Fundado em 11/10/2001
porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
RONDÔNIA - No exercício da Diretoria do Foro da Seção Judiciária de Rondônia, por ocasião do Plantão Judiciário do Recesso de fim de ano de 2017, sobreveio a este Juiz Federal a responsabilidade de expedir Portaria para tornar públicas as datas de feriados nacionais, estaduais e municipais de 2018, para fins de observação na sede da Seção Judiciária de Rondônia e Subseções Judiciárias vinculadas – Ji-Paraná, Guajará Mirim e Vilhena.
Qual não foi a surpresa do articulista, ao constatar na minuta o dia 2 de Janeiro, por antecipação legal por decreto estudual, do feriado de 4 de Janeiro. Eis o Decreto 21.506, de 23.12.2016, objeto deste artigo, na parte que interessa:
DECRETO N. 21.506, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2016.
Art. 1º. Fica transferido para o dia 2 de janeiro de 2017 o feriado estadual de 4 de janeiro, alusivo à Instalação do Estado de Rondônia.
Além de ser ilegal, por atentar contra leis estadual e federal, a antecipação é de todo infeliz em sua principal finalidade – criar com o 1º de Janeiro o efeito feriado prolongado –, ao desestimular o costume da população de apreciar os palanques festivos com os hinos nacional e estadual, desfiles e bandas que caracterizam as datas cívicas, de importância fundamental para a identidade de um povo – identidade de que é tão carente nosso Estado, formado, desde os primórdios da Santo Antônio do Alto Madeira mato-grossense e da Porto Velho amazonense, por migrantes, imigrantes e nativos da unidade federativa que antes abrigava as suas municipalidades.
Antes de desestimular, elimina mesmo essa possibilidade de um evento festivo cívico, pois se desde antes do dia 31 de Dezembro o povo só tem cabeça para o réveillon, de forma que sequer o Estado vai promover evento cívico dia 02.01, já que ninguém vai mesmo comparecer, haja vista que o cidadão sequer vai tomar conhecimento prévio de sua realização. A vida só reinicia no 2 de Janeiro – e em Rondônia, agora, só no dia 3.
Mas ora, um decreto não revoga uma lei – uma verdade incontrastável. Então, o Diretor do Foro poderia manter, na Portaria a ser editada, o 4 de Janeiro como data cívica do Estado no âmbito da Justiça Federal, não é mesmo? Poderia, mas não deveria. O Governador em exercício, ainda que autoritariamente, antecipou o feriado desde o ano anterior – no início de 2017 o articulista não se encontrava em Rondônia, daí sequer ficara sabendo da infeliz iniciativa –, de forma que toda a sociedade já estabeleceu essa data como feriado.
Se fosse mantido, ainda que só no âmbito da Justiça Federal, o 4 de Janeiro como feriado, subverteria internamente uma situação prevista para todo o Estado. À título de exemplo, a Caixa Econômica Federal em todo o Estado, inclusive na agência da Sede da Justiça Federal, fecharia dia 02.01.2018, obrigada pelo Decreto Estadual, e fecharia novamente no dia 4 por determinação do magistrado, causando transtornos. Imagina-se que essa situação esdrúxula se repete em todas as instituições!
Assim, parece ser o caso de tomar medidas para a revogação ou invalidação do decreto ilegal, mas, para entender a polêmica em torno da data maior de Rondônia, vale a pena revisitar a história e importância do 4 de Janeiro e sua manutenção até hoje por lei – não sem ingente luta – como data magna do Estado.
Em primeiro lugar, os aspectos legais. Dispõe a Lei Federal 9.093, de 12 de Setembro de 1995:
Art. 1º São feriados civil:
(...) II – a data magna do Estado fixada em lei estadual.
Infere-se dessa norma que o feriado alusivo à data magna do Estado não é outro senão aquele fixado na lei respectiva, não podendo ser alterado pela vontade do ocupante temporário do Palácio do Governo.
Imagine-se que, sendo já o 21 de Abril feriado nacional, deputado de Minas Gerais intente adiar a festa para o dia 22, criando um feriado prolongado. Ninguém ousaria. A data, alusiva ao enforcamento de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, fala do maior herói de Minas e do Brasil. Vale ressaltar, a cada 21 de abril, com presença das autoridades do Estado e não raro, do Presidente da República, o Governador outorga a poucos homenageados, tradicionalmente, o galardão máximo do Estado: a Medalha Tiradentes.
Outro exemplo: o 2 de Julho na Bahia. A só mudança da designação do então Aeroporto Dois de Julho (desde 1958), logo após o falecimento do Deputado Federal Luis Eduardo Magalhães, para esse nome, gerou uma comoção no Estado, especialmente pelos opositores da eminência do então Senador Antonio Carlos Magalhães (pai do homenageado, hoje também falecido). Também, pudera: em 02 de Julho do ano de 1823, em movimento iniciado em fevereiro do ano anterior, os baianos que estavam em guerra com portugueses desde antes de 07.09.1822 expulsaram ou prenderam definitivamente os líderes da soldadesca lisboeta que ainda resistia em Salvador.
