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porto velho, quarta-feira 27 de novembro de 2024
Brasil possui de 800 mil a 1 milhão de catadores e catadoras | Divulgação/Pimp My Carroça
Importante elo na cadeia da reciclagem no Brasil, os catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis são o foco de um programa instituído pelo Governo Federal em 2010, extinto em 2020, e, que na nova gestão do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deverá ser retomado: o Pró-Catador.
Atendendo ao despacho assinado, em 1º de janeiro, pelo presidente, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, determinou a composição de um Grupo de Trabalho Técnico (GTT) para atuar na elaboração de uma proposta de ato normativo sobre a recriação do programa. O retorno do Pró-Catador é visto com bons olhos não só pela categoria, mas por especialistas no tema.
Na 5ª feira (5.jan), a secretária-executiva da pasta, Maria Fernanda Coelho, e a secretária-executiva adjunta, Tânia Maria de Oliveira, que coordenará o GTT, se reuniram com representantes de cooperativas. Entre eles, Roberto Rocha, presidente da Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat), e Aline Souza da Silva, da Central de Cooperativas do Movimento de Catadores, que participou da entrega da faixa presidencial a Lula. O objetivo da reunião foi a redação da portaria de criação do grupo de trabalho que será publicada no Diário Oficial da União (DOU).
Em entrevista ao SBT News, Rocha afirmou que o Pró-Catador "é uma bandeira de luta de todos os catadores do Brasil". "É uma política pública federal que contribuiu muito no investimento para as organizações, sejam as que estão iniciando, as que estão em processo de organização e para organizar os catadores que ainda estão aí de forma autônoma."
O Brasil possui de 800 mil a 1 milhão de catadores, segundo estimativa das principais entidades representativas desses trabalhadores. Do total, 90% dos resíduos que chegam à indústria da reciclagem no País são coletados por eles, de acordo com o Instituto Brasileiro de Política Econômica Aplicada (Ipea).
O programa, criado há mais de 12 anos, visava "integrar e articular as ações do Governo Federal voltadas ao apoio e ao fomento à organização produtiva dos catadores, à melhoria das condições de trabalho, à ampliação das oportunidades de inclusão social e econômica e à expansão da coleta seletiva de resíduos sólidos, da reutilização e da reciclagem por meio da atuação desse segmento".
Valorização
Segundo Rocha, o governo passado fechou as portas para a categoria e diminuiu os investimentos no setor. Agora, é preciso aprimorar a gestão das cooperativas e auxiliar os que estão atuando de forma independente. "Precisamos de um trabalho social, de engajamento e resgate, para não ter mais lixão e pôr essa população em uma função digna", acrescenta.
O GTT deverá apresentar a proposta do ato normativo de recriação do programa em um prazo de 30 dias. Participarão do grupo representantes de cooperativas e do setor empresarial que atuam na política de logística reversa. Também serão convidados representantes da Advocacia-Geral da União (AGU) e dos ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Social, do Trabalho e das Cidades. A proposta ainda irá dispor sobre a revisão do Certificado de Crédito de Reciclagem (Programa Recicla+), lançado em abril do ano passado.
Importância
Para o mestre em Engenharia Ambiental e Urbana pela PUC-SP Jean Marc Sasson, o Pró-Catador é essencial para destravar a gestão nacional de resíduos sólidos. "Até porque não só tem uma função social para melhorar a qualidade de vida desses trabalhadores, mas para empregar e fazer funcionar esse setor que é fundamental para implementar a Política Nacional de Resíduos Sólidos", explica.
Sasson ressalta que, desde a elaboração da política, em 2010, existe a intenção de acabar com os lixões no Brasil, que são alimentados "pela má gestão dos resíduos sólidos". Na visão dele, o trabalho dos catadores é importante, porque a reciclagem gera economia de energia, de água e de matéria-prima.
"Ao implementar e fortalecer a reciclagem, os catadores possuem um grande papel de responsabilidade social e em prol do meio ambiente."
O especialista reforça que os catadores não têm uma boa qualidade de vida, nem infraestrutura para o trabalho. Maria Zanin, docente no Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da UFSCar, explica que esse é um dos motivos para a adoção do Pró-Catador. Segundo ela, programas desse tipo "trouxeram visibilidade para esses trabalhadores invisíveis, mais oportunidades e valorização do trabalho".
