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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
"Energia é bem comum da sociedade e, como tal, deve ser regrado por aquele que recebeu a incumbência constitucional de cuidá-lo: a União". A manifestação tão concisa quanto ampla do ministro Alexandre de Moraes sintetiza o imprescindível entendimento das relações entre público consumidor e concessionárias de distribuição de energia. Ele aponta, fartamente embasado no que estabelece a constituição federal, que o "núcleo de prestação do serviço concedido" não se pode permitir a regência de parâmetros que não atendam a toda a sociedade, mas apenas a algum dos entes federados.
É preciso que o país entenda o princípio, porque definitivo: embora integre a relação de serviços abrangidos pelo Código de Defesa do Consumidor, a energia não é um produto de cuja utilização o público possa declinar do uso. Da mesma forma que as distribuidoras são impedidas de recusar o fornecimento em regiões de pouca ou nenhuma compensação financeira. Ou seja: não são simples relações de consumo que se possa gerir ao sabor de peculiaridades regionais ou sazonais. Nem podem ser instrumentalizados ao sabor de interesses específicos. O país já experimentou isso e os efeitos são de todos conhecidos.
Está claro que, mesmo admitida a eventual razoabilidade, do ponto de vista regional, na propositura de alterações das regras de distribuição de energia, ela sempre haverá de produzir efeitos colaterais que haverão de ser sentidos pelo conjunto de consumidores de todo o país. Por isso mesmo o sistema é regido por leis, regulamentos e contratos de concessão sistêmicos, encadeados e destinados a funcionar harmonicamente. Se alteradas, por qualquer circunstância, elas naturalmente haverão de refletir em toda operação e, com isso, repercutidas para todo o conjunto de usuários do serviço. E qualquer novo compromisso ou custos adicionais que possam surgir terão reflexos na conta de cada consumidor.
Exatamente por isso a constituição instituiu o pacto federativo que delimita as competências da União, dos estados e municípios. Ela estabelece as regras do jogo na delimitação das áreas de atuação de cada ente federado. E atribui exclusivamente à União a tarefa de legislar sobre energia (art 21, XII, alínea “b” e 22, IV). Mas apesar de clara na letra constitucional esta delimitação de competências não tem sido adequadamente observada no âmbito dos legislativos estaduais e até municipais, o que permite a proliferação de leis sem embasamento técnico, que apenas promovem um emaranhado de complexidades, aumenta custos e gera insegurança jurídica no setor de energia.
A solução jurídica foi, felizmente, pacificada pelo STF, após longa discussão, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5610 promovida pela Abradee – Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica contra a Assembleia Estadual da Bahia. Os ministros declararam inconstitucional a lei estadual n. 13.578/2016 que alterava prazos e regras do serviço concedido pela União de distribuição de energia. Foi o que consolidou a buscada segurança jurídica para o setor: o Supremo estabeleceu ali, que energia é bem comum da sociedade e como tal deve ser regrado por aquele que recebeu a incumbência constitucional de cuidá-lo: A União.
Isso não afasta, porém, a constituição da república da ponderação principiológica, pela qual o sistema constitucional brasileiro (art. 170, caput, da CF), determina que a ordem econômica tenha por fim assegurar a todos uma existência digna. A propriedade privada e a livre iniciativa, postulados mestres no sistema capitalista, são apenas meios cuja finalidade é prover a dignidade da pessoa humana. Mas deixa claro que, assim como a lei e a constituição, a regulação das concessões de serviços essenciais deve valer para todos.
*Andrey Cavalcante é ex-presidente da OAB/RO e atual conselheiro federal da OAB Nacional