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porto velho, quarta-feira 27 de novembro de 2024
BRASIL - É inconstitucional a interpretação de lei que exclui o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos. Da mesma forma, é inconstitucional a submissão genérica de candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas, sem a demonstração da sua necessidade para o exercício da função pública.
Com esse entendimento, o Plenário virtual do Supremo Tribunal Federal fixou interpretação conforme a artigos do Decreto 9.508/2018, que promoveu alterações nas previsões específicas para candidatos em concurso público portadores de deficiências.
O julgamento ocorreu em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), para quem a norma tratou de esvaziar garantias relevantes conquistadas pelos cidadãos com deficiência, em retrocesso em relação à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
A inicial foi subscrita pelos advogados Rafael Carneiro, Matheus Pimenta de Freitas, Felipe Correa, Luiz Fernando Cardoso e Gustavo Lima, em parceria entre os escritórios Carneiros Advogados e Pimenta de Freitas Advogados.
Relator, o ministro Luís Roberto Barroso não votou pela declaração de inconstitucionalidade da norma. Diante da redação dada aos dispositivos questionados, esclareceu qual é a única interpretação possível a cada caso.
Adaptação dispensável?
O artigo 3º, inciso VI do decreto fixou “a previsão da possibilidade de uso, nas provas físicas, de tecnologias assistivas que o candidato com deficiência já utilize, sem a necessidade de adaptações adicionais, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência”.
Nesse caso, a única interpretação possível é a de que a norma prevê uma faculdade em favor do candidato, se ele assim desejar.
O exemplo dado pelo relator é de um candidato surdo que usa aparelho auditivo e reputa não ser necessário nenhum tipo de adaptação adicional. Por isso, ele pode, se quiser, dispensar a presença de intérprete de Libras.
“A intenção, evidentemente, não é admitir a pessoa que não esteja apta ao exercício da função pública. Não se garantem as adaptações irrazoáveis e que não atendam a critérios de proporcionalidade”, afirmou Barroso.
“Por outro lado, é preciso eliminar toda a barreira de acesso a cargos públicos àquelas pessoas com deficiência que são aptas ao exercício da função”, acrescentou. Por isso, é inconstitucional a interpretação que exclua o direito à adaptação razoável em provas físicas.
Critérios iguais?
O outro trecho questionado é o artigo 4º, parágrafo 4º, segundo o qual “os critérios de aprovação nas provas físicas para os candidatos com deficiência, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência, poderão ser os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos”.
Nesse caso, a única interpretação possível é a de que a pessoa com deficiência poderá ser submetida aos mesmos critérios de avaliação física em concursos públicos quando essa exigência for indispensável ao exercício das funções.
O caso dos autos trata de concurso para perito criminal da Polícia Civil do Distrito Federal, que prevê atuação em várias áreas (ciências biológicas, ciências contábeis, ciência da computação/informática, engenharia, farmácia e bioquímica).
“Não é razoável negar a adaptação de provas práticas que envolvem testes de flexão em barra ou abdominais, se tais aptidões não são indispensáveis para o regular exercício da função de perito contábil, por exemplo”, explicou o relator.
“Não cabe fazer a presunção genérica de que todos os cargos de carreiras policiais possuem natureza operacional, sendo necessário avaliar especificamente a adequação da prova de aptidão física à função a ser desempenhada”, concluiu.
Teses
O ministro Luís Roberto Barroso defende a ideia de que, em uma corte constitucional, tanto quanto possível é preciso delinear as teses decorrentes de seus julgamentos, de modo a orientar a jurisprudência e as demais instâncias. Assim, embora o caso julgado seja de controle de constitucionalidade – e não recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, - propôs duas teses.
A votação foi unânime. Acompanharam o relator os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques.