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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
Diálogos entre o gabinete do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF) e a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) – órgão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – apontam que alvos de investigação eram escolhidos por Moraes ou por seu juiz instrutor, Airton Vieira, segundo reportagem publicada pela Folha de S. Paulo nesta quarta-feira (14).
Na terça (13), o jornal havia apontado que Moraes usou o setor de combate à desinformação do TSE, de forma não oficial, para investigar bolsonaristas durante e após as eleições de 2022.
A reportagem de hoje revela a troca de mensagens entre Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF, Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes durante o período em que o ministro comandou o TSE, e Eduardo Tagliaferro, então chefe do AEED.
Essas conversas indicariam que relatórios eram ajustados caso não agradassem ao ministro do Supremo. A Folha afirma que obteve o material com fontes que tiveram acesso a dados de um telefone que contém as mensagens, não decorrendo de interceptação ilegal ou acesso hacker.
Passadas as eleições presidenciais e a poucas semanas da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seu terceiro mandato, Vieira envia mensagem para Tagliaferro solicitando um levantamento sobre “revistas golpistas”, a fim de desmonetizá-las nas redes sociais. Um link da revista Oeste é anexado ao texto de Vieira.
Tagliaferro retorna dizendo que vai checar as publicações do veículo.
A conversa continua no dia seguinte em um grupo integrado também por Marco Antônio Martins Vargas, juiz auxiliar de Moraes no TSE. Tagliaferro avisa que, na revista Oeste, encontrou apenas “publicações jornalísticas”, que “não estavam falando nada”. Ele questiona Vieira sobre o que deveria ser colocado no relatório.
Vieira responde: “Use sua criatividade…rsrsrs. Pegue uma ou outra fala, opinião mais ácida e…O ministro entendeu que está extrapolando com base naquilo que enviou…”
“Vou dar um jeito, rsrsrs”, responde Tagliaferro.
Ainda segundo os diálogos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi um dos alvos escolhidos por Moraes, que teria pedido para que se relacionasse o parlamentar com o argentino Fernando Cerimedo, estrategista do presidente argentino, Javier Milei, que fez live com fake news sobre as urnas eletrônicas.
“Ele [Alexandre de Moraes] quer pegar o Eduardo Bolsonaro. A ligação do gringo com o Eduardo Bolsonaro”, enviou Vargas em 4 de novembro de 2022. “Será que tem?”, questionou Tagliaferro.
Na manhã seguinte, Tagliaferro afirma que “tem um vídeo do Eduardo Bolsonaro com a bandeira do jornal que fez a live de ontem, conseguimos relacionar ele àquilo”. Vieira agradece o colega.
Ambos mantiveram conversas sobre o tema ao longo dos dias seguintes. Em determinado momento, Tagliaferro envia um relatório intitulado “TSE – Relatório – Análise Manifestações Antidemocráticas Fernando Cerimedo”. “Veja se o ministro vai gostar”, disse ele.
O documento, segundo a Folha, tem prints dos vídeos de Cerimedo e utiliza fotos do argentino com Eduardo Bolsonaro. “Ainda em análise, identificamos, conforme exposto, a ligação entre Eduardo Bolsonaro e o autor das lives, Fernando Cerimedo, os quais se conhecem há muitos anos”, aponta trecho do relatório.
Conforme a reportagem do jornal, Vargas parece ter compartilhado o relatório do TSE com Moraes, uma vez que o juiz auxiliar reencaminhou uma mensagem com ordens do ministro sobre o que deveria ser feito com o relatório.
“VARGAS: pode bloquear os sites indicados AIRTON: na PET sobre isso, vamos determinar o bloqueio também e o bloqueio das contas. Lembre-se sempre de dar ciência à PGR”, dizia a mensagem. Em seguida, Vargas diz a Tagliaferro: “Gostou e está disparando ordens.”
Minutos depois, Vargas repassou a Tagliaferro o pedido de Moraes e disse: “Puxou o fio da meada. Isso que importa.”
Após o envio, Tagliaferro afirmou que “ele [Alexandre de Moraes] pode responsabilizar o EB pelas manifestações”.
“Já mandou prepara investigação nesse sentido no STF kkkkk”, respondeu Vargas.
A reportagem mostra também que o ministro do Supremo pediu que Tagliaferro checasse as redes sociais da juíza Maria do Carmo Cardoso, do Tribunal Regional da 1ª Região, amiga da família Bolsonaro.
No dia 11 de dezembro de 2022, Vargas enviou o perfil da juíza no site do TRF-1 e questionou se Tagliaferro poderia “levantar as redes”.
“Se ela tiver, encontro”, responde Vargas.
Um dia depois dessa conversa, Vargas abordou o assunto novamente e encaminhou dois prints de publicações da juíza que, segundo a Folha, aparentam terem sido enviados por Moraes.
“Prepare o relatório para abrirmos uma PET e oficiarmos o CNJ [Conselho Nacional de Justiça]”, disse Vargas a Tagliaferro.
De acordo com a reportagem, uma das publicações da juíza é sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro ter recebido apoiadores no Palácio da Alvorada após a derrota para Lula nas eleições daquele ano.
Na outra, Maria do Carmo critica a Copa do Mundo do Catar e diz que a “seleção verdadeira está na frente dos quartéis”, em referência às manifestações de apoiadores de Bolsonaro em frente a quartéis-generais do Exército.
A CNN checou as redes sociais da juíza nesta quarta-feira. As publicações, que teriam sido feitas em 2022 não constam, no momento, em seu perfil no X.
No dia 13 de dezembro, Vargas encaminha nova cobrança que, mais uma vez, aparenta vir de Moraes. “Prepararam relatório da desembargadora Maria do Carmo?”, dizia mensagem.
“Não te disse?”, afirma Vargas, ao que Tagliaferro responde: “tô finalizando.” Na tarde do mesmo dia, Tagliaferro enviou o relatório sobre a juíza e informou que iria encaminhá-lo também ao STF.
Em nota, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes esclareceu que, no curso das investigações, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao TSE. “Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais”.
“Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República”, encerra o texto.