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porto velho, quarta-feira 10 de dezembro de 2025

A prova produzida a partir de sugestionamento e intimidação deve ser considerada falsa por violar o contraditório e a boa-fé processual. E, ao decretar uma prisão preventiva baseada em uma prova ilícita, o Estado tem o dever de indenizar.
Com esse entendimento, por maioria de votos, a 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a Fazenda Pública paulista a indenizar um homem por danos morais e materiais. Na fase de investigação criminal, ele foi apontado em um reconhecimento fotográfico como agressor, o que levou à sua prisão. Absolvido, sustentou que a decretação de sua preventiva fez com que se tornasse vítima de um erro judicial.
O homem, então, propôs uma ação indenizatória, mas perdeu em primeira instância. Ao apelar ao TJ-SP, apontou vícios no reconhecimento e disse que suas características físicas não batiam com a descrição do depoimento da vítima, e que no depoimento prestado na audiência de instrução e no julgamento a pessoa agredida ressaltou que o acusado não cometeu o crime e que um policial insistiu em indicá-lo durante o reconhecimento, induzindo a sua identificação.
O acusado argumentou ainda que a preventiva foi decretada sem prévia intimação para esclarecimentos, o que caracteriza ofensa ao devido processo legal. E que, portanto, o Estado cometeu constrangimento ilegal ao determinar a prisão, situação em que ele permaneceu por seis meses.
O homem acrescentou que sofreu dano moral pela humilhação nos âmbitos familiar, social e profissional e dano material pela impossibilidade de trabalhar enquanto esteve preso.
O relator sorteado do caso, desembargador Martin Vargas, votou por negar provimento ao recurso. Porém, o relator designado, desembargador Marcelo Semer, divergiu e votou por aplicar as novas diretrizes de reconhecimento pessoal consolidadas pelo Superior Tribunal de Justiça.
Semer assinalou que, na fase de investigação criminal, a vítima só reconheceu o réu depois que o delegado o apontou, levando-a ao reconhecimento equivocado. O desembargador destacou que, de acordo com o STJ, a inobservância do procedimento descrito no artigo 226 do Código de Processo Penal — que trata do reconhecimento fotográfico — torna inválido o reconhecimento do suspeito e não pode servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo.
“É incontornável que a prova produzida a partir de sugestionamento, intimidação ou qualquer outra influência resulta eivada de falsidade, em violação ao contraditório e à boa-fé processual”, afirmou Semer. “Não é possível reconhecer erro judicial no caso, mas há responsabilidade estatal pela produção da prova ilícita que resultou na prisão indevida do requerente.”
Ao ressaltar que tanto a denúncia quanto a decisão judicial se basearam unicamente no reconhecimento fotográfico, o desembargador acrescentou que o entendimento do STJ foi consolidado no julgamento do Tema 1.258. “O bem fundamentado voto do ministro Schietti apropriou-se de doutrina, jurisprudência comparada, pesquisas feitas no Brasil e no exterior sobre erros judiciários e de estudos psicológicos sobre a memória para demonstrar o alto índice de falibilidade da memória humana, que se sujeita tanto ao esquecimento quanto a emoções, vieses e sugestões, sendo possível a modificação, reconstrução e até criação de ‘falsas memórias’ a partir de influências externas.”
Portanto, em sua visão, como o Estado baseou a prisão preventiva em uma prova ilícita, tem o dever de indenizar pelos danos morais e materiais que foram comprovados pelo autor da ação. Semer determinou o pagamento ao apelante de R$ 80 mil por danos morais e de R$ 9.662,40 por danos materiais.