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porto velho, quinta-feira 19 de junho de 2025
BRASIL - Operações policiais com altas taxas de letalidade, como a que resultou em 26 mortes em Varginha, no Sul de Minas Gerais, não são comuns no estado, segundo especialistas. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que, no ano passado, a polícia mineira foi a segunda menos letal do país, atrás apenas da do Distrito Federal.
Enquanto no Brasil a taxa média de mortalidade por intervenções policiais foi de 3 por grupo de 100 mil habitantes em 2020, no estado, a taxa foi de 0,6. Foram 120 mortes decorrentes de intervenções de policias civis e militares, dentro e fora de serviço, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado neste ano.
"Isso (operação com alta taxa de letalidade) não é comum, e precisamos investigar. Não se pode abrir qualquer precedente de ação desproporcional da atividade policial. É importante que as pessoas entendam que garantir ação proporcional, adequada e justa é garantia de segurança para todos nós", afirma o especialista em segurança pública Robson Sávio, membro do FBSP e presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos.
Dezenove dos 26 suspeitos de roubo a bancos mortos na operação conjunta entre Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) em Varginha foram identificados até o fim da manhã desta quarta-feira (3). Nenhum policial ficou ferido.
O QUE DISSERAM OS ESPECIALISTAS:
O que se sabe sobre a operação que deixou 26 mortos em Varginha (MG)
'Temos muitas perguntas e poucas respostas'
Para Robson Sávio, o fato de o confronto armado ter resultado em vitimização de apenas uma das partes chama a atenção. Um trecho do Anuário Brasileiro de Segurança Pública diz que "quando a polícia produz um número muito elevado de mortes e policiais não são vitimizados, é difícil crer que todas as ações estão focadas exclusivamente na defesa da vida dos policiais".
Segundo a PM, o fato de nenhum policial ter saído ferido se deve a fatores como "técnica", "tática policial" e "treinamento" da equipe que atuou na operação.
"O Bope é altamente qualificado, muito bem preparado e armado e teria condições objetivas de atuar nessa situação. Nós precisamos ser convencidos de que esse resultado foi o único possível, e temos muitas perguntas e poucas respostas até agora", diz o especialista.
O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos enviou um ofício pedindo explicações ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), à Ouvidoria de Polícia e à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) sobre a ação policial.
O MPMG e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa vão investigar o caso. O Ministério Público inclusive detalhou, na tarde desta quarta (3), que uma comissão com quatro membros vai atuar na apuração.
A Polícia Militar também instaurou um inquérito para avaliar a conduta dos policiais envolvidos.
Preservação da cena do crime
"Uma questão fundamental para a investigação é a preservação do local onde houve o evento criminal. Queremos saber, por exemplo, se esses locais foram preservados para a perícia e em que condições, queremos saber se existem disparos feitos por arma de terceiros", afirma Sávio.
Segundo a PM, todos os suspeitos foram socorridos com vida para hospitais da cidade.
Suspeitos de quadrilha de assalto a bancos se dividiram em dois sítios em Varginha — Foto: Arte TV Globo
Por isso, a análise balística vai ser determinante para as investigações, ao identificar quantos disparos cada suspeito levou e de que formas as mortes ocorreram, de acordo com o pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bráulio Figueiredo.
Para ele, a operação foi bem-sucedida no sentido de que os policiais anteciparam a ação dos criminosos, que estavam fortemente armados. No entanto, Figueiredo diz que é importante que a participação dos agentes seja investigada.
"Uma operação com taxa de letalidade tão alta, em que 100% dos criminosos morreram, não é algo rotineiro, que se espera de uma operação, sobretudo de uma operação planejada. Temos que entender como se deu esse confronto, qual foi o grau de hostilidade e dificuldade", diz.
O especialista defende o uso de câmeras nos uniformes dos policiais, como já é feito em alguns estados do país, como São Paulo e Santa Catarina.
"Este é um mecanismo que tem que ser universalizado na polícia brasileira, porque ele garante a segurança das duas partes. Para o mau policial é péssimo, para o bom, que é a grande maioria, vai dar mais garantia de que ele atuou corretamente", afirma.
A também pesquisadora do Crisp e professora da UFMG, Ludmila Ribeiro, diz que operação bem-sucedida é aquela que não resulta em mortes.
"Operação bem-sucedida é quando não morre ninguém, é quando você tem todo mundo preso, afinal, a gente não tem pena de morte no Brasil. O fato de essas pessoas serem criminosas não justifica a morte delas. Essa é uma das operações mais chocantes em razão dessa elevada letalidade", diz.
Segundo ela, apesar de a polícia mineira ser considerada uma das menos letais do país, há problemas em relação à transparência dos dados.
"No começo dos anos 2000, Minas era efetivamente um exemplo a ser seguido pelos outros lugares, mas isso foi se perdendo com o passar do tempo. Talvez o que a gente esteja verificando agora é a mudança desse padrão. É muito importante que a Corregedoria se posicione, investigue e seja capaz de reprimir esse tipo de ação", afirma.
O g1 entrou em contato com a PMMG e aguarda retorno sobre as críticas recebidas.