Fundado em 11/10/2001
porto velho, sábado 21 de dezembro de 2024
Em entrevista por telefone ao G1, ele explicou que, no último sábado (16), reparou de repente no clima natalino na parte leste de Mossul, onde ele nasceu e onde vive.
"Estava em um táxi e de repente vi árvores de Natal. Pisquei algumas vezes. Achei meio estranho ver aquilo de novo depois de tanto tempo. Então fui para casa, peguei a câmera e andei de bicicleta por 25 quilômetros", lembra ele. "Fui até a beira do rio, entrei em cassinos e lojas, pedi educadamente para tirar fotos, e todos deixaram."
Depois de tirar as fotos, ele decidiu publicá-las em seu perfil no Twitter, uma maneira de mostrar ao mundo o retorno da diversidade de credo após três anos de intolerância religiosa implacável.
Formado em inglês, Al-Baroodi é professor de estudos da tradução na Universidade de Mossul e tinha a fotografia como hobby, e a natureza como seu tema preferido. Mas, depois que os jihadistas do Estado Islâmico tomaram o controle de Mossul em junho de 2014, ele virou um fotógrafo freelancer e passou a apontar sua câmera para a destruição provocada pelos radicais islâmicos, que impuseram a Sharia, a lei islâmica, e passaram a perseguir quem a desrespeitasse.
"Não saí de Mossul, desde junho de 2014", afirmou Al-Baroodi. "Tomei a decisão de que, se sobrevivesse ao EI, iria contar a história de Mossul através da fotografia."
Inicialmente, diz ele, o Estado Islâmico não exigiu que os cristãos deixassem a cidade, mas anunciou que cobraria um imposto extra deles. "Isso é absurdo. Sempre pagamos a mesma quantidade de impostos para o governo", disse ele.
Por causa dessa imposição, os cristãos, que não eram maioria, mas conviviam em harmonia em Mossul e chegavam a ser maioria em diversos bairros próximos de igrejas, decidiram deixar Mossul e se abrigar em algumas cidades vizinhas na mesma província de Nineveh, onde cristãos representam a maioria.
"Mas em agosto, o Estado Islâmico tomou o controle de toda a província, das cidades dos azidis e cruzando a fronteira até a Síria", afirmou Al-Baroodi. Os cristãos, então, precisaram se refugiar no Curdistão, em acampamentos improvisados ou viajar a pé até outros países seguros.
O professor explica que Mossul sempre foi uma cidade diversa cultural, étnica e religiosamente. "É uma cidade singular", diz ele, citando uma variedade de correntes do islã que sempre conviveram em paz, como os sunitas, os xiitas e os sufistas. "Entre as etnias temos árabes, curdos, turcomenos, sírios. E até a década de 1950 tínhamos milhares de judeus. Na Cidade Antiga temos uma rua que se chama Travessa dos Judeus. Em 1914, os judeus representavam um terço da população de Bagdá", lembra Al-Baroodi. Segundo ele, os judeus iraquianos foram evacuados depois da criação do Estado de Israel.
"Na faculdade, meu orientador era cristão. Eu tinha um vizinho cristão e outro vizinho xiita. Eu tinha um amigo de Bagdá e passei anos sem saber que ele era xiita. Não tínhamos problemas até 2003", diz Al-Baroodi.
Em Mossul, a maioria da população é sunita, mas em Bagdá e no resto do Iraque, os xiitas são maioria. Até 2003, quem governava o país era o ditador Saddam Hussein, um sunita. Em 2003, após o 11 de Setembro, os Estados Unidos depuseram Hussein e os xiitas tomaram o poder, e submeteram os sunitas a condições inferiores de acesso a emprego e renda. A animosidade entre as duas correntes chegou ao seu ápice com o surgimento do Estado Islâmico, que aproveitou a divisão para ganhar terreno entre sunitas.
Porém, a perseguição promovida pelos jihadistas não se resumiu a alguns grupos. Os cristãos e xiitas precisaram fugir, os homens yazidis, uma minoria de curdos que segue uma religião específica, foram mortos e as mulheres, escravizadas. Mas, depois, o EI se voltou contra os próprios sunitas, que eram presos, torturados e mortos por "desvios" como se atrasar para as rezas, fumar ou ouvir música.
Conhecida como "Mossul do Leste", essa parte da cidade foi construída há menos de 80 anos, como um resultado da expansão populacional para fora da fortaleza ao redor de Mossul. Ela sofreu danos consideravelmente menores do que a Mossul do lado oeste do Rio Tigre, onde fica a Cidade Antiga e onde os carros-bomba do EI e os bombardeios da coalização na guerra pela retomada da cidade deixaram um enorme rastro de destruição.
"Você não pode dizer que existe apenas uma Mossul", diz Al-Baroodi.
Embora a perda de vidas e a destruição de edifícios históricos, como a Grande Mesquita de al-Nuri, construída há 830 anos, seja irreparável, Al-Baroodi diz que os iraquianos de Mossul tentam retomar a vida da cidade. "Essa é a cidade da sobrevivência, da coexistência e da diversidade", defendeu o fotógrafo.
Também em dezembro, ele registrou em fotos uma celebração dos dançarinos folclóricos turcomenos, que, pela primeira vez em anos, puderam vestir suas roupas tradicionais em público e realizar uma de suas danças típicas:
Aos poucos, porém, as tradições proibidas por tanto tempo dão sinais de que a harmonia entre as diferentes religiões volta a se concretizar. Ele afirmou que, na última quarta-feira (20), se emocionou ao chegar à sala de aula e se deparar com uma surpresa de um grupo de alunos: eles montaram e decoraram uma árvore de Natal, com luzes coloridas e uma estrela na ponta, que virou o adorno da classe.