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porto velho, segunda-feira 22 de setembro de 2025
"É Lula e Bolsonaro, né?", responde de pronto a diarista Maria Salomé Lopes, de 59 anos, quando a BBC News Brasil pergunta se ela sabe quem está concorrendo à presidência da República nas eleições de 2022. Enquanto a eleição se aproxima e a disputa entre o ex-presidente Lula (PT) e o atual presidente Bolsonaro (PL) se acirra, Maria ainda parece longe da definição sobre quem deve levar seu voto. "Eu sou meio indecisa. Na outra eleição (2018), eu anulei, não confiei nas palavras de ninguém. Esse ano, acho que vou decidir só no dia mesmo", afirmou.
Maria divide com o marido e a filha, de 38 anos, uma casa alugada em Diadema, na região metropolitana de São Paulo. A renda da família chega a cerca de 3 salários mínimos mensais, somados os salários dele, como vigia noturno, os rendimentos dela, com suas faxinas, e da filha do casal, que trabalha numa confeitaria.
Maria é parda, católica de ir à missa "quase todo domingo" e estudou apenas até a quarta série.
Ela também é a cara do eleitorado que chega indeciso pouco mais de 40 dias antes de uma das eleições mais discutidas e antecipadas da história recente do Brasil.
Segundo uma pesquisa Genial/Quaest, que entrevistou 2 mil pessoas presencialmente entre os dias 11 e 14 de agosto em todo o país, e à qual a BBC News Brasil teve acesso com exclusividade, a maioria dos atuais indecisos são mulheres (64%), católicos (50%), pardos (48%), vivem na região Sudeste do país (47%), têm renda familiar de até 5 salários mínimos (83%), não concluíram o Ensino Fundamental (40%), têm idade entre 45 e 59 anos (26%).
Diferente de Maria, no entanto, a maioria dos atuais indecisos escolheu alguém em 2018: 34% deles votaram em Bolsonaro, contra 25% que optaram pelo petista Fernando Haddad. Só 14% votaram branco ou nulo, como Maria.
As eleições de 2022 ficarão marcadas como aquelas com menor número de indecisos nas últimas décadas.
A tendência já estava clara desde o primeiro semestre deste ano, quando o agregador de pesquisas do site Jota verificou que 58% eleitores brasileiros já sabia indicar, espontaneamente, a quem direcionaria seu voto em outubro. Em 2018, em comparação, eram cerca de 22%.
"Os (totais de) indecisos, principalmente na pergunta espontânea, são os mais baixos da nossa história e os indicadores de interesse são os mais altos em todos os estratos, em todos os segmentos", afirma o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest.
É considerada uma medida importante não para descobrir o resultado do pleito em si, mas para saber o grau de consolidação desses votos.
Pessoas que nomeiam seu candidato sem ajuda tendem a ter menos chance de mudar de ideia até o dia da eleição.
Para o cientista político Carlos Melo, do Insper, a escassez de indecisos em 2022 está ligada à antecipação da disputa.
"Esta eleição está colocada para o brasileiro há muito tempo. De fato, a eleição de 2018 parece nunca ter acabado. O presidente Bolsonaro não desceu do palanque, nunca fez um discurso mais amplo, pra abarcar a população toda. E, em março do ano passado, Fachin anulou os processos contra o Lula, o reabilitando pra disputa, o que aumentou a especulação sobre o pleito", afirma Melo.
Mas o fato de serem poucos, não torna os eleitores indecisos menos decisivos nesta eleição.
Primeiro porque eles são um dos poucos bolsões de votos ainda disponíveis para os candidatos, já que as últimas sondagens eleitorais mostram que mais de 80% dos que declaram voto tanto em Lula quanto em Bolsonaro já não consideram reavaliar suas opções.
Segundo porque, embora insuficientes para inverter a ordem entre o primeiro (Lula) e o segundo (Bolsonaro) colocados nas pesquisas, esses quase 11 milhões de pessoas em dúvida, ou 7% do eleitorado, segundo pesquisa mais recente do Ipec, seriam suficientes para liquidar a disputa ainda no primeiro turno.
De acordo com o levantamento da Quaest que mapeou o grupo, os indecisos não estão na classe média ou entre os mais ricos. Não são também, necessariamente, os que estão em pior situação de renda ou escolaridade.
São, na verdade, uma camada intermediária, que sonhou ter consumo de classe média, mas empobreceu recentemente.
"A maior concentração de indecisos está dada nas regiões metropolitanas das capitais, principalmente do Sudeste do Brasil. A gente está falando, portanto, de gente que perdeu renda nos últimos anos", afirma Nunes, mostrando que as campanhas de Lula e Bolsonaro estão afiadas com os dados ao focar suas atenções de campanha na região.
Perguntada sobre o principal problema do Brasil, Maria, que nunca recebeu parcelas do auxílio emergencial, não tem dúvida: "Essa fome do povo, minha filha, essa carestia dessas coisas". E complementa: "As pessoas sem casa para morar, né, sem nada."
Maria diz que no último ano a condição financeira da família piorou, mas não a ponto de passar fome ou não pagar o aluguel. A mesma resposta é dada por 56% dos indecisos, segundo o levantamento da Quaest.
Com base nessa resposta, seria fácil imaginar que esse grupo tenderia a votar em Lula, já que nas pesquisas de intenção de votos ele costuma ser apontado pela maior parte dos eleitores como uma referência no combate à fome.
Mas a escolha do voto é uma questão multifatorial. E, segundo Nunes, a localização geográfica desse grupo ajuda a explicar porque seguem indecisos: as regiões metropolitanas das cidades sudestinas são conhecidas por terem sofrido historicamente com altos índices de violência urbana. E Bolsonaro faz campanha com base na noção do armamento de civis para combater o crime e propagando a redução nacional na taxa de homicídios, que aconteceu nos últimos anos.
"Bolsonaro é visto como quem representa a melhor solução para a violência e o Lula, a melhor solução pra economia. Esse eleitor que está na margem, na borda das grandes cidades, é um eleitor que está dividido entre essas duas questões. Ele sabe o que um representa, sabe o que o outro representa. Mas não sabe o que pesa mais (em sua vida) nesse momento", diz Nunes.
A questão da segurança se torna ainda mais complexa quando olhada pela perspectiva das mulheres, maioria entre os indecisos.
"As mulheres se preocupam muito com o combate à criminalidade, mas não a qualquer custo. Muitas são mães solo e têm filhos que estão na criminalidade ou filhos que podem ser alvo da violência policial nas favelas", afirma Nara Pavão, professora da Universidade Federal de Pernambuco e estudiosa do tema gênero e preferência eleitoral.
Bolsonaro amarga rejeição em torno de 50% entre as mulheres, em parte por sua imagem armamentista.