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porto velho, sábado 22 de março de 2025
Essa semana fiquei imaginando um confronto retórico, baseada nas contradições e incoerência de pessoas qualificadas, quanto a comportamentos dentro de grupos de Instagram e Whatsapp”. Se fossem conversar acho que trocariam algumas ofensas, tipo: “vê se te liga na cultura woke” e a outra pessoa: “mas você é um boomer, nem sabe o que woke é”. Mas se isso ocorresse realmente com você – leitor/leitora – como você entenderia? Pois é. Quero comentar com vocês essas nuances que estão diante de nós e nem sei se nos damos conta. E quando chega nas decisões político-educacionais?
Ah! Sempre ao final, algumas dicas (tipo “saiba mais”)
Os “gaps” e os “tipos” geracionais
Classificações geracionais são amplamente utilizadas em áreas como marketing, psicologia e estudos culturais para entender como diferentes gerações interagem com o mundo ao seu redor. Em 1928, o sociólogo Karl Mannheim, introduziu a ideia de que grupos de pessoas nascidas em períodos semelhantes compartilham experiências históricas que moldam suas visões de mundo em uma obra em alemão denominada "Das Problem der Generationen" (obvio que não li, menos ainda em alemão... risos). O trabalho foi traduzido para o inglês como "The Problem of Generations" e incluído no livro “Essays on the Sociology of Knowledge”, publicado em 1952 (esse não teve jeito: leitura obrigatória no Doutorado...). Em 1991 William Strauss e Neil Howe trataram de apresentar uma teoria cíclica das gerações, explorando como eventos históricos moldam os comportamentos e valores de diferentes grupos geracionais. A obra se denomina como “Generations: The History of America's Future, 1584 to 2069”. Na prática, dessas análises sociológicas, culturais e demográficas ao longo do tempo, o que se popularizou foi a classificação a seguir e já te convido para verificar se você se reconhece:
1. Geração Perdida (Lost Generation): Nascidos entre 1883 e 1900. Popularizado por Gertrude Stein e Ernest Hemingway, referindo-se a uma geração desiludida após a guerra.
2. Geração Grandiosa (Greatest Generation): Nascidos entre 1901 e 1927. Criado pelo jornalista Tom Brokaw em seu livro “The Greatest Generation”.
3. Geração Silenciosa (Silent Generation): Nascidos entre 1928 e 1945. Refere-se à discrição e conformidade social dessa geração.
4. Baby Boomers: Nascidos entre 1946 e 1964. Derivado do "baby boom" (explosão de nascimentos) após a guerra.
5. Geração X: Nascidos entre 1965 e 1980. Popularizado pelo livro “Generation X” de Douglas Coupland.
6. Millennials (Geração Y): Nascidos entre 1981 e 1996. Refere-se à proximidade com o novo milênio.
7. Geração Z: Nascidos entre 1997 e 2012. Segue a sequência alfabética após a Geração Y, mas é a primeira geração para a transição ao totalmente digital, marcada por redes sociais e os temas das mudanças climáticas.
8. Geração Alpha: Nascidos a partir de 2013. Crescem em um mundo hiperconectado e com avanços em inteligência artificial. Criado por Mark McCrindle, sociólogo australiano, para designar a geração pós-Z. Que tem gerado questionamentos quanto a perda ou redução de sua sensibilidade ao convívio socio-humanitário ampliado (mundo real e coletivo), ou seja, para além das telas e da virtualidade.
Os e as representantes que ilustram essas gerações vão desde Gertrude Stein e Ernest Hemingway à Greta Thunbertg e Alê Silva.
E? Woke??
Esses comportamentos ou grupos geracionais são dinâmicos, mas criam pautas a partir das formas como constroem suas agendas. É aí que a termo woke interessa. Ele surgiu na comunidade afro-americana nos Estados Unidos, inicialmente como uma gíria que significava "estar alerta" para injustiças sociais e raciais e começou a ganhar relevância durante o movimento dos direitos civis nos anos 1960. Um marco importante foi o artigo de William Melvin Kelley, publicado em 1962 no jornal The New York Times, intitulado “If You're Woke, You Dig It”, que ajudou a popularizar o termo e em tradução livre significa: "Se você está consciente, você entende" ou "Se você está acordado (consciente), você saca".
O conceito ressurgiu com força na última década, especialmente com o movimento Black Lives Matter (BLM), que ganhou destaque em 2013 após casos de brutalidade policial contra afro-americanos. Durante esse período, o termo "woke" expandiu-se para incluir uma ampla gama de questões sociais, como direitos LGBTQIA+, feminismo e justiça climática. Em 2017, o dicionário Oxford incorporou o termo com o significado de "estar consciente sobre temas sociais e políticos, especialmente o racismo". A questão, portanto, é o confronto entre ser consciente ou estar consciente. E, dependendo disto, atuar consciente e consistentemente em um mundo cujo ambiente político e polarizado dilui tal compreensão e/ou possibilidade.
Como cultura ou movimento ser ou estar woke tem um impacto significativo no ativismo social contemporâneo, tanto de forma positiva quanto desafiadora. Do ponto de vista das contribuições é possível notar que movimentos woke têm ajudado a trazer à tona questões sociais importantes, como desigualdade racial, direitos LGBTQIA+, feminismo e justiça climática. Da mesma forma, imprimido visibilidade na mobilização digital e nos temas de inclusão e diversidade. Isso pode ser notado com as ascendências de Movimentos como BlackLivesMatter e MeToo e os confrontos com as pautas identitárias cada vez mais insistidas. No Brasil, ganham ressonância nacional os Coletivos como AfroReggae e a CUFA (Central Única das Favelas), Movimento Negro Unificados (desde 1978) e o braço BLM com o “Vidas Negras Importam”.
