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porto velho, terça-feira 26 de novembro de 2024
BRASIL: Conforme o princípio da intervenção mínima, o Direito Penal deve ser aplicado sempre como última medida na prevenção e na repressão de delitos — ou seja, de forma subsidiária a outros instrumentos. Dessa forma, a tutela penal deve incidir somente quando os demais ramos do Direito forem insuficientes para punir determinada conduta e a ofensa for socialmente intolerável.
Com esse entendimento, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás determinou o trancamento de um termo circunstanciado de ocorrência (TCO) por suposto transporte irregular remunerado de passageiros e desconstituiu uma transação penal.
A Polícia Militar goiana lavrou o TCO e apreendeu o automóvel devido à suspeita de que o motorista estava cobrando para transportar passageiros em seu veículo particular sem preencher as condições exigidas por lei para o exercício da profissão — irregularidade prevista no artigo 47 da Lei das Contravenções Penais.
A defesa alegou que se tratava de um nítido caso de carona solidária, em troca do compartilhamento dos gastos com combustível. Os advogados Gustavo Alves Pinto Teixeira e Livia Correia Ohana, do escritório Teixeira & Kullmann Advogados, pediram o reconhecimento de atipicidade da conduta e a restituição do veículo.
Porém, o pedido foi negado em primeiro grau e a juíza determinou que a defesa se manifestasse sobre propostas de transação penal apresentadas pelo Ministério Público. Devido aos prejuízos sofridos diariamente sem o carro, o réu aceitou a transação.
Os advogados, então, impetraram Habeas Corpus na 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais de Goiás, mas o colegiado não constatou risco à liberdade de locomoção do paciente e sustentou que a investigação foi cessada a partir da homologação da transação penal.
Ao TJ-GO, a defesa argumentou que a conduta em questão não configura crime, pois não seria suficiente para causar prejuízos à organização do trabalho e ao interesse de profissões exercidas por pessoas qualificadas.
O juiz Sival Guerra Pires, relator do caso na segunda instância, ressaltou que casos de atipicidade da conduta ou ausência de justa causa podem afastar a homologação do acordo de transação penal.
No caso concreto, o magistrado verificou a atipicidade da conduta — a qual constitui somente infração administrativa, prevista no inciso VIII do artigo 231 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Segundo ele, "o bem jurídico atingido não merece a intervenção do Direito Penal" e, portanto, "a conduta não ultrapassa a esfera repressiva administrativa do Estado".
Na visão do relator, seria desproporcional privar a liberdade de alguém quando a única especialização exigida de um motorista é uma Carteira Nacional de Habilitação (CNH) compatível com o veículo dirigido.
Pires ainda destacou não haver indicação de se tratar de prática habitual do paciente, nem mesmo evidências de intuito lucrativo. A documentação do veículo também estava regular. Além disso, os passageiros sabiam das irregularidades e ainda assim aceitaram ser conduzidos pelo motorista.