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    porto velho, terça-feira 30 de dezembro de 2025

Quando o Caos se Tornou Método?


Por Walterlina Brasil

30/12/2025 15:50:01 - Atualizado

2025 não foi o ano em que o mundo finalmente se organizou. Foi o ano em que aprendemos a surfar no caos. Se 2025 nos deixou com a sensação de chão instável, isso é sinal de que estamos acordando para uma nova realidade: a incerteza deixou de ser exceção e passou a ser infraestrutura. Não é só desordem; é um campo de testes onde se inventam respostas, erros e, às vezes, soluções. Mas inventar não basta. Precisamos decidir que tipo de mundo queremos construir enquanto improvisamos.

O ano de 2025 foi sintomático.

Três sintomas definiram 2025 e expressam o caos criativo ou desolador. Primeiro, as alianças perderam rigidez: cooperação e confronto se alternaram com rapidez, transformando a diplomacia em improviso mediante acordos curtos, negociações episódicas e interesses imediatos frequentemente se sobrepõem a princípios. Essa fluidez abriu espaço para novas vozes do Sul Global, ao mesmo tempo em que facilitou pactos que trocam direitos por segurança imediata, criando um cenário onde a estabilidade é temporária e as decisões são tomadas por conveniência.

Segundo os investimentos recordes em tecnologias climáticas conviveram com temperaturas extremas e aumento das emissões; houve avanços reais em captura de carbono e pesquisas sobre fusão, mas também decisões de curto prazo que empurraram riscos para as próximas gerações. A combinação de inovação e medidas imediatistas expôs uma dissonância persistente entre intenções e consequências, tornando a gestão do clima um campo de experimentos com custos sociais e ambientais diferidos.

Terceiro, a democracia entrou em modo experimental: eleições decididas por margens mínimas, algoritmos usados tanto para manipular quanto para detectar fraudes, e cidadãos que exigem mais participação enquanto demonstram fadiga cívica. A tecnologia ampliou simultaneamente a capacidade de engajamento e a vulnerabilidade das instituições, deixando processos eleitorais, confiança pública e mecanismos de governança em teste contínuo.

O ganho paradoxal da incerteza.

A pressão constante forçou uma aceleração de capacidades coletivas: agilidade organizacional, colaboração transdisciplinar e experimentação rápida. Empresas públicas ou privadas pivotaram em meses, cientistas colaboraram em semanas, comunidades criaram soluções locais sem esperar por governos. A incerteza, quando bem administrada, tem sido motor de criatividade e resiliência.

Mas há um lado sombrio: a mesma maleabilidade que permite inovação também facilita atalhos éticos. Quando tudo vira negociável (a exemplo: privacidade, transparência, justiça intergeracional; a participação dos interessados) a adaptação pode se transformar em dissolução de valores. Exemplos de 2025 mostraram decisões tomadas em nome da urgência que hipotecaram direitos, concentraram riscos e transferiram custos para os mais vulneráveis.

Limites ao pragmatismo aclamado.

Para evitar que a experimentação se transforme em predação, proponho três âncoras normativas que devem orientar qualquer pivô. A primeira, atuar com humildade epistêmica. Isto significa reconhecer os limites do conhecimento e comunicar incertezas com transparência. Lideranças que assumem dúvidas tendem a optar por decisões mais reversíveis, menos dogmáticas e mais abertas à correção.

A segunda, a experimentação responsável que se refere a testar com agilidade, mas sempre acompanhando salvaguardas: avaliações de impacto prévias, mecanismos de reparação para danos e critérios claros para interromper experimentos prejudiciais.

E a terceira, a colaboração radical, com limites éticos bem delimitados. Implica em buscar alianças improváveis quando necessário, mantendo, porém, fronteiras inegociáveis: respeito à dignidade humana, transparência nas ações e compromisso com a justiça entre gerações.

Antes de cada grande pivô, três perguntas devem ser feitas e respondidas honestamente: esta solução resolve ou apenas transfere o problema? estamos negociando meios ou fins? quem paga o preço desta adaptação? Se a resposta for “os mais vulneráveis” ou “meus iguais, porém agora diferentes”, não é resiliência; é exploração ou democracia seletiva.

Convergência criativa para 2026.

