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porto velho, segunda-feira 25 de novembro de 2024
JURÍDICO - A divergência existente no Superior Tribunal de Justiça quanto à possibilidade de conhecer de um Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário é inconciliável. A cisão jurisprudencial ficou ainda mais evidente em julgamento desta quarta-feira (28/10) na 3ª Seção, que une os ministros das 5ª e 6ª Turmas e que seria responsável por dirimir as diferenças de interpretação.
Para a 5ª Turma, o HC substitutivo de recurso ordinário não deve ser conhecido. Ainda assim, diante de uma ilegalidade que foi comunicada nos autos, mesmo que por meio de impetração inepta, os ministros podem conceder a ordem de ofício.
A 6ª Turma não vê sentido nenhum nisso. Se é para analisar o mérito de qualquer maneira, já desde o início de 2017 os ministros integrantes decidem conhecer do pedido para votar se concedem ou não a ordem.
A divergência é inconciliável porque os entendimentos são unânimes em suas respectivas turmas. Nem a chegada do ministro João Otávio de Noronha, que estava na presidência do STJ e assumiu a vaga do ministro Jorge Mussi na 5ª Turma, alterou o desenho jurisprudencial. Nesta quarta, ele votou por não conhecer do HC.
Assim, a 3ª Seção não poderá consolidar um entendimento porque, por determinação regimental, o ministro que ocupar a presidência só votará se houver empate. Assim, o entendimento defendido por uma das turmas sempre estará desfalcado, com quatro votos de um lado e outros cinco do outro.
Vai-e-vem jurisprudencial?Dois casos exemplificaram bem essa questão. A diferença jurisprudencial coexistia silenciosamente até junho, quando o ministro Reynaldo Soares da Fonseca suscitou Questão de Ordem durante o julgamento de um HC para mudar a proclamação do resultado, impondo o não-conhecimento e a concessão da ordem de ofício.
A Questão de Ordem foi feita para não permitir a eventual conclusão de que a 5ª Turma não segue a jurisprudência da 3ª Seção. E só foi aceita porque o presidente era o ministro Nefi Cordeiro, que integra a 6ª Turma. Além disso, estava ausente na ocasião o ministro Antonio Saldanha Palheiro, que também se oporia na matéria.
Na ocasião, o ministro Ribeiro Dantas explicou que a ideia não era impor um entendimento sobre o tema, mas apenas "mostrar que nós não estamos errados". Quatro meses depois, ao trazer voto-vista em outro HC julgado pela 3ª Seção, ele mais uma vez propôs a alteração da proclamação.
"Estou insistindo nisso não por ser eu um formalista. Longe de mim. Mas este é um tribunal de precedentes e faz pouco tempo que esta seção uniformizou este entendimento. Não há nada que justifique ele ser mudado tão rapidamente", afirmou. O ministro Rogério Schietti então pediu a segunda vista para tratar dessa questão em específico.
Nesta quarta, a 3ª Seção "mudou a jurisprudência" de novo. Por 5 votos a 4, o colegiado conheceu do Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário e concedeu a ordem para afastar as sanções de perda do mandato e inabilitação para exercício da função pública pelo prazo de cinco anos de um réu.
A maioria de cinco votos foi formada pelos cinco ministros da 6ª Turma. O ministro Nefi Cordeiro, por ser o relator do HC afetado à 3ª Seção, pôde votar. Quem ficou de fora foi o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que assumiu a presidência para o julgamento.
Perda de tempoNo voto-vista, o ministro Schietti explicou as dificuldades de adotar o entendimento da 5ª Turma. Para ele, conceder a ordem após não conhecer do recurso implica em dizer que o mérito foi examinado e sobre ele se decidiu, algo que paradoxalmente exige a prévia admissão ou conhecimento. Do ponto de vista lógico, implica em violação do princípio da não-contradição. Além disso, a atuação de ofício pressupõe ausência de provocação das partes.
"Ninguém me respondeu até agora: qual é a utilidade deste procedimento? O que ganhamos com isso? Gostaria de uma resposta que não seja meramente a afirmação de que a iniciativa do advogado de impetrar Habeas Corpus em vez do recurso não deveria ser cabível. Se examinamos em seguida, isso é uma contradição", apontou.
"Essa discussão é de alguma maneira uma perda de tempo", afirmou o ministro Ribeiro Dantas, ao defender a posição da 5ª Turma. Para ele, não há violação da lógica porque o HC permite algo que os demais recursos não permitem: a concessão de ofício. O não-conhecimento é da impetração. Mas justamente por essa possibilidade que o HC oferece, analisa-se a existência de ilegalidade.
"Não viola a lógica porque quando eu digo que não conheço é uma coisa; e quando eu concedo de ofício, é outra. É mesma coisa que acontece quando eu peço um copo d'água, e o copo não é feito de água. E você entende", apontou. Para ele, a nomenclatura correta seria "indefiro sem julgar o mérito".
O final do voto do ministro Schietti trouxe uma proposta que consolidou a ideia de ser inconciliável a diferença jurisprudencial. "Ante essa falta de consenso, é de se permitir a cada turma continuar com o poder ínsito de usar terminologia que considere mais adequada", apontou.
Em seu voto-vista, Schietti faz menção a artigo do advogado Alberto Zacharias Toron — publicado na ConJur —, em que demonstra que, sob a Constituição de 1988, não existe proibição de se manejar HC como substitutivo de recurso ordinário.
HistóricoA ideia de não conhecer de Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário foi implementada pelo ministro Marco Aurélio, do STF, como forma de combater o problema criado pelo excesso de pedidos que chegavam à corte em 2012. A jurisprudência foi inaugurada na 1ª Turma do STF, sob alegação de que a prática configura tentativa de saltar instâncias.
"Se arrependimento matasse, eu estaria morto", afirmou o ministro, posteriormente, em entrevista ao Anuário da Justiça. A prática caiu tão a gosto no Judiciário que ampliou o rigor da análise de ilegalidades e se transformou numa espécie de escudo dos julgadores. "Aí é diminuir muito a importância dessa ação nobre, de envergadura, que está prevista na Constituição, que é o Habeas Corpus", disse Marco Aurélio.
Em setembro de 2012, o STJ já aderia à jurisprudência proposta pelo ministro do STF, com críticas ao uso expansivo do HC. Foi só em maio de que a 6ª Turma passou a divergir, tanto por economia processual quanto por questões jurisprudenciais. A ideia é: não faz sentido analisar o cabimento se, ao checar ilegalidades apontadas, entra-se no mérito de qualquer maneira.
A questão do HC inclusive segue tormentosa na corte, como publicou a ConJur. Levantamento feito pelo Anuário da Justiça Brasil 2020 mostra que nos últimos cinco anos o julgamento de HCs na corte mais que dobrou, apresentando uma variação de 112,7% e dificultando a definição de teses qualificadas pelos ministros.