação ao trabalho ao mesmo tempo político (no sentido de protagonismo gerencial das instituições públicas, começando pelo governo federal) e sanitário (no sentido de centralidade e primazia da ciência e da comunidade científica em definir os protocolos de atendimento capazes de frear a contaminação descontrolada, a falência das instituições de saúde e, finalmente, o travamento completo e a desagregação social acentuado causados por uma pandemia desgovernada). Jair Messias Bolsonaro, que já era, de fato, uma liderança política espúria, incompetente e grosseiras antes, simplesmente reproduz agora, só que no cargo de presidente da república, e não no de um simples, inoperante e impotente deputado federal, essa postura de destruição sem causa e sem finalidade, a qual, em um contexto de pandemia – que não liga para ideologia, mas que pode ser potencializada ao extremo por meio de posições ideológicas idiotas –, assumiu e continua assumindo esse sentido catastrófico e genocida que estamos vendo hoje.

Já disse em outro artigo: nós fomos e estamos condenados à morte por essa postura negacionista, omissa, sabotadora e de desinformação protagonizada pelo presidente Jair Messias Bolsonaro. Hoje, no grau existente de superlotação da infraestrutura hospitalar, com vacinação a passos de tartaruga e, finalmente, sem qualquer planejamento político centralizado de isolamento social e de liberação de recursos por parte do governo federal, inclusive com a falta já muito real de medicamentos para intubação, estamos dependentes da nossa “sorte orgânica”, da nossa saúde pessoal, e não mais da intervenção médico-hospitalar, na medida em que esta não consegue mais dar conta do número de contaminados cotidianos. Contamos hoje com a sorte, e não com o planejamento político e o trabalho científico.

Nesse sentido, ontem, dia 24 de março, o presidente reuniu-se com representes do legislativo (os presidentes da câmara e do senado) e com governadores e autoridades do judiciá-rio para formar um comitê amplo de resolução dos desafios próprios à pandemia. Porém, já essa “reunião” pode ser percebida como o primeiro ponto ridículo e absurdo da “mudança” de orientação do governo: somente governadores alinhados – incluindo-se, aqui, o governador de Rondônia, Coronel Marcos Rocha – foram convidados, sendo que o consórcio de governadores, que assumiu esse compromisso público-político de enfrentamento à pandemia do corona-vírus e o levou a termo até hoje, não obstante o presidente, foi simplesmente alijado da reunião, como se não fosse nada e ano tivesse nada a contribuir. Quer dizer, não tem mudança de comportamento, conscientização da situação e reconhecimento de quem efetivamente está realizando o trabalho, por parte do presidente. Continua o mesmo sabotador egoísta de sempre, ou seja, continua negando na prática a construção de um trabalho coletivo, do governo federal, passando pelos estados e chegando-se aos municípios.

Hoje, dia 25 de março, vimos mais uma vez a declaração desinformada e sabotadora de que o lockdown e o isolamento social consequente não só não reduzem as contaminações, como também levarão à crise econômica irreversível e completa. Mais uma vez, qual a alternativa? Vacinação em massa? Não temos vacinas, inclusive por causa da inépcia do presidente e de sua equipe. Tratamento precoce? Não funciona, conforme as evidências científicas até agora construídas. Colocação dos bancos públicos para financiamento das empresas, manutenção dos trabalhos e oferta de um mínimo social para os mais necessitados? Apenas em parte isso está sendo realizado, e de modo muito lento. Garantia dos insumos hospitalares necessários ao tratamento da doença e consolidação de uma condição logística capaz de efetivamente suprir tais medicamentos? Sem qualquer atuação incisiva e com a ameaça latente, cada vez se aproximando mais, de faltarem medicamentos para intubação.

Pelo que se vê, não temos o que esperar dessa situação. Esperar por uma transformação comportamental e gerencial de Bolsonaro é simplesmente inútil; não vai acontecer e ele sequer deseja isso na prática. Estamos esperando um milagre que não só não vai acontecer, como estamos flertando agora com o perigo de uma desestabilização em massa da nossa sociedade, começando pelo seu sistema de saúde. Talvez não seja mero acaso que o presidente da câmara dos deputados chamou a atenção para o remédio amargo que pode ser utilizado pelo legislativo para resolver a incompetência, a omissão e a sabotagem presidenciais. Melhor ir preparando esse remédio, já que muito provavelmente ele precisará ser utilizado nos próximos meses.


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