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porto velho, sexta-feira 25 de abril de 2025
"Quanto amor te cabe?" A pergunta não é retórica, mas um convite à reflexão. Em um mundo que celebra o amor como valor supremo, por que limitamos sua expressão? Por que criamos barreiras, definimos quem merece nossa compaixão e condicionamos nossa entrega a critérios silenciosos, muitas vezes ditados por interesses pessoais e sociais? Esta não é uma discussão filosófica ou isolada, mas um exame profundo da forma como vivemos nossas relações – pessoais, políticas e espirituais. A resposta não está nos rituais, mas na nossa disposição para derrubar os muros que cada um de nós construiu. Você ainda tem uma causa? Qual o tamanho do seu universo? Existe ou “embolhou”?
Tradições.
As religiões ao redor do mundo definem o amor como princípio fundamental. O cristianismo prega o ágape—amor altruísta e sacrificial. No budismo, o amor "Metta" é baseado na compaixão por todos os seres, livre de egoísmo. O hinduísmo propõe o "Bhakti", devoção absoluta a Deus, enquanto no islamismo, a misericórdia divina é a base da prática cotidiana. Já o judaísmo vê o amor como mandamento, conectando justiça e bondade.
Mas o que todas essas tradições têm em comum? A ideia de que amar não é só sentir – é agir. No entanto, na prática, o amor muitas vezes se torna seletivo, distorcido por dogmas e estruturas que definem "quem merece" recebê-lo. Esse filtro, consciente ou não, limita nossa capacidade de transformar vidas, comunidades e até sociedades inteiras.
Portanto, apesar de cada tradição ter sua própria maneira de entender e praticar o amor, todas compartilham essa ideia de que ele deve ser cultivado com compaixão, respeito e conexão espiritual. Então, quanto de amor nos cabe e como o dispomos?
Ocidente e Oriente.
O conceito de amor varia conforme a cultura. No Ocidente, predominam as narrativas de paixão intensa e romance idealizado – filmes, livros e redes sociais exaltam o individualismo e a busca pelo "par perfeito". Expressões públicas de afeto são comuns, assim como a valorização da compatibilidade emocional. Mas será que esse modelo nos aproxima da essência do amor?
Já no Oriente, embora influências modernas estejam mudando essa perspectiva, o amor historicamente carrega um peso coletivo. Relacionamentos são marcados por compromisso e harmonia, menos pelo impulso da paixão e mais pelo dever mútuo. A escolha de um parceiro pode ser influenciada pela estabilidade e pelos valores familiares mais que pela emoção do momento.
Duas visões aparentemente opostas, mas que convergem em um ponto: o amor, em qualquer cultura, é força que une e transforma. O amor, comunica e, disto, existe.
A moeda.
O amor genuíno é inclusivo, transformador e comprometido com o bem-estar coletivo. Mas há uma armadilha: quando é usado como moeda social. Em sociedades polarizadas, o amor muitas vezes se torna condicional – um código de pertencimento a grupos específicos, alimentado pelas "bolhas" que criamos para reforçar nossas convicções e participar de nossas estratégias de pertencimento e/ou manutenção de rumos para interesses de varejo e imediatos.
Amar genuinamente exige coragem. Mas vivemos tempos em que até mesmo o amor se torna uma mercadoria – uma moeda social que define pertencimentos. Nas bolhas em que nos enclausuramos ou nos deparamos diariamente, há um amor seletivo: protegemos quem pensa como nós, quem reforça nossas certezas, quem não ameaça nosso espaço. Criamos uma falsa sensação de comunidade, onde amar significa apenas validar aqueles que já estão do nosso lado.
E há os performáticos – aqueles que usam o discurso do amor como estratégia. Praticam a empatia quando ela se converte em capital político ou influência social, mas seus gestos de compaixão são calculados, pesados e ajustados conforme as circunstâncias. Exibem a linguagem da solidariedade enquanto legitimam práticas excludentes ou silenciam diante da injustiça.
