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porto velho, quarta-feira 27 de novembro de 2024
PIMENTA BUENO, RO - Uma delegacia do interior de Rondônia conseguiu solucionar, em oito anos, 98,73% dos homicídios registrados na unidade. Com cerca de 34 mil habitantes, segundo dados da Polícia Civil, Pimenta Bueno teve 79 assassinatos desde 2009 e, deste total, os investigadores ficaram desvendaram a autoria de 78 crimes e 64 casos viraram ações penais.
Segundo o titular da delegacia da cidade, Juarez de Morais Lourenço, a polícia classifica o caso como solucionado quando o autor do crime é identificado e o inquérito é concluído.
Os números de mortes solucionadas em Pimenta Bueno estão acima dos registrados em outras cidades do estado. Um levantamento feito pela Delegacia Regional de Polícia Civil, responsável por 49 dos 52 municípios de Rondônia, aponta que 52% dos crimes contra a vida costumam ser solucionados, em média.
Juarez de Morais afirma que o apoio de 21 servidores ajudou na solução dos 78 homicídios de Pimenta Bueno, que não tem uma delegacia especializada em homicídios. Ele afirma que, apesar do baixo número de funcionários e da dificuldade estrutural, a união e o comprometimento com o trabalho garantem a solução dos casos.
“Nós priorizamos os crimes contra a vida. Quando ocorre um homicídio, todos os outros crimes ficam na espera e nosso efetivo se dedica na solução do homicídio até a conclusão”, diz Juarez.
Na delegacia de Pimenta Bueno também atua o delegado Frankie Lopes de Souza. Ao G1, ele diz que as primeiras horas após o crime são fundamentais para a identificação dos suspeitos.
"Acompanhamos a nossa equipe até a cena do crime, trazemos testemunhas e suspeitos para serem ouvidos na delegacia. Hoje em dia também contamos com as provas técnicas, como DNA e digitais colhidas na cena, então utilizamos todos os recursos fornecidos pela polícia para esclarecer nossos casos”, afirma Souza.
Um dos casos que teve desfecho recorde foi o assassinato da Kátia Saldanha, uma estudante de fisioterapia sequestrada e morta após sair da igreja em Pimenta Bueno, no ano de 2013. Em menos de 24 horas após o crime, a polícia já sabia quem eram os assassinos da jovem de 26 anos.
Para o pai de Kátia, Francisco Lacerda, a atuação rápida da polícia serviu como forma de justiça para a família. "Não aceitaria vê-los na rua. Apesar de estarem presos, a perda é irreparável. Hoje me sinto com um buraco no coração”, desabafa. Atualmente os criminosos seguem presos e já foram condenados.
O único caso de crime contra a vida não solucionado em Pimenta Bueno ocorreu em 31 de dezembro de 2015, segundo o delegado titular.
Na ocasião, uma mulher foi assassinada em casa e o corpo foi encontrado pela filha, que não estava na residência no momento do crime. Segundo o delegado Arismar Araújo, a equipe de polícia trabalhava em regime de plantão por causa réveillon, e a investigação foi iniciada mais de uma semana após o crime. Hoje, passados mais de dois anos, o inquérito não foi concluído.
Por causa desse único crime não solucionado, Arismar Araújo defende que o delegado conduza a investigação in loco nas primeiras 24 horas após o corpo ser achado. “É uma questão de gestão. A investigação deve ser imediata. O crime pode ocorrer em uma sexta-feira à noite, por exemplo, que a equipe vai a campo e já começa a trabalhar”, destaca.
Assim como ocorre em Pimenta Bueno, Guajará-Mirim (RO) também não tem delegacia especializada em crimes contra a vida, mas em oito anos a cidade de 41 mil habitantes teve 64 assassinatos e 90% dos casos solucionados nos últimos oito anos.
Só em 2017, segundo a Polícia Civil, foram 11 assassinatos e em dez casos a autoria do crime foi descoberta.
Segundo o delegado Lawrence Lachi, 11 agentes de polícia se dedicam exclusivamente às atividades de investigação policial. “Esse número pode flutuar em razão das necessidades de outros setores, como o Comissariado de Plantão, por exemplo.”
A delegacia de Guajará conta apenas com um delegado titular. Nos casos de crime contra a vida, uma equipe de policiais é imediatamente acionada. Segundo o delegado, o tempo médio até a chegada dos policiais no fato é de uma hora após a informação ter chegado à polícia.
Em Porto Velho, que tem delegacia de homicídio especializada, o percentual de assassinatos solucionados está abaixo de Pimenta Bueno. Segundo o diretor de Polícia Civil de Rondônia, Elizeu Miler, só 46% dos crimes tinham sido solucionados até 2015, mas nos dois últimos anos os casos solucionados aumentaram para 81%.
As soluções dos crimes aumentaram na capital, que tem mais de 500 mil habitantes, porque a polícia está utilizando mais mecanismos de inteligência na análise criminal, como softwares que detectam marcas de violência. Em Porto Velho, os datiloscopistas vão à cena do crime, perícia que antes era feita pela polícia técnica.
Em entrevista ao G1, o especialista em segurança pública Cássio Thyone Almeida Rosa, presidente do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, comentou a maneira como são conduzidas as investigação dos homicídios. Ele lembra, por exemplo, que o próprio Código de Processo Penal prevê que a perícia deve ser realizada em toda cena de crime com vestígios.
“Não consigo conceber uma investigação bem feita que não comece nos primeiros momentos após o crime", critica.
"Uma investigação bem feita vai resultar em um relatório final mais robusto, onde as provas estarão encaminhadas no sentido de apontar o autor e as circunstâncias do crime", diz Rosa.
"Sobre a investigação, geralmente quem vai para o local do crime não são os delegados, e sim os investigadores", critica.
Para ele, casos onde há um elevado percentual de identificação dos reais autores dos crimes podem ser considerados sim “boas práticas”, mas tem que se levar em consideração fatores como número de habitantes, efetivo polícia civil e índices de criminalidade da região.
A direção da Polícia Civil no interior afirma que as delegacias que estão localidades com mais de 80 mil habitantes e que tenham acima de 50 homicídios por ano estão sendo especializadas.
É o caso, por exemplo, das cidades de Ji-Paraná, Vilhena e Ariquemes. “Especializamos colocando uma equipe de um delegado, um ou dois escrivães e quatro ou cinco agentes que só apuram crimes de homicídio. Com essa equipe trabalhando junta, conseguimos solucionar 229 homicídios, de um total de 447 registrados em 2016”, conta Arismar Araújo, diretor de Polícia Civil do interior.
Levantamento do G1 em 553 cidades mostrou que 1.195 pessoas foram assassinadas no período de 21 a 27 de agosto de 2017 e que, dois meses e meio após os crimes, 64% dos inquéritos continuavam em aberto. Somente em 12% dos casos havia registro de prisão.
O Monitor da Violência considerou casos de homicídios, latrocínios, mortes por intervenção policial e suicídios registrados na semana da pesquisa. O trabalho é resultado de uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Levantamento do Instituto Sou da Paz divulgado em dezembro de 2017 aponta a necessidade de criar um indicador nacional de esclarecimentos de homicídios. Em alguns estados, menos de 15% das mortes violentas recebem denúncia do Ministério Público, principalmente devido à fragilidade das provas e à fraca estrutura de perícia.
Ainda segundo o levantamento do Sou da Paz, a maioria dos estados não soube responder quantos assassinatos geraram denúncias em 2015. Apenas seis enviaram informações completas ao instituto: Pará, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rondônia, São Paulo e Mato Grosso do Sul.
As taxas de denúncia em casos de homicídio variam de 4,3% (Pará) a 55,2% (Mato Grosso do Sul).
O relatório cita os métodos usados por países como Estados Unidos e Canadá para a mensuração da solução crimes de homicídio. Nos Estados Unidos, o percentual ficou em 66,54% de 1965 a 2016; no Canadá, foi de quase 94% de 1961 a 2010.
O Conselho Nacional do Ministério Público divulgou em 2012 um estudo que monitorou 43 mil inquéritos em dois anos no país. A conclusão foi a de que 78% dos casos foram arquivados.
A gestão da investigação policial pode fazer diferença nos resultados e na disseminação de boas práticas adotadas em alguns estados que têm percentual de solução de crimes acima da média, afirma uma das responsáveis pela pesquisa junto aos estados.