• Fundado em 11/10/2001

    porto velho, sábado 22 de fevereiro de 2025

CRÔNICA - O descaso como rotina no atendimento público em Porto Velho

Para quem precisa cuidar da saúde nas Upas ou no postinho, filas para tudo! Para pegar a senha, para coletar sangue, para receber exames e para ser atendido...


Arimar Souza de Sá

Publicada em: 22/02/2025 11:28:44 - Atualizado

Foto - edição Rondonoticias

Porto Velho acorda cedo! A cidade cresceu e se move freneticamente nos horários de pico. Pessoas se deslocam, ônibus lotam, carros buzinam em meio ao engarrafamento de bicicletas e motos, e as filas começam a se formar antes mesmo do sol se firmar no céu.

Para quem precisa cuidar da saúde nas Upas ou no postinho, filas para tudo! Para pegar a senha, para coletar sangue, para receber exames e para ser atendido.

No corre-corre, um exército de rostos cansados, abatidos, enfrentando dor, se empilham em corredores mal iluminados e salas abafadas, aguardando por um atendimento que, quando chega, vem carregado de impaciência, descaso e até desprezo.

E, finalmente, quando o paciente chega na frente do doutor, já desmoralizado pela doença, é recebido com a frieza de um diagnóstico raso: "É VIROSE", diz o médico, sem sequer olhar nos olhos de quem está sentado à sua frente segurando um papel e suportando uma dor que ninguém ali parece disposto a compreender.

Ressalvando-se as exceções o atendimento quase sempre é péssimo. Os enfermeiros passam apressados, os atendentes parecem irritados, e a sensação de impotência cresce como uma febre alta sem remédio.

Quem chega humilde, vestindo a simplicidade do dia a dia, muitas vezes recebe de volta um olhar torto, uma resposta seca ou, pior, o silêncio ignorante de imbecis que fingem não ver quem chegou ‘lascado’.

A regra nesses locais parece clara: quem precisa de atendimento deve primeiro provar que merece ser atendido. E a prova? Talvez seja uma roupa impecável, um corpo perfumado, um blazer da moda, um tom de voz firme, um olhar altivo, a indicação de um político; tudo, menos atender um clamor por piedade.

Os idosos, então, coitados, vivem um capítulo à parte dessa tragédia cotidiana. Olhares cansados, entram nas filas sem primazia, como quem pede licença para existir, embora que o Estatuto do Idoso garanta prioridade, mas o que recebem, na prática, é um empurrão burocrático: São ‘jogados no alambrado’, mandados de um guichê para outro, de um prédio para outro, carregando a fragilidade de uma vida inteirinha nas pernas trêmulas, enquanto escutam que "as regras são essas mesmo: "Se gostou, bem, se não gostou, vá pra casa!”

Na rede pública, se a consulta depender da chamada ‘regulação’ do atendimento nos postos de saúde do Estado ou do Município? - aí resta ao paciente apenas a esperança e a paciência—porque, muitas vezes, ele morre antes de chegar sua vez.

Também na rede privada, para quem tem um plano de saúde, o enredo é o mesmo, mas sofistica-se o local. Conseguir um horário, ou mesmo um encaixe é um verdadeiro Deus nos acuda, é preciso implorar. O telefone toca sem resposta, o sistema está sempre “fora do ar”, e quando finalmente se consegue um agendamento, a espera pode durar meses.

E o atendimento nas repartições públicas? Ave Maria! O servidor, em cujo nome está implícito, é para servir, com as honrosas exceções, atende como se estivesse fazendo um favor. Responde com má vontade, evita o olhar, e tem deles que ainda suspiram fundo quando precisa explicar algo pela segunda vez, como se o cidadão não estivesse ali exercendo um direito que ele está sendo remunerado para atender bem, e não implorando por um gesto de pura misericórdia diante do flagelo.

E há ainda aquelas atendentes que parecem ter um contrato vitalício com o WhatsApp. Grudadas na tela do celular, os dedos deslizam freneticamente como se estivessem digitando uma tese, mas na verdade, estão presas em conversas banais, pessoais, portanto, alheias ao mundo de quem espera ser atendido. O sorriso discreto que esboçam enquanto teclam parece carregar um deboche silencioso, um recado não dito: “Você pode esperar, a minha conversa é mais importante”. Ali, o paciente se torna invisível, um detalhe irrelevante diante da tela brilhante do telefone delas.

E a humilhação do cidadão não para por aí. Se precisar assinar um contrato de prestação de serviço, seja para telefone, seguro, internet, ou qualquer outro serviço essencial, terá que encarar páginas e páginas de texto, onde a burocracia se esconde atrás de letras miúdas, quase microscópicas, um verdadeiro desafio para os míopes e para qualquer um que tente entender os termos, que parecem grafados de propósito para não serem lidos, mas assinados peremptoriamente, não mais no papel, mas na própria tela do celular.

E o Procon? Silencia! O órgão que deveria proteger o consumidor parece se esconder atrás das mesmas letras minúsculas, deixando a população à mercê das cláusulas obscuras e dos absurdos impostos, sem contestação.

Mas por que essa realidade se perpetua? Porque falta cobrança! Falta um olhar vigilante dos gestores públicos e empresários que comandam os serviços essenciais e lucram com a prestação de serviços. Estes poderiam estar mais vigilantes para proporcionar um atendimento digno a quem os procura. Deveriam exigir não apenas cumprimento de protocolos, mas o mínimo de empatia no trato com o público, (seu patrão).

Ora, a população não quer favores, nem muito menos paparico. Quer respeito, dignidade. Quer ser atendida sem precisar implorar, sem ser destratada, sem se sentir um peso para aqueles que recebem um salário justamente para atender bem. Não basta inaugurar postos de saúde, hospitais e unidades de atendimento. É preciso garantir que o atendimento seja humano, ágil e eficiente.

E assim segue Porto Velho, uma cidade onde o serviço público muitas vezes esquece do público. Onde um "bom dia" cordial virou raridade, onde um atendimento humanizado parece utopia, e onde a paciência do povo é testada todos os dias, sem que haja qualquer punição para o desprezo sistemático travestido de atendimento.

Mas afinal de contas o que falta? Treinamento? Talvez! Fiscalização? Sem dúvida!

Mas o que falta mesmo é educação, aptidão no servir, humanidade. E essas, infelizmente, não se ensinam em cursos e nem nos balcões atendimento, vêm do berço.

Quem tem, humaniza e beneficia. Quem não tem, se degrada e apodrece.

E assim caminha a humanidade!

AMÉM!


Fale conosco