Em Rondônia, o marco histórico da fixação e consolidação de sua data magna é um tanto diferente, dada a condição de Estado recente, provindo da transformação de Território, oriundo de desmembramento para a criação de ente federal não autônomo, submetido a diversas rupturas históricas e intensa migração, até os dias presentes, embora em escala menor que a das décadas anteriores, descendente desde os anos 1990.
Nossa data nasceu de uma conquista e de uma festa, não de uma guerra ou uma morte. Ainda assim, tal data festiva não se deu sem grande emoção e senso de vitória e luta, dadas as pelejas pela emancipação dos líderes rondonienses desde muitas décadas, o que se publicava nos matutinos da época, entre eles o então septuagenário e glorioso Alto Madeira, fazendo que o povo depositasse os seus legítimos anseios naquela realização, ocorrida na gestão do Cel. Jorge Teixeira de Oliveira.
A Lei complementar 41 de 22 de dezembro de 1981, já havia sido publicada e aquele tomado posse, dia 29 de dezembro de 1981, em Brasília, perante o presidente da República, depois de ter o nome confirmado como Governador pelo Senado Federal. Mas sem a instalação do Estado. Jorge Teixeira foi efetivamente empossado Governador apenas com a Instalação Oficial do Estado de Rondônia, pelo Ministro Mário David Andreazza que representando o presidente da República, veio cumprir as solenidades, em 4 de Janeiro de 1982 no Palácio Getúlio Vargas, em Porto Velho. Na ocasião, Teixeirão deixou ditas palavras significativas:
Sim, somos todos responsáveis pelo Estado que acaba de nascer e todos aqueles que, com seu trabalho, geraram a convicção do potencial de Rondônia nos destinos do país e acreditaram na força de solidariedade dos pioneiros.
Enganam-se os que pensam que a construção de uma Nação, de um Estado, de um Município, de uma pequena Comunidade, é obra exclusiva do Governo. Ela é obra coletiva, é do povo, de uma sociedade jovem ou antiga, grande ou pequena, rica ou pobre. O governo, em seu nome, apenas tenta organizar aquele esforço coletivo.
No nascimento deste novo Estado, olhamos para trás e nos damos conta de que Rondônia se fez de mãos calejadas, de corpos suados e poeirentos e do divino trabalho da terra. Não é fruto elaborado por uma elite privilegiada. Lavradores e doutores, caminhoneiros e técnicos, comerciantes e artesãos, civis e militares, religiosos e leigos, confundem-se todos nesta paisagem humana, dinâmica e idealista, que se espalha, vertiginosamente, por esta região do Brasil[...] Regozijemo-nos todos pela felicidade de estarmos aqui, agora, como participantes deste ato de criação. Fruamos a oportunidade para sermos todos responsáveis.”
Com essas palavras, o “Teixeirão” festejou com o Povo que emocionado, chorava de alegria em frente ao Palácio Getúlio Vargas. Deixando claro que a responsabilidade por essa conquista é do povo e sua festa, como seu labor, sua conquista, sua mudança, sua evolução, não se dá entre quatro paredes de gabinete presidencial, mas sim no seio, na alma, no suor e no sangue do povo.
Esse povo que tanto sonhou com a emancipação, não poderia ficar de fora da comemoração – e sonhou por acreditar que ela mudaria a sua vida, como de fato mudou. Só quem não conheceu nem por leitura ou mesmo por ouvir falar a vida do povo da Rondônia de 40 anos atrás, discorda que a vida do povo tenha mudado com o novo Estado.
Como já registrava o historiador Francisco Matias em trabalho publicado há dez anos, em 03.01.2008, por ocasião do aniversário de 26 anos da instalação do Estado, após anotar o desenvolvimento sociopolítico e econômico já experimentado pelo Estado, conclui:
(...) Mas trouxe o desenvolvimento nas comunicações, na educação, na saúde pública e na infra-estrutura viária. Sobretudo, deu a Rondônia um conceito rondoniano de ser, buscando unificar os pensamentos da BR 364 com os da Madeira-Mamoré, tarefa ainda hoje muito difícil para qualquer governante. Mas ele conseguiu, ainda que temporariamente. Em seu governo criou dois municípios (Rolim de Moura e Cerejeiras), ganhou uma eleição geral (1982) e perdeu duas municipais (1983 e 1984). (...) Como ironia do destino, vinga-se na história ao ser o único governador lembrado como um grande estadista, reverenciado como o criador do Estado e ainda projeta sua imagem e seu indefectível boné por sobre a vida política rondoniense.
Até a instalação do Estado, Teixeira fez crer sua data máxima seria a da Lei Complementar 41. Isso se percebe em seu discurso de improviso ao desembarcar no Aeroporto do Belmonte, em 24 de Dezembro de 1981, após a sanção daquele ato, quando, entre outras afirmações emocionadas, festivas, disse ter determinado que “todas as crianças que nasceram no dia 22 de dezembro de 1981, recebam o apoio do governo, até se formarem”.
