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    porto velho, sexta-feira 8 de agosto de 2025

Saliva de carrapato pode ajudar no tratamento da febre maculosa

Estudo da USP mostra que molécula da saliva do carrapato pode servir de base para remédio contra inflamações e ajudar a prevenir infecções


Bruno Bucis

Publicada em: 06/08/2025 10:14:16 - Atualizado

BRASIL: Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) identificaram uma substância na saliva dos carrapatos que pode abrir um novo caminho para tratar a febre maculosa.

Os pesquisadores conseguiram extrair a molécula Amblyostatin-1 da saliva do carrapato Amblyomma sculptum, o principal vetor da doença. Testes iniciais mostraram as primeiras evidências de que a substância tem propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras e impede o corpo de combater a bactéria da febre maculosa de forma imediata, atrasando a defesa natural do sistema imune.

“A molécula que identificamos é um imunomodulador, que é importante não só para entender como ocorre o contágio com a febre maculosa — ajudando o corpo humano a bloquear a infecção — como também possui uma capacidade de interferir no sistema imune que pode ser útil para o desenvolvimento de remédios e tratamentos no futuro”, afirma o professor de imunologia Anderson de Sá-Nunes, que orientou a investigação.

A pesquisa foi publicada na revista científica Frontiers in Immunology, em 16 de julho, e contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também participaram da investigação biomédicos gregos, tchecos e espanhóis.

O que é a febre maculosa?

  • A febre maculosa é transmitida pela picada do carrapato-estrela, comum em capivaras e bois, e presente em áreas de vegetação e margens de rios.
  • Entre 2014 e 2025, o Brasil notificou 59 mil casos e confirmou 2,7 mil deles. A doença causou 782 mortes no país, com taxa de letalidade de 29,1%.
  • O diagnóstico precoce é essencial para a eficácia do tratamento.
  • A doença é causada pelas bactérias Rickettsia rickettsii (em casos mais graves) e pela Rickettsia parkeri (em geral, levando a quadros mais brandos). Ela não é transmitida entre pessoas, apenas por meio da picada de carrapatos infectados.
  • Os principais sintomas da doença são: febre, dor de cabeça intensa, diarreia, dor muscular constante e, em casos graves, paralisia dos membros e gangrena.
  • Para evitar a doença, é essencial evitar o contato com carrapatos e inspecionar o corpo a cada duas horas ao transitar por áreas de risco.
  • O carrapato deve ser retirado com pinça e torção leve, sem esmagar o animal, para evitar o contato com saliva ou partes da boca contaminadas.
  • O tratamento com antibióticos deve começar nos primeiros dois ou três dias de sintomas para um melhor prognóstico; o atraso pode causar falência de órgãos e levar à morte.

Enzima pode ter outros usos, diz USP

Ao transmitir a febre maculosa, o carrapato infectado injeta na pele tanto a bactéria quanto moléculas que suprimem a resposta imune do hospedeiro. Isso facilita a doença a se instalar no organismo e dificulta o diagnóstico precoce.

A Amblyostatin-1, encontrada na saliva deles, pertence à família das cistatinas, que inibem enzimas envolvidas na resposta imunológica. No estudo, ela mostrou capacidade de bloquear catepsinas associadas à ativação de células de defesa.

A inibição dessas enzimas resultou na redução da inflamação em testes feitos com camundongos. Os resultados sugerem que a molécula pode ter aplicação terapêutica em doenças inflamatórias crônicas e autoimunes desde que seja adaptada para uso clínico.

Os pesquisadores explicam que, como a molécula não é identificada pelas células de defesa do corpo, o organismo não produz anticorpos para diminuir seu efeito, o que mantém a molécula sabotando as defesas do paciente por longos períodos.

“Essa característica faz da Amblyostatin-1 um antígeno silencioso, ou seja, uma molécula que o organismo não reconhece como uma ameaça. Isso permite seu uso contínuo sem perda de eficácia, algo desejável em tratamentos de longo prazo para doenças inflamatórias crônicas e autoimunes”, complementa Sá-Nunes.

Caminho para novos imunomoduladores

Nos testes laboratoriais, a Amblyostatin-1 reduziu a inflamação da pele e estimulou a produção de IL-10, uma citocina com ação anti-inflamatória. Com essas propriedades, a substância se destaca como um possível agente imunobiológico. Ela pode modular o sistema de defesa sem desencadear respostas agressivas, o que é útil em terapias para inflamações graves.

Ainda são necessários novos estudos para avaliar a aplicação em humanos. No entanto, os dados obtidos indicam que a Amblyostatin-1 pode ser um ponto de partida para medicamentos inovadores.

A molécula já havia sido estudada em testes anteriores pelo mesmo grupo de investigadores, que percebeu que a secreção dela é maior justamente no momento em que o carrapato está se alimentando do sangue, servindo para que não se note o ataque.

Com os dados obtidos, os cientistas esperam avançar em estratégias para impedir que a bactéria atinja o sistema do hospedeiro, especialmente sem ser notada. A ideia é encontrar uma forma de neutralizar a febre maculosa no início e evitar as mortes causadas pela doença.




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