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Assistência de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e familiar

O propósito deste breve estudo é analisar as semelhanças entre os mecanismos de proteção previstos na Lei nº 14.344/2022...


CONJUR

Publicada em: 02/08/2022 09:08:32 - Atualizado

BRASIL: Com certo atraso, o legislador editou a recente Lei nº 14.344/2022, declaradamente destinada à prevenção e ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente. Talvez por não serem capazes de militar em causa própria, as crianças e adolescentes só tiveram um mecanismo capaz de reforçar o princípio da proteção integral após tristes episódios de violência.

O propósito deste breve estudo é analisar as semelhanças entre os mecanismos de proteção previstos na Lei nº 14.344/2022 e a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), com a necessária crítica a não inserção da Defensoria Pública na rede de proteção, quando oportuno.

Se analisarmos a estrutura da Lei Maria da Penha, percebe-se que a mulher vítima de violência doméstica recebeu tratamento mais protetivo, a exemplo da previsão dos artigos 27 e 28 que asseguram a assistência jurídica e a presença de um profissional com capacidade postulatória (advogado ou membro da Defensoria Pública) em todos os atos que a mulher vítima participar, constituindo verdadeira hipótese de assistência qualificada [1], já abordada nessa coluna.

Igual dispositivo não foi previsto em favor das crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, o que poderia ter sido estendido por meio da atuação da curadoria especial (artigo 72 do CPC e artigo 4º, XVI da LC nº 80/94) ou até mesmo por outra função (custos vulnerabilis, por exemplo), visto que essa forma de violência e abuso ocorrem no seio da família e contam com a leniência dos representantes legais, tornando prejudicial a tutela de interesses dos incapazes.

A participação da Defensoria Pública conta com uma uma tímida previsão no artigo 15, em seu inciso II, quando determina ao juiz que encaminhe o responsável pela criança ou pelo adolescente ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso.

O problema deste dispositivo é o de justamente não amparar situações em que o responsável possa estar envolvido com a prática da infração penal ou ao menos seja conivente com o quadro de violência, criando verdadeiro conflito de interesses, já que direciona o atendimento da Defensoria Pública em favor do representante legal e não do próprio incapaz.

A assistência ao incapaz no Código de Processo Penal conta com poucas previsões da curadoria especial, valendo registrar o artigo 33 e o exercício do direito de queixa (se o ofendido for menor de 18 anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal).

No entanto, a par da realidade processual, o quadro de omissão legislativa reveste-se de maior gravidade, se pensado que o artigo 13 da Lei nº 14.344/2022 não confere à autoridade policial o encargo de comunicar à Defensoria Pública o quadro de atendimento da criança ou adolescente, a fim de que a instituição possa avaliar possível intervenção no caso concreto.

Encontraremos a inserção da Defensoria Pública somente após a apreciação da medida protetiva nos termos do artigo 19, parágrafo único (banco de dados de acesso disponível à Defensoria Pública) e no artigo 18, por meio de intimações dos principais atos do processo relativos ao agressor.

Não é demais lembrar que o artigo 4º em seus incisos XI (exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado), XV (patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública), XVI (exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei) e XVIII (atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas) estabelecem funções institucionais pertinentes à tutela dos incapazes vítimas de infrações penais no contexto doméstico e familiar.

Ainda encontramos o quadro de omissão normativa também no artigo 16, quando não insere a Defensoria Pública no rol de legitimados aptos à postulação das medidas protetivas de urgência. Depreende-se que a atuação da Defensoria Pública, notadamente quando houver omissão do representante legal da criança ou adolescente vítima de violência doméstica, dependerá de esforço interpretativo.

Explica-se: é importante recordar que as crianças e adolescente, diferentemente das mulheres vítimas de violência, não são dotadas de legitimidade ad processum, sendo necessária a sua representação ou assistência para postulação em juízo.

Diante desse quadro, a postulação em juízo dependerá da iniciativa de seus representantes legais e, quando inexistentes ou em posição de conflito, à Defensoria Pública enquanto curadora especial.

É talvez aqui a necessidade de um maior esforço interpretativo.

Diante do quadro apresentado faz-se necessária uma leitura ampliativa, promovida pelo próprio artigo 33 da Lei nº 14.344/2022 (Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente, no que couber, as disposições das Leis nºs 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e 13.431, de 4 de abril de 2017), de modo que o regramento da curadoria especial previsto nos artigos 142, parágrafo único; 148, parágrafo único, "f" do ECA e da assistência à vítima na forma dos artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha, também sejam aplicados aos procedimentos em que crianças e adolescentes são vítimas de violência doméstica e familiar.

Assim, toda criança e adolescente que não tiver representante legal ou que se encontre em uma posição de conflito de interesses deve contar, desde o registro da infração penal, com a atuação da curadoria especial para a tutela de seus interesses, na forma dos artigos 142, parágrafo único; 148, parágrafo único, "f" do ECA combinados com artigo 33 da Lei nº 14.344/2022.

De igual modo, em todos os atos que a criança ou o adolescente participar, a Defensoria Pública também deverá prestar assistência qualificada, nos termos dos artigos 27 e 28 da Lei nº 11.3402/2006 combinados com artigo 33 da Lei nº 14.344/2022, prestando atendimento integral e humanizado.



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