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    porto velho, sábado 27 de abril de 2024

Ineditismo do STJ sobre pena de Robinho gera debate sobre limites da homologação de sentença


CONJUR

Publicada em: 22/03/2024 09:52:52 - Atualizado

BRASIL: Ao homologar a sentença italiana que condenou o ex-jogador Robinho a nove anos de prisão pelo crime de estupro, caberia ao Superior Tribunal de Justiça fixar regime inicial de pena e o cumprimento imediato da mesma?

A dúvida causou a principal divergência no julgamento da Corte Especial sobre o caso, na quarta-feira (21/3). Por maioria de seis votos a cinco, prevaleceu a posição do relator, ministro Francisco Falcão, que avançou sobre todos esses pontos.

Ao votar pela homologação da sentença, ele determinou que a pena seja cumprida conforme as normas da Lei de Execução Penal e em regime inicial fechado, já que, de acordo com a lei brasileira, condenações superiores a oito anos se iniciam com encarceramento mais gravoso.

Seu voto ainda mandou oficiar, com urgência, o juízo federal da subseção judiciária de Santos, para que, de imediato, cumpra a sentença homologada. Como teve um pedido de HC dirigido ao Supremo negado, Robinho acabou preso já nesta quinta-feira.

Advogados criminalistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico levantaram discussão sobre os limites do STJ para tratar a colocação em prática da sentença homologada, especialmente diante do grau de ineditismo visto.

Primeira vez

É a primeira vez que o Brasil obriga um brasileiro nato a cumprir pena no país por uma sentença italiana. Até então, só era comum a homologação nos casos em que o pedido de transferência de pena é feito por Portugal, com quem há promessa de reciprocidade.

O STJ tem dezenas de decisões monocráticas homologando sentenças a pedido do governo português para que o cumprimento da pena se dê no Brasil — em alguns casos, até mesmo de cidadãos portugueses, hipóteses em que o país abre mão de pedidos de extradição.

Nesses casos, é comum a determinação de ofício ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e à Justiça Federal do local de residência do condenado, com expedição da carta de sentença. Ainda assim, há limites.

No HDE 2.093 julgado pelo ministro João Otávio de Noronha em 2020, quando a sentença já estava homologada, o próprio governo brasileiro peticionou pedindo para a presidência do STJ verificar a pertinência da decretação de prisão em desfavor do condenado.

Na decisão, o ministro Noronha explica que a competência para executar a pena é da Justiça Federal, inclusive para decidir sobre a pertinência da prisão.

“A jurisdição do Superior Tribunal de Justiça esgotou-se com a homologação das sentenças estrangeiras, cabendo ao Ministério da Justiça e à Justiça Federal os demais procedimentos em relação ao referido instituto”, disse.

Nos processos consultados pela ConJur, não há qualquer menção ao regime de cumprimento de pena, ordem de prisão, aplicação da Lei de Execuções Penais ou necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da decisão do STJ.

Divergência

O tema, na verdade, foi pouco analisado de forma colegiada pela Corte Especial. Na quarta-feira, o ministro Sebastião Reis Júnior foi quem levantou oposição. Disse que o regime de pena deveria caber ao juiz da Execução penal e só após o trânsito em julgado da HDE.

Alguns ministros (Mauro Campbell, Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira) concordaram que, de fato, o cumprimento da decisão dependeria de exaurir a jurisdição do STJ — sem considerar, assim, a possibilidade de a defesa de Robinho ajuizar recurso ao Supremo Tribunal Federal.

Já o ministro Raul Araújo foi mais longe para dizer que a Corte Especial estaria extrapolando a própria competência ao decidir qualquer um desses temas sobre a execução.

“Nossa competência é para homologar a sentença. Não é para dar execução. Nunca demos execução a uma sentença estrangeira que homologamos. O objetivo do processo de homologação é tão somente que passe a ter validade, para que a parte interessada na homologação vá então ao juízo da execução promover o cumprimento da decisão estrangeira”, disse.

A maioria que acompanhou o relator (Humberto Martins, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves e Ricardo Villas Bôas Cueva) superou todos esses óbices.

Para Leonardo Pantaleão, especialista em Direito e Processo Penal, ao fixar regime inicial fechado para Robinho, o STJ apenas se atentou às regras previstas na legislação brasileira, adequando a sentença estrangeira.

Ele ainda ressaltou que o STJ não expediu mandado de prisão, mas apenas o ofício para que o juízo competente do local onde o réu mora o faça. Caberá a ele analisar posteriores benefícios progressão, livramento condicional e outras benesses. “Nesse caso não há que se falar em descumprimento em relação à interpretação.”

O criminalista Rafael Paiva concorda, ao apontar que o STJ homologou uma sentença que já se tornara definitiva na Itália. Assim, apenas tratou-se de deixar bem assentado temas que são afetos à homologação, cujo cumprimento caberá à Justiça Federal de Santos.

Em sua visão, o marco para o cumprimento da decisão deve ser mesmo a data da homologação pela Corte Especial. “Essa decisão se deveu ao fato de ser um tema de matéria penal e, com certeza, esse entendimento será paradigmático.”

Não há unanimidade, no entanto. Flávia Rahal, sócia do Rahal, Carnelós e Vargas do Amaral Advogados, entende que não caberia ao STJ avançar sobre esses pontos relativos à execução e que, na dúvida, seria melhor adotar a posição mais benéfica ao réu: a de aguardar o trânsito em julgado.

“O fato de o caso ter consequências penais só impõe ainda mais respeito às garantias e direitos individuais, por mais fortes e inaceitáveis que sejam as provas dos autos e a gravidade da conduta imputada ao condenado brasileiro.”

E se for pior aqui?

André Kehdi, do Khedi, Vieira, Coêlho, Gardinali, Amato Advogados, também avalia que seria necessário que a homologação fosse tornada definitiva para ser aplicável no Brasil. Ele defende que a regra constitucional da presunção de inocência valha inclusive nesse caso.

Ele ainda levanta outro ponto não discutido no caso: a possibilidade de o Judiciário brasileiro fazer adequações à pena de Robinho, nos pontos exatos em que o cumprimento da pena, pela lei italiana, eventualmente se mostrar mais benéfico.

O STJ já lidou com esse tema parcialmente em outro pedido de transferência de execução da pena feito pela República da Itália, no HDE 8.001. O condenado é o ex-oficial do Exército Uruguaio Pedro Antonio Mato Narbondo.

Ele foi julgado na Itália pela morte de cidadãos italianos na Argentina em junho de 1976, no contexto da Operação Condor, desencadeada no continente para eliminar opositores dos regimes ditatoriais da América Latina. A condenação é de prisão perpétua.

Filho de brasileira, Narbondo é considerado brasileiro nato. O STJ ainda vai decidir se ele deve cumprir pena, como Robinho. Em decisão de fevereiro de 2023, a ministra Maria Thereza de Assis Moura fez um aviso ao governo italiano.

“Ressalto, ainda, que, mesmo que venha a ser deferido o pedido de transferência de execução da pena, será inevitável a comutação da pena perpétua, porquanto inadmissível no direito brasileiro”, disse.





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