"Quando o catador se organiza, o valor do resíduo coletado fica maior, porque passa a ter maior quantidade de barganha com a empresa recicladora. Então, quando a gente tem uma rede de cooperativas, a valorização é maior", complementa. Promover e integrar a incubação de cooperativas e de empreendimentos sociais solidários que atuassem na reciclagem era um dos objetivos do Pró-Catador.
O trabalho dos catadores, na avaliação da professora, é "muito importante", por recolherem o material, triarem os resíduos, fazerem fardos nas condições exigidas pelas empresas e recicladoras e venderem o produto. No entanto, ela explica que os últimos dois anos foram muito difíceis para essas pessoas. "Temos no Brasil em torno de 2 mil cooperativas para 5.550 municípios. Estamos bastante incipientes", diz.
"Esse é um trabalho invisível. As pessoas até abaixam a cabeça na hora que estão passando por um catador. Não querem enxergar, mas se o Brasil tem bons índices de reciclagem em relação aos outros países da América Latina, é em função desses trabalhadores", acrescenta Zanin.
Segundo ela, o governo de Jair Bolsonaro (PL) deveria ter dado mais atenção aos catadores. "A maioria das cooperativas precisam fazer contratos com as prefeituras ou com entidades que possam fomentar. O que estamos precisando é de reconhecimento do poder público e da sociedade pelo trabalho desses seres humanos".
Qualificação
Em 2021, 98,7% de todas as latas de alumínio comercializadas no país foram reaproveitadas, o que fez do Brasil recordista mundial em recolhimento e reciclagem do produto. Segundo Jean Marc Sasson, os catadores são responsáveis diretamente pelo índice, pois "o alumínio tem um valor econômico muito grande".
Refletindo sobre as principais dificuldades enfrentadas pelos profissionais, o mestre em engenharia ambiental avalia que "é muito difícil a categoria acessar recursos para melhorar a infraestrutura desse trabalho". "Acho que a qualificação, a capacitação, é algo que o antigo governo não possibilitou e é um dos alvos do Programa Pró-Catador".
"Hoje, o catador está isolado. Ele vive aí perambulando nas ruas, buscando material para ter sua fonte de renda. O governo precisa dar uma assessoria, novas fontes de recursos para que essa categoria consiga implementar e melhorar a sua qualidade de vida", completa.
Lula e os catadores
O presidente Lula busca participar anualmente, desde 2003, do Natal dos Catadores, evento organizado pela Ancat e o Movimento Nacional da categoria (MNCR). No primeiro ano, reuniu-se com os trabalhaodres no Glicério, na região central da capital paulista. Antes do evento, segundo a assessoria do petista, já "mantinha contato estreito" com o movimento. Naquele ano, Lula criou o Comitê Interministerial da Inclusão Social de Catadores de Lixo, que foi substituído pelo Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis, em 2010.
Em 2006, catadores fizeram uma marcha na Esplanada dos Ministérios e foram recebidos no Palácio do Planalto pelo então presidente. Na ocasião, ele ouviu as reivindicações e demandas dos trabalhadores. Reuniões entre o presidente e integrantes do movimento foram realizadas no Instituto Lula após o término de seu segundo mandato. Em 2018, quando estava preso em Curitiba, Lula foi visitado por Luiz Henrique da Silva, do MNCR, que foi representando uma caravana de mais de 100 catadores de todo o país que foram à cidade para fazer o tradicional Natal na Vigília Lula Livre. Naquele mês, ele escreveu uma carta na qual afirmava: "Não baixem a cabeça jamais. O trabalho de vocês é tão importante quanto de um médico, engenheiro, advogado".
Em 2022, Lula participou do Natal dos Catadores. No evento, ele recebeu o selo amigo dos catadores 2022 e um documento com demandas dos profissionais da catação, entre as quais o lançamento de uma Secretaria da Reciclagem no Ministério do Meio Ambiente e a revogação de vários decretos. Na 4ª feira (4.jan), a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), disse que a Secretaria de Gestão Ambiental Urbana e Qualidade Ambiental é "o endereço que o movimento de catadores tem no Ministério do Meio Ambiente" e assim foi pensada para ser porque Lula havia pedido à nova titular do MMA uma atenção especial ao movimento.