Esse amor fragmentado se reflete na própria política. Em vez de ser um motor de transformação, o amor coletivo é substituído por pragmatismo. A participação popular, os espaços de diálogo, os fóruns de representação – tudo isso é enfraquecido por uma lógica que não valoriza a compaixão, mas sim a acomodação.
Afinal, de que serve amar a democracia se ela é reduzida a um sistema que apenas negocia interesses, sem a paixão pelo coletivo? E mais: o que acontece quando amar se torna motivo de vergonha? Quando a luta por direitos e justiça social é ridicularizada e deslegitimada? Quando a única alternativa parece ser a resignação diante de um jogo de poder que nos exige silêncio e subserviência? O fenômeno: torpor.
Amor e seus demônios.
Gabriel García Márquez enxergou o amor não apenas como emoção, mas como um espaço de conflito e rebeldia. Em Do Amor e Outros Demônios, Sierva María é vista como possuída, mas seu sofrimento não vem de forças ocultas – vem da dureza institucional que se impõe sobre ela. O amor cristão, apresentado como incondicional, é distorcido pelo dogma, servindo mais à repressão do que à liberdade.
A paixão entre Sierva María e o padre Cayetano Delaura transita entre os polos do desejo e da devoção, mostrando o embate entre amor erótico e amor espiritual. Mas, acima de tudo, o amor é mostrado como resistência – um sentimento que desafia estruturas de poder e não se submete às regras sociais pré-determinadas.
Contexto local.
E aqui está a chave para entender por que nosso amor, hoje, continua sendo limitado. Não se trata apenas de relações pessoais, mas da forma como condicionamos nossa entrega à lógica do que é permitido e aceitável. Amamos dentro dos limites de nossa zona de conforto e interesses; e isso enfraquece o próprio significado do amor. Quando a democracia perde espaço para interesses privados e políticas pragmáticas, o amor ao bem coletivo é substituído por cálculos estratégicos. Quem ainda luta por causas além do próprio benefício? O que acontece quando o amor pelo debate se transforma em impaciência democrática ou resignação da inteligência?
A pergunta continua pulsando: "Que tanto amor te cabe?" Não se trata apenas das relações que cultivamos, mas dos espaços que ocupamos e das causas que defendemos. Amar é um direito, mas também uma escolha – e, em tempos de individualismo extremo, talvez seja a escolha mais revolucionária que podemos fazer.
Que barreiras ainda limitam seu amor? Quem você decidiu que não merece sua compaixão? E, acima de tudo, você já se perguntou se a forma como ama (se não for narcisista enrustida) reflete, de fato, o mundo que gostaria de construir? Quanta frieza você denomina de “racionalidade” para matar a esperança do mundo e impedir que as pautas estejam onde elas deveriam estar?
Quais são as fronteiras do seu amor? Quais condições você impõe ao seu afeto? E, mais importante, quão consciente você está dessas limitações que contradizem o próprio símbolo que o celebra ou a (suposta) causa que sua bolha defende?
São muitas perguntas. Mas quem disse que amar é diferente de pulsar?
Fontes: Dá uma olhadinha?
ARTIGO: Teorias do Amor no campo da Psicologia Social. https://www.scielo.br/j/pcp/a/...;
LIVRO: Do amor e outros demônios. Gabriel Garcia Marquez (1994) https://www.amazon.com.br/outr...
O amor na vida cristã. https://luzdasabedoria.com.br/...;
Paulo Freire: Que tua fala seja tua prática. https://www.campograndenews.co...
Amor LGBT no Oriente. https://g1.globo.com/mundo/not...
“É preciso muito afeto pela Democracia”. Entrevista. Walterlina Brasil. Canal Livre.
www.youtube.com/watch?v=mZ8OAD_rU6o&ab_channel=Rond%C3%B4niaLivre