A lição de 2025 não é escolher entre imobilismo e pragmatismo sem freios. É reaprender a experimentar, sem medo de sustentar-nos em ritmos éticos. Precisamos de políticas, agentes públicos e comunidades que sejam ao mesmo tempo ágeis e ancoradas: capazes de agir na névoa, mas com convicções que impeçam a deriva para autoritarismo, injustiça ou curtoprazo predatório.

A história mostra que sociedades podem adaptar-se brilhantemente para o lado errado. Evitar esse destino exige coragem dupla: a coragem de tentar e a coragem de dizer “não” quando um atalho viola quem somos.

Contexto local.

Se 2025 nos ensinou algo, é que o futuro pertence aos que ousam agir na incerteza; mas que somente é valioso e dará certo para os que se mantêm um marco ético firme. Agir na névoa não é sinônimo de heroísmo; a palavra "coragem", que foi muitas vezes invocada para justificar atalhos autoritários e abusos em contextos políticos e de gestão pública, na verdade oculta a descrença na democracia efetiva, inteligente, criativa e responsável.

Em 2025, na Universidade de Rondônia, expressões como coragem, agilidade e eficácia viraram slogans para justificar mudanças administrativas, sem avaliação empírica com profundidade adequada. Por exemplo, na tramitação do novo estatuto e as diversas deliberações dos conselhos superiores deram a impressão de decisões prédefinidas, transformando o debate em espetáculo e afetando direitos e condições de trabalho, inclusive de quem espera vantagens com gratificações e cargos. Reuniões homologatórias, reengenharia de pessoal e cobertura midiática centrada em narrativas de prestígio, contribuíram para um processo de centralização. Além disso, 2026 é ano eleitoral, e no Brasil isso tem implicações políticas conhecidas.

Precisamos de uma prática pública que combine iniciativa com horizontes claros: transparência, mecanismos de responsabilização, salvaguardas para os mais vulneráveis e critérios para interromper experimentos que causem dano. Só assim a inovação rápida deixará de ser pretexto para democracia excludente e se tornará, de fato, um instrumento de bem comum.

Feliz 2026. Que seja tão incerto quanto necessário, tão criativo quanto possível e tão íntegro quanto indispensável.

Saiba Mais.

CROCK, Jonathan et al. How to Strengthen Democracy and Combat the Climate Crisis: Legally Binding Citizens’ Assemblies as a Solution for Effective Climate Action. American University, 2025. Disponível em: www.ohchr.org/sites/default/files/documents/hrbodies/hrcouncil/forums/forum-demoracy-ruleoflaw/2025/subm-5-session-forum-acad-inst-expe-37-crock-et-al-american-university.pdf.

GASSMANN, Oliver; HAEFNER, Naomi; WAGNER, David. Universities in an Age of Uncertainty: 44 Propositions on the Future of Universities. St. Gallen: University of St. Gallen, 2023. Disponível em: www.unisg.ch/fileadmin/user_upload/HSG_ROOT/_Kernauftritt_HSG/News/Newsroom/Bilder/2023/Universities_in_an_Age_of_Uncertainty_long.pdf.

IVADO; UNIVERSITY OF OTTAWA – AI + Society Initiative. A Roadmap for Protecting Our Democracies in the Age of AI. Montreal/Ottawa, 2025. Disponível em: www.ivadodev.ca/en/2025/02/03/a-roadmap-for-protecting-our-democracies-in-the-age-of-ai.

PLATAFORMA CIPÓ. Global Policy Dialogue 2025: Promoting Climate Finance and Just Transitions in the Lead-Up to COP30. Vitória: Plataforma CIPÓ, 2025. Disponível em: www.plataformacipo.org/en/publications/global-policy-dialogue-2025-report-now-available-for-download.

WESTMINSTER FOUNDATION FOR DEMOCRACY. Synthesis Report: Trialling a Framework for Environmental Democracy in Climate Action. Londres: WFD, 2025. Disponível em: www.wfd.org/sites/default/files/2025-11/Synthesis%20report_0.pdf.

WORLD ECONOMIC FORUM. Shaping Tomorrow: Responsible Innovation for a Brighter Future 2025. Genebra: WEF, 2025. Disponível em: www.weforum.org/publications/shaping-tomorrow-responsible-innovation-for-a-brighter-future.


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