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porto velho, quarta-feira 27 de novembro de 2024
Acusada pela alemã Tüv Süd de pressão para obter certificado de segurança da barragem que se rompeu em Brumadinho (MG), a mineradora Vale decidiu ir à Justiça contra a prestadora de serviços, solicitando acesso a todos os documentos relacionados a contratos entre as duas empresas.
A Tüv Süd foi responsável por atestar a segurança da barragem da mina Córrego do Feijão, cujo rompimento, no final de janeiro, deixou até o momento 233 mortos e 37 desaparecidos.
Em depoimento à polícia, um de seus funcionários, o engenheiro Makoto Namba, alegou ter se sentido pressionado para emitir o atestado.
Na ação, a Vale alega que, caso o depoimento de Mamba seja verdadeiro, a Tüv Süd teria violado obrigações contratuais e seu próprio código de ética. "O dedo em riste do técnico da Tüv Süd, em verdade, não aponta a ninguém, senão a ele próprio", diz a petição, à qual a Folha teve acesso.
A mineradora pede acesso a documentos como estudos e relatórios referentes a quatro contratos de certificação da estabilidade de barragens de rejeitos. Entre eles, emails citados por funcionários da empresa, nos quais comentariam a pressão da contratante.
Mamba e seu colega André Yassuda foram presos pela força-tarefa que investiga a tragédia quatro dias após o rompimento. Em depoimentos, apresentaram mensagens que, segundo eles, falavam sobre o processo de elaboração dos laudos da barragem.
"Está terminando os estudos de liquefação na Barragem 1 do Córrego do Feijão, mas tudo indica que não passará", dizia mensagem de Namba a um colega. "Mas como sempre a a Vale irá nos jogar contra a parede e perguntar: e se não passar, irão assinar ou não?"
Logo após a tragédia, a Vale citou os laudos de estabilidade emitidos pela Tüv Süd para defender a legalidade das operações na barragem.
Em sua defesa, a mineradora vem alegando que não tinha conhecimento de riscos de rompimento.
Na ação contra a prestadora de serviços, a Vale diz que "confiava plenamente na correição da declaração posta pela Tüv Süd, a qual, desde o primeiro momento, reforçou a sua larga experiência e expertise para o trabalho que se propunha a desenvolver".
E completa que, caso tenha emitido certificado com incorreções, a empresa descumpriu o contrato assinado entre as partes.
"Caso a narrativa de Makoto Namba se confirme e o documento técnico produzido pela ré para B1 de fato contenha inexatidões, haverá inequívoca violação a todas essas obrigações contratuais", diz a empresa.
O processo está na 9ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio. Representante da Vale, o escritório do advogado Sérgio Bermudes pediu segredo de Justiça, não concedido até a noite desta quinta (2) pela juíza Daniella Valle Huguenin.
Desde a tragédia, Vale e Tüv Süd têm travado uma disputa de narrativas sobre a responsabilidade pela segurança da barragem. Oito funcionários da mineradora responsáveis pela área de segurança também chegaram a ser presos pela força-tarefa.
A pedido das autoridades, a Vale afastou de suas funções seu ex-presidente, Fábio Schvartsman, três diretores e dez funcionários. Nesta semana, Schvartsman foi substituído por Eduardo Bartolomeu, até então presidente interino.
Em sessão da comissão parlamentar de inquérito da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, nesta quinta (2), Makoto Namba e André Yassuda se calaram.
A defesa dos engenheiros da Tüv Süd havia entrado com habeas corpus para que eles não fossem obrigados a comparecer à sessão. Diante da negativa, seu advogado, Augusto de Arruda Botelho, orientou-os a manter o silêncio.
Botelho rejeitou afirmações dos deputados de que a dupla seria cúmplice da mineradora por ter declarado a estabilidade da estrutura.
A declaração de estabilidade "não é uma perspectiva de futuro", disse. "A última declaração de estabilidade assinada pelos engenheiros foi em setembro de 2018, a barragem rompeu no final de janeiro. O que é preciso que seja investigado é o que aconteceu entre [essas datas]".