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CRÔNICA DE FIM DE SEMANA: Plantando Orquídeas, Seringueiras e Castanheiras na estrada - Arimar Souza de Sá

Homenagem aos pioneiros desta terra


Publicada em: 23/02/2020 19:08:43 - Atualizado

CRÔNICA DE FIM DE SEMANA

Plantando Orquídeas, Seringueiras e Castanheiras na estrada

- Arimar Souza de Sá

Para mim sempre foi prazeroso falar de flores embora não seja um especialista, nem mesmo um estudioso do assunto, mas é que as flores, especialmente as orquídeas – espécie de rara e misteriosa beleza – me fascinam.  

Em recente viagem de férias para o sul do País, percorrendo as estradas que demandam as serras gaúchas com destino a Gramado, as diversas variedades de orquídeas plantadas às suas margens despertaram em mim um prazer estético e sensorial.

Percebi, ali, como são impressionantes o cuidado e o respeito que o gaúcho consagra às coisas da sua terra. Dir-se-ia que o homem do sul traduz-se por amar profundamente a terra e as suas tradições e, ainda, por mostrar aos turistas, com satisfação ímpar, seus vinhedos – uvas de primeiríssima qualidade – seus instrumentos tradicionais de lavrar a terra e até suas armas antigas, usadas na defesa das fronteiras do Rio Grande do Sul contra os "castelhanos".

E pensei: Quem sabe, algum dia, também plantarei orquídeas nas estradas de Rondônia, para também continuar mantendo o meu orgulho de ter nascido neste chão abençoado, e junto com elas, castanheiras e seringueiras, para compor a paisagem ao longo da “BRs” e das “ROs”, com a marca das nossas espécies nativas.

Por lá, os gaúchos exclamam: Cada palmo plantado ao longo da estrada tem como adubo “palmos de gente”, enterrados na saga dos colonizadores.

Por aqui, o plantio de seringueiras e castanheiras tem também palmos de gente que se despencou de todos os pontos do país,  se fincou nestes confins da hinterlândia, e "se lascou" à busca de sobrevivência digna para si e para os seus filhos – e conseguiu, à custa de muita luta, coragem e FÉ.

Aqui estão plantados os nossos ancestrais, os que vieram na clarinada de Vargas para a exploração do ouro negro, e o esforço para fugir de guerras alhures travadas entre as potências do mundo de então.

La na Itália, para pracinhas, heróis vítimas da guerra, deram cemitérios com cruzes brancas, e cuidaram de providenciar um carinhoso amparo às famílias.

Aqui, para os seringueiros, os soldados da borracha, que sucumbiram às intempéries, aos ataques dos índios, ao carapanã, à febre amarela e à malária, o enterro desses heróis foi sem nenhum sentimento, apenas com "sete  palmos de terra na cara" em locais depois esquecidos, e não há registros de cruzes pintadas de qualquer cor... As famílias? Quase todas simplesmente relegadas ao abandono.

Bem que seria uma linda homenagem plantarmos à beira das estradas rondonienses, seringueiras e castanheiras, como símbolos de respeito aos guerreiros nossos, cujas armas eram a faca de cortar seringa e os apetrechos de guerra: uma "poronga" à cabeça, iluminando o caminho, uma espingarda “à bandoleira” e um saco às costas, para carregar o látex extraído das árvores.

Ao crescer, cada árvore que for plantada se transformará, no santuário magnífico da natureza, em um templo de oração à liturgia do homem amazônico, e resplandecerá na alma da floresta, banida que foi com as queimadas e derrubada impiedosa.

E haverá regressos, no platô da imaginação, de Veados e Caititus, de Macacos Pregos e Guaribas. E haverá gemidos de dor nas lascas de florestas, na sanha das motosserras a dizimar esperanças e vida...

As seringueiras e castanheiras fincadas nas estradas, simbolizarão aos passantes os caminhos para o infinito nas esquinas do Criador, e crescendo, crescendo, trovejarão amor à natureza, hoje tão vilipendiada.

Mas falava eu de orquídeas... que elas sejam também plantadas, ornamentando as nossas castanheiras e seringueiras numa simbiose exuberante da vida nas matas, nesse vai-e-vem de chegar e partir, de nascer, crescer e morrer.

E como um "cameraman" embrenhado no tempo, impregnado deste sentimento de consagração à vida no profundo da floresta virgem, eu faria o retrato de um Quatipurú e pediria aos céus para me explicar aquele olhar púrpuro, límpido, do animalzinho a indagar o porquê das pisadas do invasor! ...

E, sem saber bem por quê, indagaria aos pássaros, à Onça, ao Jacaré, à Lontra, à Cobra Cipó, à Papagaia, à Surucucu-Pico-de-Jaca, à Cascavel, por qual razão vocês ainda vivem entre árvores, igarapés, igapós e nas beiras dos rios? Seriam os guardiões de Deus a tentar impedir o avanço da ganância e desta louca “civilização”?

Como um louco numa mesa de jogos, embaralhando as cartas, eu diria: façam o jogo senhores, façam suas apostas! E o fogo, ah, o fogo ... Árvores a queimar e a gritar de dor, e de repente haverá seringueiras e castanheiras e haverá ouriços e leites...

Façam o jogo, senhores!

A roleta girando, loucamente...

Aí me findo, e orvalhado de esperanças plantarei mais castanheiras, mais seringueiras e também orquídeas, como símbolo de amor a Rondônia.

E porque nesta terra? Nem se diga! Adoro o perfume dos seus espaços, terra em que nasci e ainda piso pela Graça de Deus e, com sorte, e o dever cumprido, me agasalharei aqui, depois que a morte me cobrir com seu manto.

E, tranquilo, repousarei entre orquídeas, seringueiras e castanheiras, cumprindo assim os desígnios do Criador.

AMÉM!


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