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porto velho, domingo 24 de novembro de 2024
BRASIL: O acordo de colaboração premiada pode prever que a pena privativa de liberdade do acusado seja executada logo após sua homologação pelo juízo. Nesse caso, não será necessário aguardar a sentença ou o trânsito em julgado da ação penal.
A conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que, por 7 a votos a 6, negou recurso da defesa de um empresário que firmou acordo de colaboração premiada e concordou em cumprir 15 anos de pena em condições francamente favoráveis.
Uma das cláusulas do acordo fixou que a pena seria cumprida “imediatamente após a homologação do acordo” e de forma progressiva.
Para a defesa, feita pelo advogado Edward Rocha de Carvalho, a medida fere o princípio do processo legal, a presunção de inocência e a necessidade do processo penal.
O tema dividiu o colegiado. Venceu a posição do relator, ministro Raul Araújo, para quem o cumprimento da pena de forma imediata é possível por se tratar mera condição do acordo com o qual o colaborador concordou.
Formaram a maioria de sete votos com ele os ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Isabel Gallotti, João Otávio de Noronha, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sérgio Kukina.
A divergência foi inaugurada pelo ministro Mauro Campbell, que defendeu a necessidade de aguardar o trânsito em julgado da ação penal para o cumprimento da pena. Votaram com ele Nancy Andrighi, Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves e Antonio Carlos Ferreira.
É pena?
A insurgência da defesa se deu após a homologação do acordo, quando o ministro Raul Araújo determinou o início do cumprimento da pena. Ela foi fixada no acordo mediante sanções atípicas, não previstas expressamente em leis, mas passíveis em acordo, conforme a própria Corte Especial.
No primeiro ano, o réu estará no regime semiaberto diferenciado: preso em casa das 20h às 6h durante a semana e o dia todo nos feriados e finais de semana.
Nos 18 meses seguintes, cumprirá regime aberto diferenciado, ainda em prisão domiciliar, com recolhimento integral apenas aos finais de semana e feriado.
E nos 12 anos e 6 meses seguintes, deverá apenas informar semestralmente seu endereço e contato, além de fornecer relatório sobre suas atividades.
Para Raul Araújo, esse tema não pode ser abordado sob os aspectos do Direito Penal clássico, pois envolve um novo modelo de justiça penal negocial, no qual se insere o acordo de colaboração premiada.
Isso porque não há previsão das penalidades como reprimenda estatal. A lei brasileira, por exemplo, não permite que uma pena de 15 anos seja cumprida no regime inicial semiaberto diferenciado. Para punições de mais de oito anos, o regime, em regra, é o fechado.
O descumprimento das condições combinadas, por outro lado, não vai gerar o recrudescimento do regime de pena. Em vez disso, haverá a rescisão do acordo, com o consequente oferecimento da denúncia e instauração da ação penal.
Assim, aplicar o devido processo legal no caso do acordo de colaboração levaria não apenas a alterar o momento do cumprimento da pena, mas alterar o próprio regime fixado.
Que sentença?
Para reforçar essa compreensão, Raul Araújo destacou na quarta-feira que o acordo de colaboração premiada não necessariamente vai levar a prolação de uma sentença. É o caso dos autos, em que o colaborador sequer foi denunciado.
O artigo 4º, parágrafo 4º da Lei das Organizações Criminosas, por exemplo, permite que o MP deixe de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento e o colaborador não for líder do grupo.
“Apenas o reconhecimento de que não se trata de pena, mas de condição do acordo sujeito ao controle do juiz responsável pela homologação é capaz de garantir a utilidade prática a colaboração, pois oportunizará aos autores estabelecer benefícios adequados e momento oportuno de execução”, disse.
O ministro Og Fernandes concordou a destacou que o cumprimento antecipado da pena é alternativa que integra domínio da negociação das partes. “Cabe ao Judiciário assegurar que sua pactuação decorre da manifestação de vontade do colaborador”, disse.
Presunção de inocência
Para a divergência inaugurada pelo ministro Mauro Campbell, o cumprimento imediato da pena alvo de acordo de colaboração premiada viola a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e causa uma a uma avocação de poder por parte do Ministério Público.
Se o órgão tem permissão de determinar a execução da pena antes da sentença condenatória, ele se transforma em investigador, acusador e julgador, o que não se admite. Seria o mesmo de retirar do Estado-juiz os contornos normativos da sanção penal.
Isso faria com que, na eventual prolação da sentença, o juiz não tivesse o que fazer senão concordar com a situação de que a reprimenda penal já foi cumprida, independentemente do desfecho da ação penal, a qual segue indispensável no caso.
O ministro Campbell destacou ainda que o pacote “anticrime” (Lei 13.964/2019) introduziu a possiblidade de questionar judicialmente acordos de colaboração premiada ou mesmo a decisão de sua homologação, como é o caso dos autos.
Em voto na quarta, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que o que se exige para cumprimento da pena é a sentença penal transitada em julgado. Não há qualquer previsão nesse sentido em relação à homologação do acordo de colaboração premiada.
“Aqui, o que está em jogo, no final das contas, é a garantia da jurisdição. Não é só do jurisdicionado. Não posso imaginar um processo penal onde o juiz não tenha o verdadeiro controle da situação. Não me parece que seja possível a homologação substituir o controle judicial que será feito por ocasião da sentença.”