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    porto velho, sábado 30 de novembro de 2024

Carta sobre a manifestação contra os Despachantes Documentalistas


Publicada em: 10/06/2020 10:43:47 - Atualizado

Excelentíssimos Senhores,


O CFDD/BR, Conselho Federal dos Despachantes Documentalistas do Brasil, entidade signatária, representante do segmento de Despachantes Documentalistas, instituído pela Lei Federal 10.602/2002, com 25 entidades regionais filiadas, vêm, à presença de Vossas Excelências, esclarecer os fatos e rechaçar as infundadas acusações, repudiar, veementemente, as declarações proferidas por Guilherme Afif Domingos em vídeo divulgado em mídia social, no qual, a pretexto de defender a proposta de implementação do Registro Nacional de Veículos em Estoque (Renave), passa a tecer afirmações inverídicas e caluniosas a respeito dos despachantes documentalistas.

​As declarações de Afif Domingos sobre a atuação dos despachantes e a sua retórica expressa em vídeo, evidenciam o completo desconhecimento sobre categoria profissional que presta relevante papel na mediação e na representação, em nome de seus comitentes, das relações com órgãos da administração pública. Considerando o status de assessor especial do Ministério da Economia, além do extenso currículo associado à carreira pública, as entidades signatárias esperavam postura proba e responsável de agente público que é obrigado a velar pela estrita observância aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições públicas, nos assuntos que lhe são afetos.

​Diferentemente o Senhor Afif, inicia sua participação na entrevista encomendada, falando sobre o corporativismo e afirma que o “Brasil é um Pais Corporativista”, talvez essa seja a única afirmação pertinente quando podemos identificar com muita clareza que o Senhor Afif Domingos,  é declaradamente a expressão do corporativismo, ao defender veementemente os interesses da Fenabrave, entidade promotora e patrocinadora da entrevista, e outras entidades do segmento do comercio de veículos o que não é nenhuma novidade pois desde o ano de 2015 quando tornou-se público essa manifestação de interesse, conforme amplamente divulgado pela imprensa nacional. 

​Dentre as afirmações desprovidas de qualquer fundamento ou razoabilidade, Afif Domingos insinua pretensa “sociedade” entre governos e despachantes no processo de arrecadação. Ora, a arrecadação tributária - proveniente de recursos obtidos por meio da cobrança de tributos movida em desfavor de pessoas naturais e jurídica - é operada e instrumentalizada por meio de comandos normativos que fixam os contornos jurídico-econômicos necessários para a sua ocorrência. O Código Tributário Nacional é claro ao determinar que a competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.

​Assim, é a partir da norma tributária que os governos exercem sua função arrecadadora e, como consectário lógico, viabiliza o exercício de outras atividades típicas do Estado (legiferante, jurisdicional, administrativa, ordenadora, regulatória, dentre outros). O poder de instituir tributos é exclusivo da União, Estados e Municípios, não havendo qualquer ingerência de despachantes documentalistas sobre este processo. Além dos despachantes não deterem competência tributária, também não detêm capacidade tributária, porquanto as funções de arrecadar, fiscalizar e executar somente podem ser delegadas às pessoas jurídicas de direito público.

​Lamentavelmente, Afif Domingos confunde o conceito de competência tributária com a função ou encargo de arrecadar tributos (capacidade tributária). Outrossim, os tributos são devidos a um ente público, têm fundamento no poder soberano do ente tributante que é conferido pela Constituição Federal, e a finalidade é servir de meio para o atendimento às necessidades financeiras do Estado, a fim de que este possa executar sua função social.

​A instituição, permanência ou majoração de tributos não apresenta qualquer vantagem ao despachante, porquanto todo o valor da arrecadação tributária é destinado aos órgãos e entidades da administração pública. O despachante é um mero agente que, atuando por conta e ordem de terceiro, realiza ou encaminha para pagamento o tributo exigido pelo Estado em desfavor do cidadão. Ao despachante é vedado praticar atos desnecessários à solução de assuntos a seu cargo ou protelar o seu andamento, além de não ser permitido emitir documentos ou autorizações em substituição a documentos oficiais em seu poder ou em tramitação em órgãos públicos.

