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80 milhões de processos mostram confiança na Justiça e falta de diálogo

Os juízes brasileiros julgaram 26 milhões de casos em 2021.


Cnjur

Publicada em: 30/06/2022 11:45:30 - Atualizado


BRASIL -Os 80 milhões de processos em tramitação na Justiça brasileira mostram a confiança da população no Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que deixam clara a dificuldade de diálogo para a resolução de conflitos, inclusive e especialmente, entre os poderes da República.

Este é um resumo do que pensam as mais altas autoridades do sistema judicial brasileiro, que participaram nesta quinta-feira (30/6) do lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2022 e falaram sobre o total de 80.129.206 de processos à espera de julgamento, dado registrado em 31 de março de 2022 pela Base Nacional de Dados do Poder Judiciário, mantida pelo Conselho Nacional de Justiça. No final de 2021, o acervo de conflitos era de 72,8 milhões. No ano anterior, a soma registrada foi de 70,7 milhões.

O tempo médio de espera por uma decisão foi de 11 meses em 2021, enquanto a execução da sentença foi de seis anos e sete meses em média. Os juízes brasileiros julgaram 26 milhões de casos em 2021. Um total de 27,2 milhões de novos processos ingressaram no sistema judiciário em 2021, contra 25,1 milhões no ano anterior.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que os 80 milhões de processos mostram distorções na forma de buscar respostas para conflitos e defendeu soluções alternativas. Segundo o PGR, o diálogo é o melhor caminho. "Esses dados, de um lado, provam que o Judiciário é a esperança de quem busca o reconhecimento e a efetivação de um direito ou responsabilização de acusados por crimes de toda ordem. Mas, por outro lado, revelam distorções da forma de se buscar respostas para conflitos. Já os acordos de autocomposição possibilitam antecipar resultados", exemplificou.

Aras disse que tem criado mecanismos na PGR para estimular a atuação extrajudicial e preventiva, inclusive nas manifestações em ações propostas nos tribunais superiores e no Supremo Tribunal Federal. E chamou atenção para os riscos do ativismo judicial, fenômeno que, segundo ele, "desacompanhado da consciência de limites de ordem jurídica, constitucional, política e técnica podem, sob o pretexto de defender direitos, causar danos e desequilíbrios significativos, especialmente de ordem financeira".

Ao final de sua fala, defendeu uma postura de diálogo institucional em busca de harmonia entre os três poderes e também como forma de incentivar medidas que evitem o excesso de ações judiciais. "Precisamos avivar os marcos divisórios entre as competências constitucionais atinentes aos distintos poderes", afirmou.

O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Humberto Martins, defendeu ser inaceitável que a Justiça brasileira atue com lentidão. Citou o jurista Ruy Barbosa (1849-1923) para dizer que a "Justiça tardia" corresponde, na verdade, a uma injustiça. "Não basta ser eficiente, tem que se fazer a diferença. A prestação jurisdicional não pode ser entregue com demora inaceitável", afirmou o ministro nesta quinta-feira (30) durante o lançamento da 16ª edição do Anuário da Justiça (clique aqui para ler), publicação da ConJur.

Segundo o presidente do STJ, os conflitos são parte da natureza humana e, portanto, "o volume de processos na Justiça brasileira reflete, antes de mais nada, a credibilidade e a confiança da população e das instituições na capacidade da Justiça de resolver esses conflitos". Para Humberto Martins, com respeito aos princípios da eficiência, da publicidade e da transparência, o país terá "o Judiciário que sonhamos e que queremos".

O Anuário da Justiça Brasil também registrou uma mudança no perfil das demandas levadas ao Judiciário. As reclamações trabalhistas, que encabeçaram o ranking de judicialização entre 2015 e 2018, deixaram o posto. Perderam para o grupo de ações de Direito Civil, que passou de 8,6 milhões de processos em 2018 para 10,6 milhões em 2021. Trata-se de um crescimento de 23%. Já o grupo trabalhista caiu de 8,6 milhões para 7,9 milhões entre os dois períodos. Foi uma queda de 8%, o que corresponde a uma redução de 700 mil novos processos.

"Quem acha que a grande preocupação da Justiça são os crimes do notório deputado Daniel Silveira (que teve a prisão declarada pelo Supremo Tribunal Federal por ameaças a Corte, mas não tem cumprido a decisão) está redondamente enganado", afirmou o jornalista Rodrigo Haidar durante a apresentação da publicação. O tema mais frequente na janela de entrada das varas criminais do país em 2021 foi o tráfico de drogas, com mais de um milhão de processos novos protocolados. "Um sinal de que a política de enfrentamento da questão sob o prisma exclusivamente criminal talvez não esteja produzindo o resultado desejado", pontuou o jornalista.

De acordo com dados do CNJ, há três temas no topo das ocupações do Judiciário e das preocupações dos brasileiros. São os impostos, o consumo e a previdência social. As questões ligadas ao Direito Tributário representam 10,5% dos casos novos registrados em 2021. Já os casos relacionados ao Direito do Consumidor correspondem a 9,6%. E as questões de Direito Previdenciário representam 6,3% dos novos conflitos. Entre os principais temas, o Anuário da Justiça Brasil ainda destacou o Direito Público, que trata das relações do Estado com as pessoas físicas e jurídicas, com o percentual de 7,3%.

O presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, sugeriu uma reforma processual. "A marca de 80 milhões de processos nos impõe o desafio de aperfeiçoar a legislação, aprimorar processos e a prestação jurisdicional de forma a conciliar celeridade e segurança jurídica na resolução desses litígios", declarou.

Para Simonetti, o respeito à separação dos poderes é fundamental para que uma democracia seja plena. "Trabalhamos diuturnamente para a existência de um diálogo que conduza ao amadurecimento e fortalecimento das nossas instituições. Nesse contexto, a Ordem entende que é o seu papel contribuir para a construção de pontes, consensos, em um ambiente de respeito mútuo e com objetivo comum, que é o avanço da nossa democracia", disse no lançamento do Anuário.

O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, reconheceu a publicação como uma ferramenta para facilitar a análise da atuação do Judiciário. "Traz a tendência dos julgados, o perfil de cada magistrado e essa é uma ferramenta importantíssima para que todos tenham uma visão de conjunto do Judiciário brasileiro, da sua doutrina, da formação de seus magistrados, saber com profundidade a essência da Justiça nacional", pontuou.

O ministro do STJ e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Benedito Gonçalves, afirmou que a Justiça tem cumprido o seu papel, inclusive durante a epidemia de covid-19. "A Justiça está no nosso meio, quando nós compramos nosso pão, nosso jornal, no momento que algo sai errado. Justiça é dar a cada um o que é seu. E, em um ano de pandemia, em um ano de luta, a Justiça, com esse mandamento na cabeça — dar a cada um o que é seu — conseguiu dar a cada um o que é seu", declarou no evento.

O ano eleitoral ainda deve trazer novas demandas ao Judiciário. "Nós temos duas preocupações: no caso do TSE, prestar uma jurisdição célere. E estamos preocupados em mostrar à sociedade a segurança do seu meio de exercer a democracia: o sistema eletrônico de votação", relatou diante das críticas do presidente Jair Bolsonaro em relação às urnas eletrônicas.

Para Celita Procopio, presidente do Conselho de Curadores da Faap, "os 80 milhões de motivos para se acreditar no Judiciário, destacados na capa da mais nova edição do Anuário, são incontestáveis. Mostram o papel da Justiça no país e mostram o papel do Anuário na vida da Justiça brasileira".


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