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porto velho, terça-feira 26 de novembro de 2024
PORTO VELHO,RONDÔNIA- O Programada (APP) do Mestrado Profissional Interdisciplinar em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça (DHJUS), uma parceria entre a Escola da Magistratura do Estado de Rondônia (Emeron) e a Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR), desenvolve nesta a semana uma intensa programação da APP- Atividade de Pesquisa Programada, que inclui visitas a comunidades ribeirinha e três mesas redondas sobre a enchente de 2014. Iniciada na segunda- dia 9, a APP, destinada às turmas de 2017 e 2018 do curso, investiga questões socioambientais e as problemáticas dos Direitos Humanos das populações e comunidades impactadas pelas obras das usinas hidrelétricas (UHEs) do Rio Madeira. A programação termina no dia 14.
O evento foi aberto pelo coordenador do mestrado, Rodolfo Jacarandá, e pela diretora do Departamento Pedagógico da Emeron, Ilma Ferreira de Brito, representando o diretor da Escola, desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia. Ela destacou a parceria com a UNIR e a satisfação da Emeron em receber o programa de pós graduação stricto-sensu. Já o coordenador assinalou o papel de agente de mudança de todos os envolvidos no mestrado e a perspectiva de futuro adquirida a partir das atividades da semana: “O interesse maior é o de aproximar e reunir, dando as mãos em busca da responsabilidade sobre nossos destinos, para que o DHJUS consiga avançar”.
A primeira mesa discutiu os impactos provocados pelas grandes obras das UHEs e pela enchente histórica. Com mediação da Dra. Aparecida Zuin, do DHJUS, reuniu os doutores Artur Moret, Ronaldo Almeida, Luís Fernando Garzon e o mestre. Roberto Carlos Andrade, todos da UNIR, além da engenheira Andreia Konasugawa Pereira. Artur comparou o estudo de caso da usina de Jirau às de Lajeado (Tocantins) e Chixoy (Guatemala), alertando para os impactos do deslocamento forçado, que levam à perda das relações sociais. Ele trabalhou as ideias de transitoriedade permanente e de vínculos com o território, garantindo que os atingidos “sempre preferem o local antigo”. Por fim, criticou as remoções como mera “apropriação e mercantilização de territórios, descartando as pessoas como mercadoria”.
Ronaldo, por sua vez, falou sobre as transformações biológicas e químicas do mercúrio na bacia do rio Madeira, desde a exploração do ouro a partir dos anos 1980, passando pelas queimadas na floresta e a erosão do solo, que também levam mercúrio para a atmosfera e de volta ao ambiente aquático, e completando o ciclo de danos com a construção dos reservatórios, ao ponto de até o leite materno das ribeirinhas apresentar mais mercúrio, segundo estudo de 2013. Andreia discorreu sobre os processos erosivos do Madeira à jusante da UHE Santo Antônio, alertando para a importância dos relatórios de monitoramento hidrosedimentológico para analisar dados de desbarrancamento.
Já Roberto falou da configuração espacial (estudo do desenho da cidade e sua relação com o espaço) do bairro Triângulo, em Porto Velho, e de como os moradores perderam espaço parcial com a cheia de 2014, dando como exemplo o completo desaparecimento da rua Madeira-Mamoré. Ele defendeu a ideia de que pessoas, espaço, cidade, bairros e casas devem ser pensados holisticamente e não com uma separação das habitações visíveis das invisíveis, aquelas em que a comunidade é colocada no fundo, na chamada “área crítica”. Em sua fala que encerrou a mesa, Luís Fernando destacou justamente o trauma que os desalojados sentem ao serem prejudicados em função da “priorização dos agro-minero-hidronegócios, nos quais o desastre é cotidianizado”, lembrando o caso de Mariana. Para ele, após a pressa e ausência de estudos e de diálogo durante a construção das usinas, é preciso sanear a memória de Porto Velho.
Os debates foram seguiram com as mesas “A voz dos atingidos”, em que representantes de movimentos sociais prestaram seus depoimentos sobre suas perdas atreladas às obras do Rio Madeira e à grande cheia, e “Os impactos socioambientais e de Direitos Humanos sobre populações atingidas e questões judiciais”, que contou com juristas e representantes de instituições públicas.
Na terça-feira (10), os acadêmicos estiveram nas áreas baixas do rio, no perímetro que abrange do porto Cai N’Água até o Cemitério da Candelária, conversando com os moradores do entorno e lideranças comunitárias. Na parte da tarde, visitaram as áreas altas: Morro do Triângulo, Belisário Pena, Comunidade de Chacareiros do KM 4,5 e Vila de Santo Antônio. O juiz Acir Teixeira Grécia, do 3º Juizado Cível e ingressante no mestrado em 2018, relata: “Nos deparamos com situações bastante impactantes, as pessoas com suas casas atingidas, outras abandonadas ou em ruínas. Segundo o que narram, as que foram para outro local estão morando em bairros periféricos da cidade e com bastante dificuldade na sobrevivência, pois tiravam o sustento do peixe e da plantação. Eram famílias inteiras que moravam em mais de uma casa no mesmo terreno e tudo isso foi destruído pela barragem”.
Na quarta-feira (11) pela manhã foram exibidos aos participantes os documentários “Santo Antônio e Jirau”, do Movimento dos Atingidos por Barragens/MAB, e “Desbarrancados”, do IMV com o Coletivo Madeirista. Na parte da tarde, a visita ocorreu na Vila Nova do Teotônio e às novas unidades habitacionais de realocação dos moradores dos bairros Triângulo, Baixa da União e Cai N’Água. Dando continuidade à pesquisa de campo, na quinta os alunos fazem uma visita guiada à usina hidrelétrica de Jirau e às comunidades de Vila Mutum, distrito de Abunã e unidade habitacional de Nova Mutum. Por fim, na sexta-feira, embarcarão para uma viagem de reconhecimento no baixo Madeira, até o distrito de São Carlos do Jamari, identificando as comunidades e analisando a situação socioambiental, com acompanhamento do MAB, lideranças populares e professores do mestrado e da UNIR.