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porto velho, sexta-feira 27 de junho de 2025
A discussão no plenário do STF sobre a abolição do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que resultará na instauração formal da censura prévia e da censura política no Brasil, é pedestre, para dizer o mínimo.
Ontem, tivemos mais uma etapa dessa caminhada prosaica com final previsível. O ministro Dias Toffoli, por exemplo, comparou liberdade de expressão a metralhadoras para defender que as plataformas digitais sejam responsabilizadas sobre o conteúdo que veiculam.
“Agora, eu tiro da minha plataforma a metralhadora de venda porque ela está proibida e eu não tenho que pagar indenização ao pai dessa vítima”, disse o ministro, apontando o que seria o absurdo da atual legislação, e espero sinceramente que essa metáfora não lhe tenha tomado muito tempo de reflexão.
A ministra Cármen Lúcia, por sua vez, inventou a expressão “discurso de ódia” para relativizar o direito de xingar e enfatizar que as mulheres seriam um dos alvos preferenciais dos selvagens nas redes sociais.
“Direito de criticar eu acho que tem, direito de vaiar tem, direito de aplaudir também nós temos. Agora, direito de xingar… aí é diferente”, afirmou a ministra, antes de se concentrar no caso de postagens misóginas.
“Não é discurso de ódio, é discurso de ódia”, continuou ela, aparentemente muito satisfeita com o seu dito espirituoso. “Sou insuspeita para falar do que falam de mim. Xingam. Muitas vezes, acho que têm, sim, o direito de xingar. O que não têm é o direito de cercear, de levar à morte pessoas, instituições e a própria democracia”.
Exagerar ameaças, fazer comparações mortíferas, pintar quadros apocalípticos, tudo isso faz parte das estratégias discursivas que justificam a instauração da censura como panaceia, mas há maneiras mais refinadas de fazê-lo, até literariamente.
Edson Fachin foi a voz da razão na sessão de ontem. Ele se juntou a André Mendonça para mostrar o óbvio: obrigar as plataformas a remover conteúdos sem a necessidade de ordem judicial — o contrário, portanto, que consta do artigo 19 do Marco Civil da Internet — significará implantar a censura no Brasil, terceirizando-a.
Haverá o risco de “censura colateral”, afirmou o ministro, de maneira cristalina, sem recorrer a metáforas estapafúrdias e truques baratos de linguagem.
“A adoção de controle de discurso dos usuários não faz parte do estado de direito democrático”, explicou Edson Fachin, que acrescentou: “A necessidade de ordem judicial para se remover conteúdo por terceiro parece ser a única forma constitucionalmente adequada de compatibilizar a liberdade de expressão com regime de responsabilidade ulterior.”
É uma pena que o hábito de leitura seja tão pouco difundido no Brasil, inclusive entre os que se consideram iluministas.
Houvesse uma discussão séria sobre liberdade de expressão por aqui, seria inevitável debruçar-se sobre o livro Free Speech: a History from Socrates to Social Media, do advogado dinamarquês Jacob Mchangama, o mais notório defensor da liberdade de expressão no cenário internacional.
No livro, ele destrói um dos argumentos que, com ares de erudição, vem sendo utilizado no STF para instaurar a censura no Brasil a fim de salvaguardar a nossa democracia: o da ‘falácia de Weimar”.
Leia-se o que escreveu Jacob Mchangama:
“Um dos argumentos mais comuns e intuitivamente atraentes para limitar a tolerância à intolerância — parafraseando o filósofo austríaco Karl Popper — nas democracias modernas é a ‘falácia de Weimar’. Ele argumenta que, se a República de Weimar tivesse feito mais para proibir a propaganda totalitária, a Alemanha nazista — e, portanto, o Holocausto — poderia ter sido evitada. Assim, as democracias modernas não podem se dar ao luxo de cometer o mesmo erro. Essa é uma conclusão questionável por uma série de razões. Inclusive porque houve constantes tentativas de silenciar tanto Hitler quanto o Partido Nazista. Mas essas tentativas ajudaram a aumentar o interesse e a simpatia pelos nazistas, transformando monstros em mártires. Talvez o dado mais asssustador é que os nazistas usaram as leis de emergência de Weimar para estrangular a própria democracia que as leis deveriam proteger.”
Quando ao ‘discurso de ódio” ou de “ódia”, como quer a ministra Cármen Lúcia, Jacob Mchangama esclarece qual é sua fonte impura:
“Após a Segunda Guerra Mundial, o imperativo de proibir a propaganda nazista foi cinicamente explorado por outro regime totalitário. A União Soviética de Stalin usou a falácia de Weimar para fazer lobby, com sucesso, pela introdução de restrições ao discurso de ódio no direito internacional dos direitos humanos. Isso não apenas ajudou a legitimar a repressão à dissidência no bloco soviético, mas também forneceu cobertura legal sob a lei internacional para estados de maioria muçulmana ansiosos por adotar uma proibição global da blasfêmia.”
A liberdade de expressão é que está sendo metralhada no STF com argumentos pedestres, ultrapassados e perigosos.