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    porto velho, sábado 6 de dezembro de 2025

A Prisão que Não Virou Show: O Caso Bacellar e o Sinal de Mudança na Polícia Federal


Por Dr. Fadrício Santos

05/12/2025 23:12:09 - Atualizado


A prisão do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Rodrigo Bacellar, acendeu um alerta que vai muito além da investigação em si. O ponto sensível não foi apenas quem foi preso, mas como a prisão ocorreu. Convidado a comparecer à sede da Polícia Federal para uma suposta reunião institucional, Bacellar acreditava estar diante de um compromisso de rotina. Ao chegar, recebeu voz de prisão. Sem câmeras, sem helicópteros, sem ruas bloqueadas.

A justificativa extraoficial: evitar exposição pública.

Num país acostumado a ver operações policiais transformadas em espetáculo midiático, a discrição adotada pela PF surpreendeu e levantou uma pergunta inevitável: estaríamos diante de um novo modelo de atuação?

A cultura da espetacularização e seus danos

As últimas décadas moldaram no imaginário brasileiro uma imagem quase cinematográfica das operações policiais. Viaturas acelerando, agentes encapuzados, imagens sendo transmitidas ao vivo e o investigado apresentado como culpado antes mesmo de ser ouvido. A Justiça, nesse cenário, muitas vezes se tornou coadjuvante de uma encenação pública.

O Supremo Tribunal Federal, ao longo do tempo, precisou intervir para reforçar que exposição indevida viola a presunção de inocência, a dignidade da pessoa humana e o devido processo legal. Ainda assim, o apelo midiático continuou conduzindo muitas ações policiais.

Por isso, a forma como a prisão de Bacellar foi executada chama tanto a atenção: ela rompe com o padrão do “espetáculo”, ao menos nesta ocasião.

Discrição: avanço institucional ou seletividade?

Do ponto de vista jurídico, o método utilizado pela PF é o mais alinhado às garantias constitucionais. A prisão discreta:

▪ evita humilhação pública;

▪ reduz risco de prejulgamento;

▪ protege a integridade da investigação;

▪ impede vazamentos sintomáticos;

▪ preserva a imagem institucional do Estado.

O que gera dúvida é por que esse modelo não é aplicado em todos os casos.

Quando operações simples contra cidadãos comuns são filmadas e expostas, mas líderes políticos recebem tratamento reservado, surge a suspeita de seletividade o velho problema estrutural do sistema penal brasileiro.

Não basta prender discretamente quando convém. O Direito Penal não pode ser regido por “privilégios operacionais”.

Há uma nova doutrina? Ainda não. Mas deveria haver.

Não existe até o momento qualquer manifestação formal da Polícia Federal indicando que este será o novo padrão de atuação. Ao contrário: operações recentes continuam sendo executadas com amplo aparato de exposição midiática.

O caso Bacellar, portanto, pode ter sido:

▪ uma decisão estratégica para evitar repercussão política;

▪ uma cautela institucional frente ao cargo do investigado;

▪ ou até uma tentativa de evitar desgaste público para a própria PF.

Ainda não se pode afirmar que se trata de mudança de paradigma. Mas o episódio abre uma oportunidade.

Se a PF pretende de fato modernizar sua forma de agir, reduzindo a espetacularização e priorizando proteção de direitos fundamentais, essa política precisa ser clara, pública e principalmente universalizada.

O Brasil precisa decidir como quer prender

A maneira como o Estado prende diz muito sobre a maturidade democrática de um país.

Uma prisão silenciosa, técnica e respeitosa com garantias fundamentais é sempre melhor que o espetáculo.

O que não pode ocorrer é transformar essa prática em exceção para figuras influentes, enquanto o cidadão comum continua sendo exposto às câmeras, humilhado e pré-julgado pela opinião pública.

Se o método adotado na prisão de Bacellar representa um avanço, esse avanço precisa ser incorporado para todos.

Se foi apenas uma solução conveniente, então o problema da espetacularização continua apenas muda de cenário.

O país precisa escolher entre um sistema penal civilizado ou o velho roteiro da humilhação televisada.

O debate está aberto e é urgente.

Por Dr. Fadricio Santos


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