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    porto velho, quinta-feira 13 de fevereiro de 2025

A Ética do Advogado: A Vida Privada Importa? - artigo da adv Louise Haufes

É um equívoco persistente a crença de que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não possui jurisdição sobre atos praticados por advogados fora do exercício profissional...


Redação

Publicada em: 13/02/2025 09:27:50 - Atualizado

Uma questão frequentemente levantada tanto pela advocacia quanto pela sociedade é sobre a possibilidade de um advogado ser responsabilizado pelo Tribunal de Ética e Disciplina por ações relacionadas à sua vida privada.

É um equívoco persistente a crença de que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não possui jurisdição sobre atos praticados por advogados fora do exercício profissional. Tal entendimento, que por vezes justifica o arquivamento de representações, ignora a intrínseca ligação entre a conduta privada e a dignidade da advocacia.

Desde os primórdios da legislação profissional, a vida privada do advogado sempre foi passível de escrutínio ético. O antigo Estatuto da OAB (Lei Federal 4.215/63) já previa a punição para condutas como a prática reiterada de jogos de azar, a incontinência pública e a embriaguez habitual (Art. 110, parágrafo único), evidenciando que o exercício da advocacia não era uma blindagem contra a responsabilização por atos da vida pessoal.

A Lei Federal 8.906/94 (EAOAB), ao revogar a norma anterior, manteve essa premissa em seu Art. 34, XXV e §1o, ao tipificar como infração disciplinar a "conduta incompatível com a advocacia". A interpretação restritiva desse dispositivo, limitando-o apenas a atos praticados no exercício da profissão, é insustentável.

Ora, os crimes mais graves e repugnantes, como estupro, tráfico de drogas, pedofilia, agressão contra a mulher e feminicídio, raramente são cometidos no exercício da advocacia. Excluir a possibilidade de responsabilização ética nesses casos seria esvaziar o poder disciplinar da OAB, transformando-a em um órgão impotente diante de condutas que maculam a imagem da profissão.

Felizmente, o Conselho Federal da OAB tem se posicionado de forma inequívoca sobre o tema. A edição da Súmula 9/19, que considera a prática de violência contra a mulher como fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição nos quadros da OAB, independentemente de condenação criminal, é um marco nesse sentido.

Mas, não bastasse, em 2020, portanto depois do advento da súmula, mas antes do julgado acima, o CFOAB respondeu à consulta 49.0000.2018.012292-5/OEP, da seguinte forma:

Consulta. Fatos cometidos por advogado sem estar no desempenho da profissão, dentro ou fora do território brasileiro. Notícia jornalística, redes sociais ou blogs. Possibilidade de instauração de representação junto ao competente TED - Tribunal de Ética e Disciplina. Limites de atuação da OAB. (...) Fatos cometidos por advogado sem estar no desempenho da profissão, dentro ou fora do território brasileiro. Notícia jornalística, redes sociais ou blogs. Possibilidade de instauração de representação junto ao competente TED. 1. Conduta incompatível para fins disciplinares, significa qualquer ato omissivo ou comissivo, que não se coadune com a postura exigida para o exercício da advocacia. Não se escusa o advogado, sob o argumento de que tenha adotado esta ou aquela conduta na qualidade de cidadão comum, e não no efetivo exercício da profissão, porquanto é impossível separar estas duas situações, no que respeita a advocacia. 2. Um advogado deverá,

em todo momento, manter a honra e a dignidade de sua profissão. Deverá, tanto em sua atividade profissional como na sua vida privada, abster-se de ter conduta que possa redundar em descrédito da profissão a que pertence. 3. Espera-se do advogado atitudes condizentes com a sua função social, não sendo aceitável ambiguidades entre o exercício da profissão e sua vida pessoal, vez que devem atender aos preceitos éticos inerentes à advocacia, que não venham a denegrir e/ou manchar a dignidade da profissão. Consulta respondida. (CON-SULTA 49.0000.2018.012292-5/OEP. EMENTA N. 041/2020/OEP. Relator: Conselheiro Federal Luiz Cláudio Silva Allemand (ES). DEOAB, a. 2, 427, 3.09.2020, p. 4)

Tal entendimento foi corroborado em recente julgado EMENTA N. 084/2022/SCA-TTU (Recurso n. 49.0000.2021.003027-7/SCA-TTU), que reafirmou a possibilidade de instauração de processo ético-disciplinar contra advogado agressor de mulher, com a consequente pena de exclusão dos quadros da advocacia (Art. 34, XXVII c/c Art. 38, II do EAOAB), independentemente de o ato ter ou não relação com o exercício profissional.

Em resumo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) possui a responsabilidade de supervisionar a conduta dos advogados, incluindo aspectos de sua vida privada, quando esta se mostra incompatível com a dignidade e a honra da profissão. A advocacia exige comportamento irrepreensível não apenas no âmbito técnico, mas também na esfera pessoal, sob pena de prejudicar a imagem de toda a classe e comprometer a confiança da sociedade na Justiça.

Louise Haufes, é advogada e Vice-Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil seccional de Rondônia.


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