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porto velho, sexta-feira 20 de junho de 2025
PORTO VELHO, RO - Comprar cerveja e beber em casa? Não tem a menor graça! Disse um amigo e não duvidei. Porque quem já pisou num boteco de verdade, sabe que a magia está no bar: na conversa fiada, nas piadas, nos “causos” e na zoeira sem hora para acabar com os amigos — mesmo para aqueles que saem de casa com a recomendação firme da patroa para não perder a hora.
Incrível, mas verdadeiro! No boteco, tudo ganha mais sabor. E quem já brindou nesses lugares sabe: não que é a bebida que embriaga, é o clima, é a atmosfera da zoeira dos amigos, é lavar o peritonio.
Entre uma fofoca e outra, as risadas se espalham pelo ambiente, enquanto o cansaço da semana vai embora a cada gole. Corpo e alma se reencontram ali, como velhos conhecidos. Por isso é que boteco é refúgio perfeito, o ponto de encontro dos filhos da saudosa Dona Candinha. Lá, surgem as prosas intermináveis, as histórias de amores perdidos e reencontrados, e também os famosos causos que ninguém sabe bem se são verdade ou invenção, o que vale é risada, o sarro, principalmente se o cabra é vascaíno e o time só leva peia, lembremos de João Júnior.
No boteco parece que as horas não passam, principalmente quando alguém pega uma viola esquecida num canto, o ambiente se transforma. Surgem músicas apaixonadas, com versos que revelam as dores e esperanças da vida: "A gente briga, diz tanta coisa que não quer dizer, fica pensando que não vai sofrer, que não faz mal se tudo terminar..." Saudades de José Pedro Frazão que depois de se despedir de Porto Velho, tomou uma e foi se embora para Anastácio, no Mato Grosso do Sul, e nunca mais voltou. Ele nem imagina o que está perdendo por aqui.
Enquanto a prosa segue animada, um engraçadinho exagera no “trago” e tomba no chão. Sem cerimônia, os amigos o recolhem e o ajeitam sob a mesa, onde ele fica em paz até acordar. Depois, com a lealdade típica dos frequentadores, como reza nos bons manuais da espécie, ele é levado para casa, amparado nos ombros dos parceiros — como irmãos de verdade.
O bar é tudo isso — e muito mais. É o lugar onde o dono é mais que comerciante: é anfitrião, conselheiro, quase um sacerdote do balcão, naquele set de confidências que as 'patroas em casa nem sonham. Com um pano no ombro, ele observa tudo, conhece a alma de cada freguês, do bom pagador ao caloteiro e, se o movimento permite, até se junta à roda e vira uma dose de cachaça, mostrando que ali todos estão no mesmo barco dando corda no consumo. Tudo é claro sob a égide de uma regra silenciosa, mas bem conhecida: "Brigou, tá fora!" E, claro, tradição é tradição: sempre se reserva um golinho para o santo — aquele cliente invisível e caroneiro - que nunca deu calote, tomou sempre sem pagar e ainda mereceu respeito de todos.
É próprio também da magia do bar, não só a saideira que nunca chega ao fim, outro pequeno milagre acontecer todos os dias: você chega cabisbaixo e, depois de boas risadas e algumas promessas feitas entre um gole e outro, sai sentindo que a vida pode, sim, ser melhor, portanto, vale a pena enfrentá-la com galhardia.
Hoje, no entanto, mesmo com as modernidades, aplicativos e novas práticas, a velha magia do bar resiste bravamente sem tergiversar. Ainda pendurada no balcão, firme como promessa antiga, está a velha plaquinha: "Favor não pedir fiado." Porque no fundo, o boteco é isso: o lugar onde a vida dura vira conversa leve, onde o sofrimento vira piada e onde, pelo menos por algumas horas, todo mundo acredita que tudo vai dar certo e acaba dando mesmo.
Então, amigo, peça a saideira, encha seu copo, belisque o tira-gosto, conte causos, se embriague na magia do bar e fale de flores — porque, afinal, flores, sempre serão flores.
E assim caminha a humanidade!