Todavia, apenas a festa da instalação do Estado em 4 de Janeiro de 1982 se deu com a participação do povo, conforme o discurso nessa data proferido, o que ele veio reconhecer por meio do Decreto-Lei 39, de 31 de Dezembro de 1982, quando fixou essa a data maior do Estado, definitivamente. Engana-se quem imaginava que esse ato normativo não tem força de lei, por ter sido instrumentalizado por decreto-lei do Governador, na ausência da previsão do processo legislativo, ainda não instalada a Assembleia Constituinte empossada em 31.01.1983, ausente Constituição Estadual. Ora, o DL 39/82 foi recepcionado pela Constituição do Estado de 1983, que nada dispôs em seu texto principal ou nas disposições transitórias sobre as normas existentes e que sustentavam o Estado e seu funcionamento – um Estado, como um país, não cai no vácuo legislativo após a promulgação de sua Constituição Democrática.
Vale dizer, a própria Lei Complementar que instituiu o Estado se deu nesse contexto de governo ditatorial militar no país, assim como a instalação dos Poderes do Estado e seus órgãos fundamentais, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Corte de Contas, o foram por meio de atos e nomeações praticadas pelo mesmo Governador igualmente nomeado na forma em vigor. Nem por isso os atos praticados por estas autoridades foram invalidados.
Carlos Maximiliano ensina que a lei instituída na ordem constitucional anterior ou preconsitucional é recepcionada pela nova ordem constitucional democrática, desde que instituída de acordo com as regras formais para sua aprovação no regime em que sancionada e, no mérito, não seja contrária aos princípios fundamentais do novo regime. Ela deve ser reconhecida válida até que seja substituída por outra na forma instituída na nova ordem constitucional. O Código Tributário Nacional em vigor até hoje, Decreto-Lei 5.172/66 é um exemplo concreto.
Assim, o Decreto-Lei 39/82 tem vigor de lei formal, e só por lei formal poderia ser revogado, como foi. O então Governador Ivo Narciso Cassol, todavia, por Decreto de nº 14.765, de 03.12.2009, estabeleceu que:
Art. 1º As comemorações oficiais relativas ao aniversário de criação do Estado de Rondônia ocorrerão, a partir desta data, no dia 22 de dezembro de cada ano.
Este ato, desconhecendo os princípios básicos de Direito Constitucional acima obtemperados, sofreu intensas críticas em sites e programas de rádio e TV, tendo o Deputado Estadual Jesualdo Pires levado a questão ao Parlamento, de cujos intensos debates na Assembleia Legislativa com participação popular e de historiadores, resultou a Lei 2.291, de 22.04.2010, que traz em sua essência:
Art. 1º. Fica declarado data magna e feriado civil estadual o dia 4 de janeiro, para as comemorações oficiais relativas à criação e instalação do Estado de Rondônia.
Art. 2º. Fica revogado o Decreto-Lei nº 39, de 31 de dezembro de 1982.
Isso foi bonito. Poderia ter só declarado vigorante o Decreto-Lei 39/82, fazendo valer, de uma penada, o Direito e a História. Mas de uma forma ou de outra o fez, já que ao revogá-lo, o Decreto-Lei 39/82, reconheceu que ele existia e vigorava, situação ignorada pelas autoridades que assinaram o decreto então suprimido.
Por fim, com essa Lei pensava-se que o problema estivesse definitivamente resolvido. Mas, infelizmente, não. O Decreto que encabeça este artigo, sem mudar a data magna, altera suas comemorações para um dia que não possui qualquer significação histórica para o povo de Rondônia, mesmo após lei formal em sentido contrário, sancionada pelo Governador após regular discussão e aprovação em debate decisivo na ALERON.
Vale dizer, se por lei é fixado o feriado, é de lamentar profundamente a ignorância de alguns governantes, que não compreendem que não vale mudá-lo por decreto, em que de um só ato viola a lei federal e estadual. Faz lembrar infeliz afirmação autoritária de Getúlio de que a Constituição nasceu para ser violada, fazendo triste comparação machista.
Para o articulista, como para todos que amam Rondônia, nada mudou: as comemorações deste 4 de janeiro em que se festeja os 36 anos de nossa emancipação não foram antecipadas, medida a que se opõem veementemente aqueles que realmente valorizam a História e a Cultura em nosso Estado.
Convém, portanto, iniciar grande campanha para devolver o 4 de Janeiro ao povo de Rondônia, reivindicando a volta do palanque cívico sob o comando das autoridades do Poder Executivo, com participação dos demais Poderes e comunidade, bandas civis e militares a executar o belíssimo e mais significativo hino cívico entre todos da Federação, em torno da comemoração da data fixada em lei estadual como a maior do nosso querido rincão.
O Céus de Rondônia então por si se impõe, em todo o esplendor de sua maviosa beleza, e quem sabe, o Coral Pequenos Uirapurus a entoá-lo... Porque não?
[1] Dimis da Costa Braga é escrito