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    porto velho, quinta-feira 25 de abril de 2024

O governo federal espera espontaneísmo socioeconômico e sanitário ilusórios!


Por Leno Danner

16/05/2021 10:16:00 - Atualizado

O governo federal de Jair Messias Bolsonaro, desde o início de sua gestão, tem esperado um espontaneísmo casuísta, no âmbito socioeconômico, que não virá sem protagonismo público incisivo – até porque espontaneidade não existe sem pelo menos três requisitos básicos, a saber, estabilidade institucional e legal, estímulo e reciprocidade. Prova disso é que suas duas “grandes ações” foram a venda de empresas públicas ou semipúblicas, a diminuição relativa da taxa de juros e, finalmente, a reorientação de parte da legislação trabalhista e ambiental, no sentido de dar continuidade aos movimentos do presidente anterior, Michel Temer, no que tange seja à flexibilização das leis trabalhistas, seja à flexibilização das leis ambientais. E só.

O movimento mais incisivo do atual presidente no que se refere ao protagonismo da máquina pública federal consistiu na oferta do auxílio emergencial de 600 reais, a qual alcançou em torno de 60 milhões de pessoas, o que, façamos justiça, se deve mais à atuação construtiva do legislativo federal e, nesse caso, do trabalho de Rodrigo Maia e de Davi Alcolumbre (não esqueçamos, ademais, do trabalho da oposição, que encampou essa perspectiva) do que propriamente à sensibilidade do presidente e ao planejamento de seu ministro da economia, Paulo Guedes.

Nesse sentido, resta muito claro o fato de que o governo federal, especialmente no que concerne ao seu trabalho no âmbito socioeconômico conduzido pelo ministério da economia, é adepto da “filosofia” do não-planejamento e da desregulação, o que nos permite qualificá-lo como um espontaneísmo liberalizante cujo foco consiste em buscar travar permanentemente a atuação incisiva do Estado em termos socioeconômicos com vistas a garantir-se a ampla liberdade e mobilidade de investimentos privados, estrangeiros e nacionais. A ideia por trás é: quanto menos o Estado planejar e implementar socioeconomicamente medidas diretivas e organizatórias, mais haverá investimento privado, mais a iniciativa privada terá protagonismo, atitude e espaço; quanto menos o Estado gastar, mais a iniciativa privada vai gastar; quanto menos impostos em geral (inclusive desconsiderando-se da perspectiva da proporcionalidade de renda), mais compraremos e investiremos. Erro crasso, em particular em uma sociedade demarcada basicamente pelo setor terciário da economia, e um setor terciário bastante incipiente e improvisador!

Essa atitude de espontaneísmo liberalizante, por si só autodestrutiva e burra, ainda possui dois pontos que lhe agravam sobremaneira o potencial disruptivo por ela gerado ou viabilizado, a saber: primeiramente, a ocorrência da pandemia do coronavírus, o que implica em isolamento social amplo e duradouro e, assim, em diminuição da intensidade das atividades socioeconômicas; secundariamente, a postura de descontrole e de instabilidade institucionais gerada pelo presidente da república e seu séquito, incapazes de reconhecer a centralidade do judiciário e do legislativo em relação ao executivo – e exatamente nessa ordem.

Quanto ao primeiro aspecto, tem-se que a pandemia do coronavírus não pode ser tratada, enfrentada e resolvida com o estabelecimento de uma normalidade socioeconômica que não existe e que não tem condições de sustentar-se. Recusar-se a promover e a planejar o isolamento social, seja em termos de redução das atividades socioeconômicas, seja no que se refere aos cuidados profiláticos, seja no que diz respeito à vacinação em massa, é estúpido, maldoso e ineficiente, porque permitirá a ocorrência constante de ciclos de contaminação viral cada vez mais agudos e, portanto, a impossibilidade de assumir-se, promover-se e implantar-se a normalidade socioeconômica. Não ter consciência dessa situação ou recusar-se a assumi-la nos leva exatamente ao fundo do poço socioeconômico. E, ademais, sem vacinação em massa, NUNCA voltaremos a uma normalidade socioeconômica mínima. É fato científico, técnico e mesmo legal.

Quanto ao segundo aspecto, tem-se que seu apelo a saídas antissistêmicas e sua ameaça permanente aos demais poderes, mormente ao Supremo Tribunal Federal, responsável por controle de constitucionalidade, simplesmente implicam no solapamento do Estado democrático de direito e no fomento e na implementação – especialmente nas forças sociopolíticas retrógradas que apoiam o presidente e das quais ele faz parte – de uma derrubada das próprias instituições, de uma deslegitimação e de uma anulação do judiciário e do legislativo, ou seja, criam um ambiente de caos político e de infralegalidade. Aqui, ninguém está seguro, e certamente investimentos da iniciativa privada não estão seguros (e não vão ocorrer).

O que se vê, de todo modo, é que Jair Messias Bolsonaro é espontaneísta inclusive no que se refere à pandemia do coronavírus. A solução para ela é exatamente reconhecermos que não há solução, que temos de voltar ao trabalho e à vida normal, inclusive sem máscara e promovendo aglomerações, como se nada fosse – sermos machos, deixarmos de sermos maricas, eis a solução genial e inovadora de nosso mestre de pensamento, o presidente Jair Messias Bolsonaro. Ou seja, incompetência, inépcia e maldade no mais algo grau possível. Precisamos aprender com os Estados Unidos e com Israel: investimento público, isolamento social, educação sanitária e, finalmente, vacinação em massa são os únicos instrumentos possíveis para a volta à normalidade. E, com isso, de que é o protagonismo público nesses eixos estruturais que nos colocará no domínio da situação.


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