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porto velho, terça-feira 26 de novembro de 2024
RONDÔNIA - Em 1945, o inglês George Orwell publicou A Revolução dos Bichos, uma fábula onde conta a história de um grupo de animais que toma o poder dos donos humanos de uma fazenda. Para garantir a nova ordem, os revolucionários definem regras de convivência baseadas em princípios de justiça e igualdade. No entanto, aos poucos, o leitor acompanha a transformação daquela sociedade idealista.
As normas vão sendo, uma a uma, deturpadas ou abandonadas em benefício de uma elite que se forma, por sua vez cada vez mais parecida com os humanos expulsos da propriedade. O cumulo se materializa no momento em que o princípio maior que orientava a convivência – “Todos os animais são iguais”- é alterado para “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.
No Brasil de hoje, o noticiário e o debate político mostram que a realidade flerta de maneira indecente com a ficção. A população permanece silenciosa diante de absurdos perpetrados em diferentes instâncias de decisão, que destacam ainda mais o oportunismo e a iniquidade. É um triste e incomodo cenário que cria ambiente propício à manutenção dos abusos e a sensação de que nada mudará.
Ora, se a lei é para todos, porque sua aplicação não segue essa lógica? Se a justiça existe numa Nação para garantir punição aos que cometeram crimes, qual o motivo de mudar as regras do jogo em função dos que estarão em campo? Fatos recentes, como o debate no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a aplicação de penas aos que já foram condenados e julgados em segunda instância, trazem o temor de que estejamos diante da instauração de um regime de “bichos” no País.
O Brasil não pode ser esse terreno fértil para a impunidade, permitindo que ela se aproprie do Estado, utilizando-se até mesmo de decisões da Justiça para safar os que cometeram crimes de sua responsabilidade. Cabe à sociedade impedir que o País assuma o perfil da vizinha Venezuela, onde são recorrentes as denúncias de manipulação de tribunais para manter alguns no poder, livrar corruptos de suas penas e impedir o debate democrático.
Naquele País, a consequência desse processo é conhecida pela comunidade mundial, que, apesar de sucessivos protestos, assiste impotente a implosão de uma sociedade outrora próspera e que, por conta de embates ideológicos, afunda cada vez mais numa crise social, econômica e política sem precedentes.
Ainda acredito que histórias – mesmo as mais dramáticas e trágicas – podem sofrer reviravoltas capazes de fazer correr ventos de esperança. Porém, não se pode deixar tudo ao sabor do destino: apenas os que tomam o leme em suas mãos conseguem fazer a travessia de águas turbulentas, mesmo sob forte tempestade. Assim, é preciso ser resistente à alienação e ao conformismo e assumir o papel de protagonista dessa história.
Com o exercício pleno da cidadania, escolhendo líderes que cumpram seu papel cientes de que o País depende da solidez da justiça e da legalidade, o Brasil verá o fim da impunidade, em um ambiente de ordem e de democracia. Será um tempo onde cada brasileiro – independentemente de etnia, gênero, nível de escolaridade, religião, nível de renda ou escolha ideológica – saberá que a lei é para todos e que ninguém está acima do bem e do mal.
*É diretor-tesoureiro do Conselho Federal de Medicina; doutor em Bioética