Ao mesmo tempo, já emergem os desafios e críticas. Os mais contundentes são a cultura do cancelamento, atribuído ao aspecto ativista woke, que gera uma censura excessiva onde opiniões divergentes podem ser silenciadas a priori (“mata antes, pergunta depois”) e a polarização, onde ocorre à ênfase em identidades específicas que, às vezes, tendem a fragmentar movimentos sociais mais amplos. Neste sentido, anulando as formas de pensamento e oportunidades de quem não estiver “alinhado” nas pautas identitárias, segundo o paradigma de quem receber a demanda.
Polarização e Política Anti-Woke
Assim como em outros países, o anti-woke no Brasil reflete uma polarização crescente, com debates acalorados sobre liberdade de expressão e valores tradicionais. É frequentemente associado a figuras políticas conservadoras, como o ex-presidente do Brasil (2019-2022), e a críticas contra políticas de diversidade e inclusão, que repercutem em sanções políticas, como no caso do Estados Unidos, com a presidência atual - que já vinha de um mandato anterior (2017-2021) na mesma linha - reagindo contra a agenda woke atribuindo incompetência pelo fato de servidores públicos acessarem por valores de inclusão.
Isso implica em um ressurgimento das nuances de intolerância, violência, agressividade entre os polos e caos das relações sociais, com flutuação e fortalecimento das bolhas (isso é outro tema). O que está evidente é uma reação conservadora, redução de investimentos em Diversidade, Equidade e Inclusão, com crescentes protestos a políticas de cotas, por exemplo, e os debates acalorados sobre liberdade de expressão e valores tradicionais, reduzindo todo o contexto e debate político a polarização entre “pautas identitárias VS pautas de costumes”.
Na verdade, a cultura woke embora bem-intencionada em muitos aspectos, pode inadvertidamente criar novas formas de exclusão. A ênfase excessiva em identidades específicas, por exemplo, pode levar a uma competição por vitimização e a uma fragmentação ainda maior do tecido social. Será que, ao tentar corrigir injustiças históricas, não estamos correndo o risco de criar novas?
Contexto local.
Quando me referi ao início que eu estava “baseada nas contradições e incoerência de pessoas qualificadas, quanto a comportamentos dentro de grupos de Instagram e Whatsapp” numa batalha retórica imaginária, foi com observação na conduta de pessoas que se dizem “progressistas” ou “conservadores” quando estão liberadas do peso de seus atributos sociais em razão da posição ou formação acadêmica. E como ilustro isso? Pois bem: ser consciente ou estar consciente (woke) são níveis importantes para que algumas pautas possam avançar também localmente. A cultura woke, como movimento de conscientização sobre injustiças sociais e raciais, tem uma relação mais direta e evidente com as gerações mais jovens, especialmente os Millennials (Geração Y) e a Geração Z. As gerações mais velhas, como a Geração Perdida, a Geração Grandiosa, a Geração Silenciosa, os Baby Boomers e a Geração X, têm uma relação mais complexa com a cultura woke.
Neste campo, mesmo entre pessoas distintas do ponto de vista geracional, conseguimos encontrar alguns palestrantes e/ou pesquisadores em favor da democracia e da equidade etc., compartilhando memes ou “piadas de lazer” que estimulam valores aporofóbicos, homofóbicos, estetofóbicos, misóginos e classistas. Essa atuação é notada como motivo para diminuir, assediar e/ou isolar quem sugerir que isso não seja realizado. Mais: a depender do ritmo e do tema, alimentar as “panelinhas” são consideradas formas naturais de relacionamento e não, como deveria, assédio institucional. Um dado quanto a realidade local: quem está entrando na Universidade, alguém sabe? Ou somente presumem?
Se você é woke, sabe que essa conduta não é natural e o mundo digital ampara a covardia da impaciência da divergência abonando por justa causa. Se você está woke, vai admitir que é uma conduta temporária e sobreviver por conta do modismo ou das vantagens que “parecer” woke pode trazer-lhe como benefício. Em última análise, a cultura woke nos desafia a repensar nossos valores e preconceitos, mas também nos convida a refletir sobre os limites do ativismo e da correção política. Será que estamos realmente promovendo a inclusão e a diversidade, ou apenas criando novas formas de segregação e intolerância? O debate está aberto, e cada um de nós tem um papel a desempenhar na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Onde você quer ser visto/vista?
Você já pensou sobre algo assim? Me conta?
Fontes: Dá uma olhadinha?
LIVRO: Mannheim, Karl. Essays on the Sociology of Knowledge. Routledge & Kegan Paul, 1952.
https://ia600904.us.archive.or...
LIVRO (AudioBook): William Strauss e Neil Howe. Generations: The History of America's Future, 1584 to 2069. https://www.amazon.com/Generat...;
LIVRO: Strauss, William; Howe, Neil. The Fourth Turning: An American Prophecy. Broadway Books, 1997 https://archive.org/details/th...
LIVRO: Generation X: Tales for an Accelerated Culture, de Douglas Coupland. https://archive.org/details/ge...
SITE McCrindle: Entendendo a geração Alpha.
https://mccrindle.com.au/artic...
ARTIGO MIDIAS G1. Como o termo "woke" como um ponto de batalha cultural e política nos EUA https://g1.globo.com/educacao/...;
SITE MIGALHAS: Como algumas empresas estão abandonando políticas associadas ao "wokerismo". https://www.migalhas.com.br/de...;
ARTIGO CIENTÍFICO 2023 – DANIELA RIBEIRO. Impactos positivos e negativos da cultura woke na sociedade contemporânea. https://parc.ipp.pt/index.php/...
William Melvin Kelly: