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Grávida que tenta abortar legalmente teme lentidão da Justiça: ‘O tempo está passando’


OGlobo

Publicada em: 02/12/2017 09:22:50 - Atualizado

É difícil acordar tendo pesadelos”. As sete semanas de gravidez da estudante Rebeca Mendes da Silva Leite, de 30 anos, são vistas como motivo de preocupação tanto pela gestante como por suas advogadas de defesa.

Após ter tido pedido de aborto negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Rebeca apresentou um habeas corpus preventivo na 1ª Vara Criminal de São Miguel Paulista, na Zona Leste de São Paulo, de modo a evitar punições caso tente dar fim à gravidez. Mãe de dois filhos, estudante universitária e trabalhando em emprego temporário, seu maior receio é não conseguir resposta da Justiça a tempo hábil de realizar o procedimento de forma segura.

— Não consigo dormir durante a noite porque me sinto pressionada. O tempo está passando e continuo grávida. Peço para interromper a gestação, mas com a morosidade do processo na Justiça esse feto está se desenvolvendo — conta ao GLOBO.

A história de Rebeca ficou conhecida há duas semanas, quando a estudante recorreu ao STF para interromper a gestação de forma legal — algo que, no Brasil, só é permitido em casos de estupro ou de risco à vida da gestante. O pedido, feito pelo PSOL e pela ONG Anis - Instituto Bioética, foi incorporado a uma ação que já corria na instância superior para tentar descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação.

Atualmente, a lei prevê pena de um a três anos de detenção caso a gestante provoque o aborto em si mesma ou permita a interrupção da gravidez por terceiros.

— Existe um problema de acesso à Justiça dessas mulheres por causa de tempo. É difícil ter uma resposta no tempo adequado da gestação — explica a advogada da gestante, Gabriela Rondon.

Mãe de dois garotos, um de seis e outro de nove anos, Rebeca afirma não ter condições de criar um terceiro filho. Divorciada, ela sustenta os filhos com um salário de R$ 1.250 decorrente de contrato de trabalho que se encerra em fevereiro. Metade do dinheiro, no entanto, é destinado ao aluguel da casa onde vive, de R$ 600.

Estudante de Direito em uma universidade privada, conta com uma bolsa integral no Prouni e diz que a graduação seria o “passaporte da família para um futuro melhor”. Apesar do apelo, a ministra do STF relatora do caso, Rosa Weber, negou o aborto na última terça-feira.

— Senti-me desamparada. Estou fazendo um pedido legítimo e a ministra nem avaliou o mérito. Sinto-me como tantas outras mulheres que são apenas esquecidas pelo nosso Judiciário — lamenta a estudante.

A saída encontrada pela defesa de Rebeca foi ingressar com um pedido de habeas corpus preventivo na Justiça de São Paulo na última quinta-feira. Caso o recurso seja aceito, a estudante não poderá ser punida se quiser prosseguir com a interrupção da gravidez. No entanto, até a manhã deste sábado, o pedido ainda não havia sido julgado.

— Levanto cedo para trabalhar e durmo tarde por conta da faculdade. Estou passando por provas finais e em um nível de estresse absurdo, é muita pressão — disse Rebeca.

No habeas corpus, a defesa argumenta que a estudante foi diagnosticada com estresse agudo e que a situação pode colocar em risco sua saúde — segundo o Código Penal, não há punição para o aborto quando a gestante corre risco de vida.

DEFESA APONTA “OMISSÃO” DO SUS

No pedido, as advogadas de Rebeca relataram que a cliente sempre tomou todos os cuidados necessários de precaução contra uma nova gravidez. Após seis anos utilizando método contraceptivo injetável, ela teria sentido efeitos colaterais como inchaços e "mal-estar circulatório" e procurado uma médica do SUS para trocar o medicamento. O texto destaca que a estudante não tem condições financeiras de arcar com um plano de saúde privado e que o sistema de atendimento público é sua única opção.

Em sua consulta, realizada em setembro, Rebeca foi orientada a utilizar um DIU de cobre como forma contraceptiva. A introdução do dispositivo, no entanto, exige a realização de um exame de ultrassom que só foi agendado para dezembro. A estudante engravidou durante o período em que ficou sem medicamentos.

— Eu informei à médica que não estava usando nenhum outro método e ela também não me orientou a usar outra coisa que não o DIU. Apenas me passou os exames para fazer — disse.

Temendo as consequências do aborto clandestino, foi a primeira mulher a procurar a ONG Anis atrás de uma solução legal para a sua situação.

— Conversamos francamente com ela, explicamos que as chances são muito difíceis. Estamos dispostos a dar o suporte, mas não podemos prometer nada. Mesmo assim ela decidiu assumir e lidar com a exposição — diz Gabriela.

A preocupação de deixar os dois filhos desamparados também fez com que Rebeca procurasse uma alternativa para a questão.

— A primeira coisa que passou pela minha cabeça foi: ‘Quais serão as consequências?’. Nunca fiz um aborto, é um mercado totalmente ilegal, não existem garantias. Eu poderia passar mal, ir para o hospital e ser indiciada. Nunca quis isso — observa.





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