​As afirmações de Afif Domingos representam manifesta tentativa de desacreditar parcela expressiva dos trabalhadores brasileiros, em decorrência de seu pernicioso comentário que sugere a colaboração entre o Estado brasileiro e a categoria de despachantes com suposto intuito de lesar o cidadão e as empresas. Ao acusar os despachantes de se associarem aos governos locais para ampliar a sanha arrecadatória, Afif Domingos pretende criminalizar práticas legítimas, relativas ao exercício profissional, constrangendo simultaneamente autoridades públicas estaduais e despachantes.

​A entrevista concedida no dia 20 de maio de 2020, por meio da 4ª Webinar Veiculando, patrocinado pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), foi a mais recente manifestação de uma longínqua campanha destinada a perseguir e desacreditar os despachantes documentalistas. Desde 2015, contraditoriamente com quem tem um histórico de intransigente defesa à micro e pequena empresa, Afif Domingos hasteia a bandeira do lobby dos grandes fabricantes de veículos.

​Há alguns anos, o Conselho Federal de Despachantes Documentalistas do Brasil (CFDD/BR) tem procurado interlocução com autoridades públicas federais para discutir a instituição do Registro Nacional de Veículos em Estoque. Em 2017 o Conselho já alertava, com base em projeções à época sobre a retomada do crescimento econômico, emprego e renda e que sinalizavam a manutenção e até mesmo o agravamento do quadro de recessão, ao mesmo tempo em que era esperado o agravamento dos problemas estruturais do país, a queda na arrecadação pública de tributos e o consequente rebaixamento na qualidade dos serviços públicos, sobretudo em virtude do contingenciamento no orçamento fiscal.

​O CFDD/BR e os Conselhos Regionais dos Despachantes Documentalistas dos Estados e do Distrito Federal (CRDD), na qualidade de órgãos normativos e de fiscalização profissional dos despachantes documentalistas, discutiram com a presidência do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) os efeitos da então vigente resolução, a qual alterava, pela segunda vez em pouco mais de um ano, a proposta de instituição, em âmbito nacional, do Renave.

​Àquela oportunidade, a proposta de implementação do Renave - além de padecer de vícios sob o prisma jurídico, tais como a usurpação de competência legislativa e exercício de poder regulamentar que extrapolava os limites da lei – acarretava significativo impacto nas relações de trabalho e emprego atinentes aos procedimentos de transferência de propriedade e registro de veículos novos e usados, além de impactar, negativamente, na arrecadação de tributos estaduais.

​Ao instituir o Renave, o Contran deveria limitar-se a regulamentar a escrituração eletrônica dos livros de registro de movimento de entrada e saída de veículos, conforme determina o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Ocorre que, na aparente tentativa de desburocratizar o procedimento, o ato regulamentador expedido terminava por desconsiderar e suprimir atividades consideradas pelo CTB como indispensáveis ao registro, licenciamento e transferência de propriedade de veículos.

O texto das resoluções até então expedidas, ao criar reserva de mercado às grandes concessionárias e poderosas entidades de caráter nacional que representavam o setor de comércio de veículos novos, não era claro quanto a possibilidade de despachantes fazerem uso da ferramenta eletrônica a ser implantada pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). O acesso ao Renave era limitado aos estabelecimentos ou às entidades representativas do setor.

​A despeito da discussão sobre a legalidade da implementação do Renave, pretendeu-se, sem qualquer justificativa plausível, alijar os despachantes do acesso a qualquer ferramenta eletrônica relacionada à escrituração eletrônica dos livros de registro de movimento de entrada e saída de veículos em estabelecimentos, em nítido cerceamento das atividades desempenhadas por milhares de profissionais em todo o país.

​Ainda em 2017, o CFDD/BR já alertava que a criação de produtos como o CRV-e associado a supressão de procedimentos destinados ao registro e vistoria de veículos pelos departamentos estaduais de trânsito impactaria maleficamente na arrecadação de tributos estaduais. Para uma economia em crise e um Estado com orçamento contingenciado, a diminuição da receita de tributos seria medida temerária. Sob o aparente manto da desoneração e simplificação de atividades, em verdade o Renave propiciaria uma nefasta contribuição ao setor automotivo brasileiro, com relevante impacto na arrecadação de tributos e na renda e emprego dos trabalhadores envolvidos nas atividades hoje desenvolvidas no âmbito dos estados pelos Detrans, em conjunto com particulares.

​Se a ideia central do Renave era a diminuição dos custos que afetavam a comercialização e o registro de veículos, essa diminuição não poderia ser acompanhada de um ato regulamentar que pretendia suprimir tributos ou descaracterizar a ocorrência de seu fato gerador, além de cercear a atuação de profissionais. Os únicos beneficiários do Renave seriam as pessoas jurídicas que têm no seu objeto social a atividade de compra e venda de veículos novos ou usados, ou seja, grandes lojas, concessionárias ou estabelecimentos que comercializam veículos, novos ou não e que deixariam de recolher tributos, pela supressão ficta do fato gerador decorrente da comercialização de veículos. Isso à custa de perda na arrecadação de tributos e na supressão de empregos. De tal sorte, o Renave terminava por se caracterizar como um conjunto de medidas que tinham como objetivo apenas socorrer o capital dos grandes estabelecimentos, afetados pela crise econômica que se arrasta pelo país.

​As medidas destinadas à implementação do Renave ameaçam direitos e em troca não oferecem garantias efetivas de crescimento e desburocratização. É o típico procedimento que combina renúncia fiscal, compressão salarial e deterioração das relações de trabalho. Por sinal, os atos normativos que disciplinam o RENAVE têm se caracterizado pela intermitência de seus textos, fruto das vicissitudes em sua gênese. A Deliberação 144/2015 foi revogada pela Resolução 584/2016; que por sua vez foi revogada pela Resolução 655/2017; esta, a seu turno, foi revogada pela Resolução 678/2017. Não é crível que uma proposta de instituição de um sistema eletrônico seja, ao longo de apenas dois anos, alterada em quatro oportunidades distintas, por vícios técnicos e normativos e finalmente o DENATRAN, informa que esta realizando um projeto piloto em Estado do Sul do Brasil e somente a partir dos resultados dessa aventura vai editar nova resolução adequando-a aos resultados do Projeto Piloto. Isso é inadmissível a quais interesses atende esse projeto eminentemente “corporativo”.

​Quando Afif Domingos afirma que o atual processo de venda de carros e controle de estoque é brutalmente medieval, tentando associar tal atraso a supostos interesses dos estados e despachantes, o referido assessor especial do Ministério da Economia ignora os avanços relacionados à tecnologia da informação desenvolvidos por despachantes documentalistas e colocados à disposição da sociedade para assegurar maior rapidez e qualidade nas operações que envolvem a comercialização de veículos.

​Os Conselhos Regionais dos Despachantes Documentalistas dos Estados e do Distrito Federal têm desenvolvido diversas ações em conjunto com órgãos e entidades da administração pública destinados a reconhecer, dar publicidade, estimular e disseminar iniciativas que contribuem para elevar o patamar de excelência na prestação de serviços e promovem a modernização, a simplificação, a celeridade e o ganho de eficiência na relação com os Detrans. Tais medidas, além de impactarem na otimização da força do trabalho dos departamentos estaduais de trânsito, tem permitido uma expressiva redução nos custos e tempo médio de execução dos serviços.

​O CFDD/BR endossa o compromisso com a desburocratização para um Brasil melhor, apresentando propostas para o desenvolvimento econômico e social do país. Para tanto, tem incentivado a criação de ambientes propícios e garantidores para a desburocratização e a modernização do Estado, a partir de uma maior interação entre as ações governamentais e o setor privado. Nesse sentido, o Conselho Federal de Despachantes Documentalistas do Brasil tem empunhado a bandeira da prévia discussão com os diversos setores públicos e privados envolvidos na sistemática para comunicação, registro, controle, consulta e acompanhamento das transações comerciais, que viabilizem a escrituração eletrônica dos livros de registro de movimento de entrada e saída de veículos.

​No entendimento do CFDD/BR, é por meio da integração e compartilhamento dos conhecimentos detidos pelos setores públicos e privados que devem ser traçadas políticas públicas que permitam o enfrentamento da atual crise econômica e a busca pela maior eficiência, dentro da legalidade, na atuação do Estado brasileiro.

Há evidente contradição quando Afif Domingos inicia a entrevista afirmando que despachantes e governos estaduais se “associam” para aumentar a arrecadação e na sequência diz que as vendas de carros usados caracterizam-se como um processo muito grande de sonegação. Mal informado o Senhor Afifi mal sabe que na maioria dos estados Brasileiros o Veículo usado é isento do ICMS!!

​O despachante documentalista é o responsável por acompanhar a tramitação de processos e procedimentos no âmbito administrativo, cumprir diligências, anexar documentos, prestar esclarecimentos, solicitar informações e relatórios. Não cabe ao despachante aumentar nem suprimir encargos tributários incidentes sobre as operações que acompanha. Afinal, não há qualquer ganho ou prejuízo financeiro para o despachante decorrente do aumento ou retração na carga tributária incidente sobre a operação de comercialização de veículos. Toda a receita tributária é destinada ao Estado.

​Embora Afif Domingos ainda afirme sobre a existência de sonegação na venda de carros por intermédio de interpostas empresas para escapar dos impostos, sem apresentar qualquer dado que ampare sua percepção, tal fato, se real, em nada depende da atuação dos despachantes. Tal conduta impactaria para estabelecimentos que negociam a compra e venda de veículos. Ainda que considerássemos como válido o pensamento expresso por Afif Domingos, eventual simulação na compra e venda de veículos seria até mesmo prejudicial ao despachante documentalista, pois ele deixaria de prestar serviços de acompanhamento das transações formais que viessem a ser sonegadas.

​Quando Afif Domingos afirma que “taxa é para ser cobrada para cobrir o custo de uma operação”, dando a entender que haveria vantagem econômica a ser auferida também por despachantes, novamente tal posicionamento revela a mera tentativa irresponsável de macular a atuação dos despachantes documentalistas. O CFDD/BR sempre defendeu a necessidade de correspondência entre o valor exigido e o custo da atividade estatal. Ocorre que a competência para fixar ou majorar tributos é exclusiva do ente público, por meio de sua casa legislativa. Esse tema é disciplinado no art. 150, IV, da Constituição Federal. Se o valor da taxa ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do cidadão, caracterizar-se-á uma situação de onerosidade excessiva, que descaracteriza a relação de equivalência entre o custo real do serviço e o valor exigido do contribuinte. Nesta hipótese, o mecanismo adequado para combater tal desequilíbrio é o ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade em desfavor da lei instituidora ou que majorou o tributo, por ofensa à cláusula vedatória inscrita na Constituição Federal. O Renave não apresenta qualquer relação com a discussão posta.

​Pelo exposto, totalmente despropositadas as afirmações a respeito da atuação dos profissionais despachantes documentalistas expressas por Guilherme Afif Domingos na 4ª Webinar Veiculando. É injustificável que sob o manto da defesa da desburocratização, um agente público federal, ostentando o status de assessor especial do Ministério da Economia, atribua a toda uma categoria de despachantes suposto conluio com dirigentes dos Poderes Executivos e Legislativo estadual, destinado a prejudicar o contribuinte, visando satisfazer interesse pessoal.

​Atribuir falsamente aos despachantes responsabilidade por um determinado fato que é definido como crime, é conduta vedada por nosso ordenamento jurídico e que deve ser prontamente repelida. O CFDD/BR expressa seu repúdio ao efeito dispersivo desse tipo de postura deletéria e que atinge a honra dos despachantes documentalistas, especialmente diante de conduta praticada por agente público, que propala e divulga inverdades contra uma categoria de micro e pequenos empresários.

​As entidades signatárias reiteram sua moção de repúdio às declarações de Guilherme Afif Domingos, posicionando-se na defesa intransigente dos despachantes documentalistas, em razão de atos como o ora mencionado, atentatórios e violadores à dignidade dos despachantes.

Brasília-DF, 05 de junho de 2020.


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